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O legado revolucionário de Preta Gil

Preta Gil

Foto: Reprodução

Artista plural e pioneira no enfrentamento ao machismo, racismo e gordofobia, Preta foi muito mais do que filha de Gilberto Gil

Semanas antes da vinda do grupo estadunidense de indie rock Gossip ao Brasil para se apresentar no C6 Fest 2025, falamos sobre o incrível trabalho da líder Beth Ditto em questões como a defesa da comunidade LGBT+ e a quebra de padrões de corpo no mundo da música, influenciando desde garotas roqueiras a editores de revista de moda. O que não te contamos é que, antes de Ditto, uma artista brasileira estava fazendo o mesmo, com tamanho impacto e semelhante incômodo ao povo “padrãozinho”: Preta Gil, artista que nos deixou no último domingo, em Nova Iorque, cedo demais (50), em decorrência do câncer.

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A importância da filha de Gilberto Gil na música pop transpassou em muito suas próprias canções. Preta foi política e guerrilheira. E apesar de ter perdido para o câncer, venceu tantas outras batalhas, lutando por um mundo menos injusto e exclusivo. Bem que se diga, ela já começou causando no dia em que aterrizou na terra. Nos braços da avó, Wangry, deu de cara com o racismo quando chegou ao cartório para fazer seu registro de nascimento, em agosto de 1974. “Não posso registrar alguém com o nome de ‘Preta’.”

A solução foi incluir Maria como nome do meio. Mal sabia a bebê que o dia marcaria o início de uma vida de luta. E mal sabia o tabelião que aquela garotinha, 29 anos mais tarde, lançaria um álbum (Prêt-à Porter) posando nua na capa — uma foto lindíssima, por sinal — dando voz e autoestima à mulher preta e gorda. Uma Riot Grrrl, como foi a colega estadunidense anos mais tarde, amada e celebrada no mundo da música e da moda.

Aqui, claro, a capa deu o que falar. E foi bom. Era preciso discutir os padrões impostos pela sociedade para ser considerada “bonita”. Se hoje temos desfiles de moda e corpos de dança com artistas fora da estética magra e branca, celebremos Preta Gil, Deize Tigrona, Tati Quebra Barraco e tantas artistas que vieram depois. Comprar a briga na capa do disco lhe rendeu o pior do Brasil, com gente ganhando dinheiro e cliques com piadas sobre seu corpo. Batalhou também na justiça, processando conservadores como Emilo Surita, Gui Santana, Jair Bolsonaro (o da tornozeleira) e até mesmo o Google. Ganhou a maioria dos processos e ensinou outras pessoas a importância de ir atrás de reparações contra quem acha que a internet é uma terra de ninguém.

Prêt-à Porter foi a base de lançamento para o foguete contestador de Gil. Consolidou sua carreira na música (vieram mais três álbuns depois), se jogou no cinema, na televisão (foram muitas suas participações e temporadas) e no teatro. Se tornou uma espécie de “celebridade de opinião”, usando sua exposição e berço para manter em discussão as pautas de inclusão e diversidade. Nunca fugiu do posicionamento e isso, claro, incomodou muita gente afeita ao preconceito.

Quando Preta Gil soube que uma nova plataforma lutaria pela igualdade de gêneros na música unindo plataforma online, convenções anuais e um prêmio dedicado às mulheres na música — o WME —, entrou de cabeça no rolê, emprestando sua exposição na mídia e sua experiência em eventos (trabalhou em grandes produtoras como a Dueto e a Conspiração Filmes, além de montar sua própria empresa, Music2Mynd) para aquela nova frente de batalha. Claudia Assef, criadora do WME ao lado de Monique Dardenne, nos conta:

“A Preta foi apresentadora do WME Awards desde seu primeiro ano. Ela sempre olhou para o prêmio como algo muito potente, como uma possibilidade de mudarmos o mercado e confrontar o machismo que é totalmente impregnado no mercado da música. Ela sempre trouxe o WME para o protagonismo e nos orientou a falar mais da plataforma. Ela sempre nos colocou muito para cima, trazendo nossos pontos positivos para o front. Sempre foi muito generosa, muito carinhosa. Se entregou fazendo sempre as leituras de roteiro do prêmio e trazendo inputs muito valiosos. A Preta foi uma das nossas ‘sócias’. Ela gostava muito desse papel de uma das apreentadoras do prêmio. Tanto que, no ano passado, o único que ela não pôde apresentar por questões de saúde, ela assistiu, postou no dia seguinte e recebeu um vídeo nosso com as apresentadoras citando-a. Ela sempre esteve muito à frente do seu tempo”.

As portas que Preta Gil abriu — ou melhor, derrubou a pontapés — seguem disponíveis para tantas outras mulheres no mundo da música. Mantê-las abertas, porém é um dever de todos nós, e um sinal de respeito à toda luta e vibração da artista, que a essa hora já deve estar se incomodando com a presença de mais anjos do que anjas nos escritórios do paraíso.

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