Muito além da ODD: revelamos como Davis chegou ao posto de DJ e agitador cultural dos mais criativos de São Paulo
Tanta coisa rolou na virada do século na nossa já madura vida noturna que fica bem difícil pontuar apenas alguns momentos cruciais que ajudaram a deslanchar esta agitada década. Mas se seguirmos a carreira de Davis conseguimos traçar um itinerário bem representativo de alguns desses momentos.
Desde seus constantes sets no Vegas Club até suas empreitadas na vanguarda da retomada artística da noite paulistana, o nome do DJ, produtor, agitador cultural e fã de cachorros esteve vinculado de forma constante a episódios significativos dessa narrativa urbana.
Como muitos de seus pares, Davis foi seduzido logo cedo pela pista e os encantos da cabine que a comandava, aquele púlpito pagão. Afinal, a sala de controle do descontrole semanal para tantos jovens que, como ele, buscavam aquele imersão sensorial era um local quase místico, que atraía olhares e encantava ouvidos por toda a cidade. Naquele momento em questão, na primeira metade dos 90, cada bairro possuía a sua, e o de Davis, incrustado na Zona Leste, era um dos mais opulentos nesse sentido. Desse encontro surgiu o impulso que desembocaria no que vemos caracterizá-lo hoje, em termos de refinamento técnico e apurado senso de pista.
Davis feat. Cameo Culture – Blind (Secret Weapons part 8)
Anos se passaram, e a devoção se metamorfoseou em dedicação a esse artesanato musical e, no decorrer deste período, ele estabeleceu alianças, expandindo seu campo de criação e chegando a lançar o primeiro release do D-Edge Records, além de se unir aos talentosos Erica Alves e Perdro Zopelar, cujo talento como intérpretes e compositores catalisou em torno do projeto The Drone Lovers.
Logo ele estaria soltando seus próprios petardos por selos que até então seguia fielmente, como Soul Clap Records, Rebirth e Lou Lou.
Agora, em 2016, ele conta mais feitos em âmbito internacional e coroa seu catálogo com um lançamento pela potência contemporânea que é a Innervisions ao lado de Cameo Culture e não mostra sinal algum de esmorecimento em suas investidas rumo a novas conquistas. Na entrevista abaixo ficamos um pouco mais a par de como essa trajetória foi desenhada.
Music Non Stop – Quando observamos a dinâmica de consagração de artistas brasileiros no mercado nacional, vemos uma certa regularidade que passa pelo reconhecimento externo para obter prestígio interno. Sua trajetória parece ter quebrado um pouco desse ciclo. Como isto se deu, revendo sua carreira na última década?
Davis – Sim, olhando para trás, vejo que minha trajetória aqui no Brasil foi exportada de uma forma especial. Muitos DJs internacionais que tocaram aqui comigo levaram uma boa impressão consigo e, consequentemente, meu nome começou a circular no exterior como uma referência no Brasil. Foram essas novas amizades, o trabalho e os bons momentos que construíram uma sólida rede do bem. Foi por meio das mãos de muitos artistas, que eu admiro, que consegui ocupar um singelo espaço no circuito internacional.
Music Non Stop – Há algo nela que faria de outra forma?
Davis – Acredito que não. Foi tudo na medida. Todas as experiências que vivi, sejam as negativas, aquelas que me ensinaram tudo aquilo que não quero ser, ou as experiências positivas, que confirmaram meus sonhos, todas fazem parte do mesmo pacote e foram (são) essenciais e muito valiosas para mim.
Music Non Stop – Esse novo momento de retomada da cidade por coletivos é algo indiscutivelmente alentador e é algo de que fez parte desde seus momentos seminais. Qual á a sua importância para o movimento artístico de Sao Paulo?
Davis – A ocupação da cidade por cultura é essencial. Esses movimentos trazem muito mais benefícios do que pudemos discutir até agora. Vejo essa retomada como o início de uma jornada para trazer mais discussões em favor da população. Por exemplo: onde esses movimentos estão? Muito se fala desse rolê de música eletrônica, mas na periferia de São Paulo tem muita festa de rua, que leva para milhares de moradores daquela região cultura local, oportunidades de trabalho, responsabilidade social etc. Acho que essa retomada vai ser ainda maior nos próximos anos, mesmo que ainda haja uma narrativa contrária, diga-se totalmente equivocada, ela não poderá deter a cultura e o bem social que se fez acontecer até agora.
Music Non Stop – E, por outro lado, vemos uma participação quase que onipresente de marcas, não apenas em clubes, como também nesses eventos. Você vê a independência como algo a ser defendido como um valor em si ou como um ponto de negociação a ser debatido de acordo com as necessidades de cada projeto?
Davis – Hoje vejo com muito mais facilidade o apoio de uma marca ao evento independente como um elemento de suporte, que não necessariamente vai ferir os valores daquele núcleo artístico. Algumas marcas entenderam que a maneira como cada projeto se comunica com o próprio público varia bastante, e a experiência de marca deixou de ser visual e massiva, em alguns casos, e se adequou à dinâmica de cada identidade.
Music Non Stop – Parece haver sempre uma preocupação com elementos metamusicais em seus esforços. Seja em termos visuais ou conceituais, envolvendo outras linguagens como suportes da forma expressiva, como a moda e as artes plásticas. Qual a motivação que sustenta esse cuidado?
Davis – Apenas a vontade de fundir todos esses elementos com vistas a apresentar a arte como uma experiência, uma imersão, ora musical, ora visual, ou de preferência, audiovisiual.
Music Non Stop – Isso nos traz diretamente ao que a In Their Feelings representa, não? Uma plataforma de ampla atuação artística que não se circunscreve “apenas” à musica?
Davis – Exatamente isso. In Their Feelings representa, num primeiro momento, a união de diversos artistas. Sendo eles, músicos, DJs, produtores musicais, designers, artistas plásticos, e por aí vai …. Mais uma vez, o objetivo final é tocar pessoas por meio dessas artes, apresentar uma experiência, formada pelo talento desses diversos entes artísticos. Vejam-se as Covers Art, feitas pela Colla GG, a arte que serve de identidade visual, feita pelo Paulo Silveira, bem como o design assinado por Roderico & Bevilaqua, a mixagem das faixas feitas em Nova York pelo Dave Robertson ou a master pelo LUPO na Calyx, em Berlim… Enfim, difícil de falar apenas da música quando o assunto é In Their Feelings.
Music Non Stop – E quanto a suas parcerias criativas e produtivas? Vermelho, Erica, Zopelar e Dave Cameo Culture? Como essas relações vieram a ser?
Davis – Essas parcerias são essenciais para minha vida, pois estamos falando de verdadeiros amigos, de uma troca de experiências muito maior do que o talento artístico. Essas relações vieram de uma grande admiração, uma afinidade de valores e princípios, respeito mútuo e também de uma complementariedade artística muito bem fluída. Vejo que essas parcerias, com todos eles, nos levaram a patamares que talvez individualmente não conseguiríamos alcançar. Tudo o que fazemos juntos é motivo de muito orgulho e gratidão para mim. Enfim, não dá para descrever em palavras minha admiração por eles todos.
Music Non Stop – Ainda nesse tema, a parceria que foi especialmente forjada com a Innervisions parece se ramificar em diversas frentes. Há o lançamento agora da coletânea Secret Weapons 8, que inclui sua faixa com o Dave; há a distribuição pela Muting The Noise; há as festas Lost In A Moment…
Davis – Com a Innervisions também há esse alinhamento de propósitos, valores e uma admiração mútua. E, por conta deste alinhamento, temos tantas frentes em andamento em conjunto com eles.
Music Non Stop – E o que o futuro reserva para quem segue essas empreitadas todas?
Davis – Pergunta difícil. Mas vejo muito trabalho pela frente com vistas a espalhar ainda mais a nossa arte pelo mundo.
ODD COM LEGOWELT
Sexta, 9 de dezembro
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