Nat King Cole Foto: Reprodução [via Carlus Maximus]

Há 65 anos, Nat King Cole vinha ao Brasil para buscar o samba e a bossa nova

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Ícone do jazz ajudou a colocar o país no circuito internacional de shows e foi fundamental para espalhar a música brasileira nos EUA

Na noite de 17 de abril de 1959, uma sexta-feira, 20 mil pessoas lotavam o ginásio do Maracanãzinho. A ansiedade do público estava à flor da pele. Quando o som dos aplausos finalmente acabou, as pessoas viram um dos maiores cantores da história do jazz caminhar lentamente, do fundo do palco até o microfone, impecavelmente vestido com um terno levemente brilhante e bem cortado, lenço branco na lapela e um gigante sorriso alvo contrastando com a pele preta. Teclas. Nat King Cole era um piano transformado em gente.

Era o primeiro de três shows consecutivos e abarrotados no ginásio anexo ao maior estádio de futebol do mundo, na década de 50. Cumprida a missão na Cidade Maravilhosa, Cole ainda viajou para São Paulo para outros quatro shows (21 a 24) no descolado Teatro Paramount, na Av. Brigadeiro Luís Antônio. Exigiu em contrato um piano de cauda branco, impossível de se encontrar por aqui. A solução, nas duas cidades, foi meter tinta, para apenas duas músicas executadas por ele tocando o instrumento, Tea for Two e Where or WhenAntes de se consagrar como cantor, a crítica estadunidense o considerava um dos maiores pianistas do jazz.

Não foi a primeira vez que os cariocas tiveram a oportunidade de ver ao vivo, frente a frente, um grande ícone da música mundial. Em 1957, Louis Armstrong também passou pela cidade, vindo de São Paulo, durante uma turnê que envolveu vários países da América do Sul. No mesmo abril do ano anterior, Bill Haley & His Comets pintaram somente em SP, para uma série de oito apresentações no mesmo Paramount, embalados pelos filmes na linha juventude transviada em que Haley aparecia — Sementes de Violência (1955) e Ao Balanço das Horas (1956). Foi a pedra fundamental do rock’n’roll no Brasil.

Mas com Cole era diferente. O artista pisava na então capital do país em um momento em que era idolatrado em todo o planeta. O Rio de Janeiro que conheceu vivia seus “anos dourados”, com a chegada da industrialização ao país e a proliferação das rádios, revistas e a popularização das TVs. Tanto sua turnê quanto a de Bill Halley foram iniciativas do empresário de comunicação Paulo Machado de Carvalho, o Paulinho, dono da rádio e da TV Record.

Nat King Cole

Nat King Cole se apresentando no Maracanãzinho. Foto: Reprodução [via Carlus Maximus]

A visita de Cole coroava o glamour que o Rio representava para o mundo. Grandes nomes do cinema de Hollywood, como Marilyn Monroe e Clark Gabe, batiam ponto no Copacabana Palace, convidados pelo bon vivant Jorginho Guinle, fazendo com que bares e teatros ao redor virassem pontos de encontro estelares. Unindo o momento que a cidade vivia, a explosão dos meios de comunicação e o naipe da visita, fica fácil ter deslumbrantes suposições do que foi aquela semana de abril de 59.

King chegou alguns dias antes das datas dos shows e teve agenda lotada. O cara era “elétrico”, segundo se recorda Zuza Homem de Mello, então técnico de som do Teatro Paramount. Conheceu, vindo de um país racista e segregado, as favelas cariocas, que já ocupavam os morros dos cartões postais do RJ. Se ligou no samba e em outros ritmos da quebrada.

Gravou, em uma só tarde, o disco A Mis Amigos, lançado pela Capital nos Estados Unidos no final daquele ano. Nele, canta em espanhol e português, com uma pronúncia espantosa. Importante lembrar: na época, as gravações eram feitas ao vivo, com um só microfone posicionado no meio do estúdio. Errou, tem de fazer tudo de novo.

Nat King Cole

O presidente Juscelino Kubitschek e Nat King Cole. Foto: Reprodução [via Carlus Maximus]

Cole matou 12 músicas em poucas horas cantando em duas línguas que não dominava. Seus registros em português ficaram tão bons que o pessoal que o acompanhava no Rio começou a chamá-lo de “Nathanael Reis Colé”. Após finalizar, ainda teve energia para fazer um show para amigos e convidados, ao piano, no Copa Room. Frequentou jantares e tocou para o presidente JK, a ponto de ficar, segundo jornais da época, “cansado de tanta bajulação”.

Em São Paulo, depois de se apresentar, caía na noite da cidade, com direito a palinhas particulares na alta madrugada para poucos sortudos, enquanto sua esposa o aguardava no hotel, “provavelmente no sétimo sono”, como conta Zuza em seu livro Música Com Z (ed. 34).

Nat King Cole

Nat King Cole na capa da Revista Manchete. Foto: Reprodução [via Carlus Maximus]

Em 1962, Nat ainda gravou e lançou nos EUA o samba Brazilian Love Song, com direito a backing vocals em português. No mesmo ano, Stan Getz e Charlie Byrd lançavam juntos o álbum Jazz Samba, inaugurando a invasão da bossa nova na terra do Tio Sam. Não há dúvida que A Mis Amigos, gravado no Rio três anos antes, ajudou e muito a gerar interesse sobre os ritmos e sabores brasileiros entre a comunidade de jazz estadunidense.

Enquanto isso, o Brasil se preparava para virar ponto de passagem de grandes nomes do rock e do pop internacional, como Stevie Wonder, The Rolling Stones, Alice Cooper e The Jackson Five. Alguns, primeiramente em férias, fugindo da imprensa do Hemisfério Norte, e depois em grandes shows e turnês, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Os dois movimentos devem muito à voz aveludada e às mãos mágicas de Nat King Cole.

Para saber, em detalhes de diário de viagem, o dia a dia de Cole no Rio, vale consultar o blog do misterioso Carlus Maximus, que garimpou os arquivos da Biblioteca Nacional com notícias dos jornais de abril de 1959.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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