
O dia em que Brian Wilson tentou fazer rap feminista
Falecido nesta quarta-feira (11), aos 82 anos, o maestro dos Beach Boys já passou por uma relação abusiva com o psicólogo
O estrago causado pelo psicólogo Eugene Landy na vida artística e pessoal de Brian Wilson é de cálculo impossível. Conforme a relação entre doutor e paciente se desenvolvia, Landy impôs sobre o artista certa pira megalonamíaca, assumindo a posição de guru, empresário e produtor musical, determinando as suas escolhas de carreira como um protozoário alojado na mente de um hospedeiro. A dependência evoluiu para um disco jamais lançado, incluindo um absurdo rap gravado pelo maestro dos Beach Boys, falecido no último dia 11, aos 82, e acabou em processo no qual o psicólogo foi proibido pela justiça estadunidense de se aproximar ou manter qualquer contato com o gênio fragilizado, na década de 90.

Em 1975, após alçar voo com os Beach Boys para o estrelato e se consolidar como um dos mais geniais compositores da música pop, Wilson estava no buraco. Abuso de drogas, depressão e ansiedade enclausuraram o artista em sua casa, enquanto a banda viajava e fazia shows sem ele. Landy foi encontrado por sua esposa, Marilyn Wilson, e aproveitando a fragilidade emocional da família, o psicólogo sugeriu um tratamento estranho. Alegando que o marido era um “esquizofrênico não diagnosticado”, determinou uma espécie de terapia 24 horas que incluía controle total sobre sua rotina, baldes de água fria quando ele se recusava a sair da cama e a proibição de qualquer contato com os membros do Beach Boys, grupo formado na adolescência por três irmãos (Brian, Dennis e Carl) e o primo Mike Love. A dolorosa conta entregue pelo médico era igualmente absurda — 20 mil dólares por mês (cerca de 120 mil dólares, em valores atualizados).
A tal terapia intensiva surtiu resultados por um curto tempo. Em 1982, Brian Wilson caiu ainda mais fundo, e Marilyn decidiu recontratar Landy, que voltou à sua vida de forma ainda mais voraz. Ainda justificando que o artista precisava de acompanhamento todo o tempo, assumiu a função de empresário e, mais tarde, produtor musical e até mesmo coautor de músicas. Com isso, os honorários do psicólogo passaram a ser calculados pela porcentagem dos direitos autorais dos Beach Boys, deixando-o milionário.
Quando Brian Wilson bateu na porta da Syre Records para mostrar as demos de seu segundo disco solo em 1990 (o anterior, homônimo, havia sido lançado dois anos antes), a equipe da gravadora tomou um susto.

“Se o disco, por si, já era patético, as letras que Eugene Landy escreveu eram cheias de balela psicológica. Quando Wilson chegou aqui com as fitas, eu achei que era uma brincadeira. Mas não, ele favava sério. Foi constrangedor”, contou Howard Klein ao biógrafo Kingsley Abbot no livro Back to the Beach: A Brian Wilson and the Beach Boys Reader (1997). O músico foi mandado para casa e voltou um ano depois com uma regravação do disco, igualmente rejeitada.
Além da nefasta influência musical do médico, denotando uma extrema dependência psicológica entre os dois, Klein se assustou ao ouvir, no meio das demos do álbum que se chamaria Sweet Insanity, um RAP! Apesar de Brian ter convidado Matt Dike (responsável por hits como Hey Ladies, dos Beastie Boys, e Wild Thing, de Tony Loc), Smart Girls precisaria melhorar muito para ganhar o título de meia boca.
A letra era uma viagem em que Wilson falava de si mesmo e da importância de sua obra, guinando em determinado momento para uma homenagem às mulheres. Mas nem mesmo Dike botou fé naquela música. Quando doutor e paciente disseram ao produtor que estavam certos de que fariam milhões com Smart Girls, ouviram como resposta: “vocês são doidos?”, segundo contou Dave Leroy no livro The Greatest Music Never Sold, de 2007.
Segundo o próprio Brian Wilson contou em seu livro de memórias Wouldn’t It Be Nice?, os dois estavam assistindo ao programa Yo MTV Rap na TV quando viram videoclipes de músicas abusando do sexismo, colocando as mulheres para baixo. Além disso, o grupo Fat Boys havia acabado de lançar um som com sample de Wipe Out, dos Beach Boys, usando imagens da banda no videoclipe. Num lampejo memorial de sua genialidade hibernada, ele pensou: “eu posso fazer melhor”.
E escreveu, ao lado de Landy, um rap falando de sua carreira, com diversos samples de hits dos Beach Boys, além de tentar “botar as mulheres para cima”. Tanto Smart Girls como todo o Sweet Insanity jamais foram lançados oficialmente, mas suas demos pingaram no mundo virtual com o passar do tempo. Pelo menos, uma coisa o fracasso trouxe de bom. Resultou, enfim, na percepção do músico que Landy estava acabando com sua carreira. O divórcio foi litigioso: o psicólogo só largou o osso quando foi definitivamente proibido de se aproximar do lucrativo paciente.