![Nick Cave e Kanye West](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Nick-Cave-e-Kanye-West-1024x576.jpg)
Nick Cave explica por que continua admirando a música de Kanye West
Segundo o australiano, não se trata de separar a obra de arte do artista; entenda!
O australiano Nick Cave, mestre das boas letras em canções que compõe há quatro décadas, teve o privilégio de recorrer a si mesmo na polêmica em que se envolveu por causa do Kanye West. O artista mantem um blog desde a pandemia chamado The Red Hand Files, onde responde perguntas dos fãs. Em uma recente postagem, contou que gostaria que a música I Am God, de West, fosse tocada em seu funeral. Dias antes da pataquada nazista que o rapper protagonizou no X e no intervalo do Super Bowl.
![Kanye West](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Kanye-West-150x150.jpg)
Após o escândalo, choveu carta de fã questionando Cave sobre o que ele achava sobre a investida nazi do rapper, e se ele ainda conseguia gostar de I Am God a ponto de mantê-la em seu funeral. Respondendo à pergunta de um leitor alemão chamado Jörg, que afirma não conseguir separar a arte do artista, Nick relembrou um texto bastante comovente que havia escrito em 2021 sobre o tema, e reiterou que despreza as afirmações e atitudes de Kanye, mas seguiu defendendo que devemos ver uma obra como a redenção de uma alma — um pedaço bom escondido dentro de uma pessoa má.
E justamente por isso, respeitá-la ainda mais. Afinal, seria muito mais “divino” o nascimento e algo sublime vindo de uma pessoa toda torta. Um sinal de esperança, de que há algo bom em qualquer ser humano.
Leia abaixo a tradução do texto original de Nick Cave, publicado recenetemente na Red Hand Files, sobre a polêmica com Kanye West. E aproveite para assinar a newsletter. Vale a pena e é gratuita.
![Kendrick Lamar](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Kendrick-Lamar-Superbowl-150x150.webp)
“Inúmeras cartas chegaram expressando, de forma bastante clara, desaprovação à minha admiração pela música de Kanye West. Muito tempo e energia foram gastos explicando a perversidade do nazismo, os danos do antissemitismo, por que é errado vender camisetas estampadas com suásticas e por que é inaceitável coagir sua namorada a ficar nua no tapete vermelho do Grammy. Sobre esse ponto, parece que todos podemos encontrar algum consenso. Eu concordo.
No entanto, quero desafiar a noção de que podemos separar a arte do artista. Já escrevi sobre esse assunto antes (#149), mas achei que valia a pena revisitá-lo. Ao ler suas cartas recentes, percebo que alguns de vocês assumem que eu defendo essa ideia. Para deixar claro: eu não defendo. A ideia de que um artista pode ser dissociado de sua arte é absurda. Artista e obra estão fundamentalmente entrelaçados, pois a arte é a essência do artista manifestada. O trabalho do artista proclama: ‘Isto sou eu. Eu estou aqui. Isto é o que eu sou.’ No entanto, o grande presente da arte é o potencial de o artista escavar seu caos interior e transformá-lo em algo sublime. Isso é o que Kanye faz. Isso é o que eu me esforço para fazer, e é essa a empreitada de todos os artistas genuínos. A grande utilidade da arte reside na sua ousadia de transfigurar nosso estado corrompido e criar algo belo.
Quando faço uma música, não extraio de um bolso de pureza isolado do resto de mim; uma canção é arrancada de tudo o que sou, do meu caos, tornando-se o melhor de mim em sua jornada alquímica até sua realização. Essa é a própria definição de esperança – a ideia de que não somos prisioneiros de nossa natureza falha, mas que podemos transcendê-la. Buscamos nos artistas e em sua arte a expressão exata desse conceito. Em sua imperfeição, Kanye é um exemplo por excelência dessa noção, a dança entre pecado, transcendência e genialidade.
![Músicas de amor](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2024/06/George-Harrison-e-Pattie-Boyd-150x150.jpg)
Todos nós somos seres humanos imperfeitos, falhos e sofrendo, cada um um desastre à sua própria maneira, cada um com a capacidade de causar grandes danos, cada um repleto de ideias equivocadas – talvez a mais ilusória delas seja a crença de que somos de alguma forma moralmente superiores aos outros. Muitos de vocês podem estar pensando: ‘Fale por você! Eu não sou como Kanye! Eu nunca me comportaria assim!’. No entanto, dadas as circunstâncias, nós, humanos, somos capazes de qualquer coisa. Ser humano é ser falho, mas também é possuir o potencial de alcançar feitos impressionantes – coisas belas, brilhantes, inspiradoras, selvagens e ousadas; coisas que devem ser valorizadas, apesar de nossa natureza complexa e comprometida.
Por mais odiosas e decepcionantes que sejam muitas das opiniões de Kanye, e por mais repugnante que seja o antissemitismo – em suas formas sempre presentes e em constante mutação –, esforço-me para buscar a beleza onde quer que ela se apresente. Ao fazer isso, reluto em invalidar o que há de melhor em nós na tentativa de punir o pior. Não acho que possamos nos dar esse luxo.
Com amor,
Nick”