Gaía Passarelli Foto: Divulgação

Gaía Passarelli fala sobre ‘Tá Todo Mundo Tentando’, seu novo livro de crônicas

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Lançamento oficial da segunda obra literária de Passarelli rola nesta terça-feira, em São Paulo

Gaía Passarelli, a mulher que contou a todos sobre como é viajar sozinha pela mundo, está lançando seu segundo livro. Tá Todo Mundo Tentando (Editora Nacional) é uma coleção de crônicas, escolhidas entre centenas que já foram publicadas em sua newsletter semanal homônima. O livro ainda tem um presentinho extra: três contos que inauguram, para o público, as aventuras da escritora na ficção. Apesar de o livro já ter criado próprias perninhas e percorrido, em bons textos, os diferentes e complexos caminhos da vida urbana (em São Paulo e nas cidades que Passarelli visitou), o projeto nasceu de uma newsletter que foi criada no meio da bagunça psicológica do lockdown pandêmico.

Era o ano de 2020 e o mundo estava assolado por uma pandemia de covid-19, obrigando muita gente a ficar trancada em casa. Muitos foram instruídos a trabalhar da sala, em home office. Outros, simplesmente perderam seu emprego ou fonte de renda principal. A estes, a pergunta a que se faziam era: “e agora?”.

A resposta que Gaía Passarelli encontrou, no meio da confusão, foi aprender a conviver com o novo cotidiano, e dividir tudo o que refletiu sobre este novo normal em uma nova newsletter, chamada Tá Todo Mundo Tentando. Em edições semanais, todas as sextas-feiras, ela publica crônicas sobre diversos temas do do dia a dia e experiências que, embora sejam pessoais, são também comuns a muita gente. Deu muito certo. Que o digam os mais de 16 mil assinantes que, ao lerem sobre a visão da escritora sobre situações que compartilham com ela, vão seguir tentando viver neste mundo louco.

Gaía, seus leitores e a newsletter não só sobreviveram ao período de lockdown, como também extrapolaram o momento e lidam, com a “reabertura” da vida, com as alegrias e agonias do mundo contemporâneo. Tecnologias, terapias, vida social, saúde (incluindo a mental) e, no caso do novo lançamento, um pouco de viagem e também ficção.

Tá Todo Mundo Tentando fala sobre viver em São Paulo, sobre estar consigo mesma e, também, sobre dar uns rolês por aí. Afinal, foram as viagens que projetaram Passarelli no mundo literário, através de seu celebrado livro de estreia Mas Você Vai Sozinha?uma série de textos sobre bater perna sem acompanhantes por diversas cidades brasileiras e gringas.

A nova obra traz reflexões dos recônditos da alma. Com ilustrações de El Certo (Tiago Lacerda), Tá Todo Mundo Tentando ganha noite de lançamento nesta terça-feira (11), na Megafauna, livraria cult encravada no centro da cidade que tanto inspirou seus textos, São Paulo. A celebração ainda conta com a mediação da amiga e jornalista Renata Simões, a partir das 18 horas.

Gaía entrou para o jornalismo ao criar o primeiro site dedicado ao cenário da música eletrônica no Brasil, o RRAURL. Em mais de uma década de atividade, o portal independente reuniu todo mundo que estava atrás de festa e música, a partir de meados dos anos 90, momento em que o Brasil criava sua versão tropical para o movimento acid house que havia tomado a Europa alguns anos antes.

Conversamos com a escritora às vésperas de seu grande lançamento (a publicação já está disponível nas livrarias) para falar sobre a vida, as inspirações para as crônicas e a ideia em compilar uma seleção especial destas, muito bem empacotada.

Jota Wagner: Seu novo livro, Tá Todo Mundo Tentando, é para leitores paulistanos?

Gaía Passarelli: Meu livro novo é muito São Paulo-cêntrico. Como nos últimos anos eu passei em SP o tempo todo, é muito essa cidade. Mas não acho que ele é um livro só para quem mora, ou vive, ou a conhece. Tem capítulo de viagens também, tem história na Patagônia, tem história em Salvador. E tem ficção também, né? É a primeira vez que eu tô arriscando fazer uma ficção.

Como surgiu a ideia?

A história é a seguinte: ali por 2021, quando estávamos todos muito dentro de casa, eu saí do BuzzFeed, trabalho em que eu estava nos últimos anos. E eu me vi desempregada na pandemia, com muito tempo em casa, pensando: “o que eu faço agora?”. Também estava sentindo muita vontade de voltar a escrever minhas coisas, voltar para os meus temas. Pensei: vou fazer uma newsletter.

A newsletter já estava muito em alta, por causa do Substack. Eu já tinha feito uma, em 2016, e então, já tinha uma lista inicial de e-mails. Reorganizei essa lista e comecei a enviar por ali. Os primeiros textos são muito relacionados à pandemia, e a escolha de querer fazer a newsletter tem muito a ver com uma necessidade que eu tinha de precisar fazer algo periódico. Ela requer uma uma dedicação, uma constância, uma periodicidade. Comecei assim, mas não tinha nenhum plano de, um dia, ela virar livro.

Poucas semanas depois de estrear a Tá Todo Mundo Tentando, em abril de 2021, eu recebi um e-mail anunciando o Substack Local, que era um programa de fomento de ações de apoio ao jornalismo local. E eu, que estava desempregada, inscrevi um projeto lá, chamado Paulicéia, que era uma newsletter especial sobre a situação da cultura de São Paulo durante a pandemia. Foi um projeto com começo, meio e fim, e rolou em paralelo durante 2022. Eu tinha uma série de aulas, workshops, encontros com a comunidade do Substack, que me trouxeram muitos aprendizados.

Depois de um ano, o Paulicéia acabou. Foi um flop de audiência, mas ele ficou muito legal enquanto conteúdo, e está no ar até agora. Com esses aprendizados todos, eu pude aplicar à Tá Todo Mundo Tentando. A newsletter, que agora está com mais de 16 mil assinantes, vai superbem. Mas como romper um pouco a barreira da audiência do Substack, que no Brasil ainda é uma coisa muito restrita? Eu achei que colocar isso em formato livro seria uma boa estratégia. Então, aqui estamos.

As crônicas são sobre você, ou coisas que observava em outras pessoas?

Um pouco de tudo, e isso tem se transformado. Porque começou durante a pandemia, então era muito eu, minha vida, minhas opções e as nossas agonias coletivas. Depois a vida foi abrindo, outras aflições. Mas o que acontece é que a newsletter é semanal, é um texto novo toda sexta-feira. E quem escreve com essa regularidade tão intensa sabe que é difícil achar assunto toda semana. Então, eu comecei a usar esse espaço também, que eu venho criando para publicar experiências com ficção, que estão sempre relacionadas também à minha vida e ao meu entorno, porque toda ficção parte de um lugar real.

Tem sido muito legal ter esse espaço para experimentar. Em determinada semana, eu não tenho uma crônica de alguma coisa que aconteceu na minha vida. Porque, enfim, os dias são todos iguais, só que alguns são mais chatos. Aí eu comecei a inventar mesmo.

Tivemos a visão de que muita coisa ia mudar no comportamento das pessoas após a pandemia. Talvez você seja uma das melhores pessoas para se perguntar: o que ficou em nossas cabeças depois disso?

Eu acho que a gente piorou muito. Eu sou uma cética. Aquele momento que a gente teve no começo da pandemia ali, lembra? “Nós vamos sair melhores dessa…” O caralho! O mundo tá aí acabando e ninguém sabe o que fazer.

Está cada um fazendo o possível para manter o nariz acima da água e seja o que Deus quiser. Eu acho que a gente vive um “seja o que Deus quiser” coletivo. Apesar de, claro, termos iniciativas coletivas. A gente vai passar por eleições esse ano, é muito importante pensar em quem está olhando para uma tentativa de reconstrução coletiva. Mas o que eu vi durante a pandemia, e no momento em que o mundo voltou a reabrir, foi as pessoas lambendo o chão, as pessoas botando para fora tudo o que não viveram naquele período e agora querem viver muito .

Eu acho que a gente vive uma pandemia de questões de saúde mental. Tá todo mundo muito doido, cada um de um jeito. Vivemos um momento absurdamente complicado, dramático, e tá todo mundo tentando lidar cada um do seu jeito.

Eu, por exemplo, virei uma pessoa que acorda às cinco da manhã e não consegue mais estar em ambientes com muita gente, com muito barulho. Talvez eu nunca mais consiga.

Como foi o processo de escolha do que entrou e o que ficou de fora no livro? Foi algo pessoal, ou ligado à audiência?

Uma mistura dos dois. Eu fiz uma lista puxada ali do sistema da newsletter dos 20 textos mais lidos e compartilhados, que são as duas métricas que a gente têm, e misturei isso com aqueles que eu gosto mais, que às vezes não são os que as pessoas leram mais, mas que são significativos para mim. E também, junto com minha editora Ivânia Valin, queríamos fugir dos textos que fossem excessivamente relacionados à pandemia.

Claro que o livro está relacionado à pandemia de alguma forma, mas eu queria que ele fosse perene. Não quero que seja um livro de memórias da pandemia.

Inclusive, a escolha de colocar textos de viagem, que aconteceram em 2017, a ficção, é um esforço para que esse livro continue depois, independente da newsletter, independente da pandemia. Além disso, têm textos que eu gosto muito, mas que não entraram, por causa dessa intenção.

Você começou com o jornalismo lá atrás, no RRAURL. Sua escrita traz alguma coisa daquele momento mais musical, disruptivo?

Bem, o que existia antes daquela época e que persiste até hoje é meu interesse por música. Por mais que eu não trabalhe mais com isso, no sentido de escrever sobre, ainda sou e sempre serei uma pessoa que ouve muita música. Isso aparece aparece na newsletter de formas muito sutis. Toda semana tem uma sugestão musical para ouvir durante a leitura. Tenho uma playlist com mais de 300, e isso é parte da newsletter.

Eu acompanho de longe e gosto muito, muito, muito do que eu vejo da cena de festas em São Paulo de hoje. As festas mais underground, que eu acho muito anárquicas. Gente pelada dançando até domingo às 20h, sabe? Que bom que isso ainda rola. Porque o que eu vejo de música eletrônica grande, que a gente sempre chamou de mainstream, não me desperta absolutamente o menor interesse. E que bom que eu não preciso participar disso.

Mas eu não sei te dizer como aquela época se reflete no que eu escrevo hoje. Talvez não reflita. Porque, com o tempo, nessa tentativa de desenvolver o que eu escrevo para além do jornalismo e ir mais para o lado da literatura, fui buscando outros lugares, outras referências, mas o cenário de festas e de música sempre vai me interessar de alguma forma. Por exemplo, tô superanimada pra ler o livro do Camilo Rocha, que vai sair daqui a pouco, sabe? Não vejo a hora de ler e poder recordar essas histórias. E o meu próximo livro, que só sai ano que vem, mas já está em produção, é sobre música.

Serviço

Lançamento do livro Tá Todo Mundo Tentando, de Gaia Passarelli

Datas: 11 de junho de 2024 (terça-feira)
Local: Livraria Megafauna: Avenida Ipiranga, 200, loja 53 (Ed. Copan) – Centro Histórico, São Paulo/SP
Horário: 18h
Participação: Renata Simões
Entrada: Gratuita

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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