Festival abriu a caixa preta ao público para provar que a cidade precisa, sim, tratar com muito carinho os empreendedores culturais
O festival The Town, primo do consagradíssimo Rock in Rio, já nasceu rico. Sua primeira edição, sustentada pela longa experiência do grupo Rock World, de Roberto Medina, fechou as contas e já o credencia ao patamar de mega evento.
Quem esteve no Autódromo de Interlagos entre os dias 02 e 10 de setembro precisou desviar das dezenas de espaços especiais criados por marcas para chegar ao palco do seu artista predileto, o que rendeu, entre os mais ácidos, o slogan de “shopping center com palcos de música”.
A turbinada estratégia de promoção deu resultado. A Fundação Getúlio Vargas fez um pente fino e descobriu que o The Town movimentou quase R$ 2 bilhões de reais, direta e indiretamente. E que os impostos gerados por lá bateram R$ 213 milhões.
Somando todos os dias, o público superou a marca de 500 mil pessoas, que foram atendidas por outras 24 mil. Esses trabalhadores atuaram em postos que vão desde a montagem da estrutura, equipe técnica e tour managers até o pessoal de serviço. Simplesmente, foi o maior festival da história da capital paulista.
A ocupação hoteleira subiu para 85% em São Paulo no período, o que foi visível. Bastava caminhar pelo centrão durante o final de semana para ver animados turistas, em “roupas de festival”, seguindo para o metrô.
Cultura, coisa de vagabundo
Festivais com números como este interessam a todos, inclusive ao festeiro que se enfia em um inferninho na São João para dançar ao som de hard techno búlgaro. Funcionam como um tapa na cara dos que acham que a indústria cultural é feita por gente que “mama nas tetas” do governo. Eventos esportivos e culturais são uma mina de ouro para as prefeituras de grandes cidades e chegaram a um poder de influência tamanho, que simplesmente é impossível virar-lhe as costas por motivos “ideológicos”.
Basta lembrar que os maiores eventos turísticos de São Paulo eram, até o The Town, a Parada LGBTQIAP+, o Carnaval e o Grande Prêmio de Fórmula 1. Hora de botar os grandes festivais de música neste seleto grupo.
Aprofundando mais a visão, notamos que o ambiente que vivemos é fruto de uma construção, um elevador que viaja tanto pra cobertura, quanto para o térreo.
Afinal, uma parte dos adolescentes que corre dezenas de quilômetros, saltitando nos shows que vão do Yeah Yeah Yeahs a Bruno Mars, vai, naturalmente, consumir eventos menores ao ficar mais velha, focando em conforto. Mais do que isso: vai, durante o restante do ano, procurar quem são os “Yeah Yeah Yeahs daqui”.
Na mão contrária, a grande maioria dos artistas, técnicos de som e roadies (dentre tantas outras posições na cadeia da música) começou em pequenos shows e bares, e foi adquirindo conhecimento e experiência para crescer na carreira, até beliscar uma posição na folha de pagamentos de um grande festival.
E quando o The Town contrata um técnico para seu eventão de bilhões, ele abre uma vaga para que outro, em início de carreira, ocupe seu lugar na pequena casa de show.
Quando um festival cobra uma pequena fortuna por um ingresso e pela cerveja vendida, ele abre uma oportunidade para festivais menores, se contrapondo aos stands de marcas e ocupando galpões abandonados. Uma saudável discórdia cultural, demandada por uma parte do público consumidor.
E dá-lhe festival!
A agenda de grandes festivais no pós-pandemia é de temperatura nuclear. Faltam grandes lugares, em São Paulo, para abrigar tanto evento e, em vários finais de semana do ano, rolam não só um, mas vários festivais de médio porte disputando o público.
O poder público deve fazer sua parte, claro, abrindo os braços para o setor cultural e investindo em ações de fomento, formando profissionais e artistas. Esta classe faz o povo sorrir de qualquer jeito. Já é provado, por exemplo, que o retorno de leis de incentivo, como a Aldir Blanc (antiga Rouanet), retorna ao estado 1,7 vezes o dinheiro subsidiado. Ah, se todos os setores fossem assim!
Cofres cheios e gente aglomerada. A cara de São Paulo.