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Mu540: “Eu me tornei exatamente o que queria ser”

Mu540

Foto: Divulgação

Jota Wagner bateu papo com um dos artistas responsáveis por quebrar as barreiras entre funk e house music, na esteira de seu novo EP

Mu540 (leia-se Musão) é a representação do que está acontecendo no mundo da música eletrônica hoje em dia, depois que a galera da quebrada decidiu pegar de volta o que já era seu, o universo da música eletrônica, após décadas de gentrificação. O povo do reggaeton colombiano, do amapiano africano e, claro, do funk (antes carioca, agora brasileiro).

Uma galera que derrubou a porta dos festivais e clubes a marretadas. Viram muito olhar torto, bico torcido, fofoquinhas que todo mundo hoje, sabe se tratar do mais puro preconceito. Mas quando o povo na pista gosta e entende, meu amigo, não tem produtor ricaço ou DJ herdeiro que segura o bonde. A cada ano que passa, aumenta a compreensão de que a estética e a linguagem do funk representam a essência de uma música eletrônica brasileira, que sintetiza com fidelidade a expressão de quem vive nas cidades do país, no lugar de meras emulações de Nova Iorque, Londres ou Berlim.

É disso que se trata 4×4, novo EP do produtor que acaba de retornar de uma baita turnê pela Europa, lançado nesta última quarta-feira, 27. Suas novas músicas propõem um casamento entre a vibe do funk e a fórmula global da música das pistas de dança. Mais do que isso, junta o Brasil com a afro-house vinda do nosso continente mãe.

Mu540 falou com a gente sobre a vida, a carreira, o preconceito e o futuro, de um jeitão leve, bem-humorado e, principalmente, embalado na segurança de quem sabe o que está fazendo, ainda que a idade de 29 anos lhe permita muita coisa nas próximas décadas.

Videoclipe de 06:40AM também chegou nesta quarta-feira

Jota Wagner: Você está juntando tudo em sua música. Como as pessoas estão vendo essa união entre a música eletrônica e o funk?

Mu540: Vem havendo bastante resistência por uma parte do público, a parte mais elitizada. Mas quem não é elite, quem gosta de música, tá adorando. E, tipo, estou fazendo bastante turnê no sul, misturando tudo. A galera tá gostando disso no sul, em Curitiba, Goiás…

E em relação aos países que você visitou em sua tour? Como tudo isso está sendo sentido lá fora?

É a terceira vez que vou pra fora. A diferença é gigante. Na primeira vez que fui, num evento da Mizuno, toquei funk e vi que lá o pessoal não gostava. Mas a coisa foi engrenando. Um ano depois fui de novo, também tocando funk. Já senti que tinha mais gente gostando. Mas agora, depois do TikTok, está uma outra proporção. Há DJs de outros países, na Europa, fazendo festa e chamando de “favela”.

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Gringo tocando funk brasileiro…

O whitewashing já tá rolando!

O novo EP, 4×4, tem um cruzamento doido, muito forte com a África. Foi um caminho intencional?

Eu queria dizer [com o EP] que funk é música eletrônica também. Funk é música eletrônica porque a gente sempre fez um bagulho absurdo. E a gente não tem o mesmo dinheiro de quem faz áudio. Essa é a minha brisa. Por que é que eu não estou no Greenvalley? Por que não toco na Pacha Ibiza, por exemplo, se eu também faço música eletrônica? E mais: se minha música eletrônica é tão boa no mundo todo agora, por que eu não tô nesses lugares? Alguma coisa sobra.

E de certa fórmica autêntica. É algo essencialmente brasileiro…

Eu sempre fiz house. Eu conheci o Bruno Furlan, escutava disco com essas caras, quanto tinha uns 16 anos. Eu fazia dubstep, drum’n’bass, fazia tudo isso. Sei fazer tudo isso, mas sou funkeiro, né? Nada me encantava mais do que fazer funk. Pra mim, é um das coisas mais legais de se fazer, e mais fáceis.

Tecnicamente é parecido para fazer?

Não, tecnicamente não é nada parecido pra fazer, mas o alicerce é o mesmo. Você tá dentro de uma DAW com ferramentas. Acabou. É isso. Isso torna a música eletrônica. Quando cheguei no Paraná, antes da gente lançar o UM Quebrada Inteligente, fui tocar numa festa no Paraná e vi vários DJs tocando vocais de funk em cima de tech house e techno. Só que eles não sabiam cortar o vocal do jeito certo na música. Falei, “porra, eles são brasileiros, velho!”.

Aí eu fiz Fantástico Mundo da Oakley. É o house mais clichê do mundo, irmão. E essa música virou de uma forma gigante. O mesmo que os outros podiam fazer, só que faltaram os transientes [efeito de estúdio]. Se os caras colocassem mais dois transientes, eles tinham feito o que eu fiz. Mas por dois transientes, eles perderam uma coisa nova.

Além de você, tem muito artista tendo essa mesma sacada de quebrar as barreiras?

Tem bastante louco por aí, eu sou só a ponta do iceberg. Tem o VHOOR, tem a Clementaum, tem o EVEHIVE, tem o BADSISTA, tem o RHR… Mano, eu consigo citar 63 pessoas foda!

Você tem uma relação muito forte com o Mochakk. Fizeram B2B, você tocou na festa dele… Quem procurou quem?

Ele foi a única pessoa desse ramo que me deu papo. Xinguei geral da cena dele. “Estão usando o funk errado. Falam que não gostam de putaria, não gostam de funk, e estão usando!” Ai o Mochakk me procurou e falou: “Mano, é verdade. E já é de um tempo. Fica puto comigo também!” (Risos). Os DJs estavam sendo vacilões com outras pessoas, são totalmente isolados em minorias. Música eletrônica não é isso.

Um cenário que começou marginal, e de repente vê um monte de preconceituoso no comando…

Sim, a gente não sabe se colocar muito nos lugares e… a gente tem olhos muito desatentos pra comportamentos que a gente teve. Como ser humano, eu também tenho essa dificuldade, e todo mundo tem. Porque a gente trata o “eu” primeiro, né?

E como pintou o convite para fazer coisas juntos?

Fizemos uma música juntos, só. E quando a gente se reúne, fuma um e conversa. Não fica só trabalhando. Ficamos fumando e falando de coisa nada a ver com música. Aí ele falou: “pô, a gente podia tocar, né, mano? Uma coisa nossa”. Porque ele gosta muito de funk também, tá ligado? O Mochakk gosta de funk pra caralho, e é de coração. Fui trocar uma ideias com ele, estudar os movimentos do cara, ele se apresentou pra mim e me convidou pra tocar junto. A Só Track Boa fez isso acontecer.

E no caminho contrário? A galera do funk tem resistência também com o 4×4, com a batida eletrônica?

Não. O povão só quer curtir. Favelado quer festinha. Favelado quer colar no baile. Beber champanhe.

Como você entrou na música? Tem artista que já é filho de músico…

Pô, minha mãe é faxineira, Jota. Já viu faxineira que não ouve música? Sei lá, as faxineiras sabem as melhores, mano. Minha mãe é faxineira e meu pai é pedreiro. Uma família de músicos! (Risos)

Quando vieram os shows e a produçao musical?

Ah, demorou muito de um para o outro. Eu comecei a gostar [de música] com 12 anos. Comecei a produzir com 14 e a tocar com 16. Aí eu já era DJ e produtor.

E como pensava o moleque de 16 anos? Você está onde queria ou a vida te levou para outro lado?

Não, eu me tornei exatamente o que eu queria ser. Eu queria ser o arquétipo de DJ.

Tem alguém que você ouvia, que você curtia pra caralho e foi uma referência?

Minha referência foi só minha mãe e minha vizinhança mesmo. Tô vendo uns bagulho muito bom. E tinha uns DJs bem bons lá onde eu morava [Jardim Melvi, bairro de Praia Grande/SP]. Tinha um DJ Dingão, tinha um DJ Fabiano. Tinha uns moleque bem bom lá. Mas eles morreram todos.

Cada lançamento é um filho que a gente põe no mundo. O que você espera para o 4×4? Onde quer que ele chegue?

Eu quero que esse EP chegue em todos os ouvidos possíveis. Em todo mundo que sinta a vibração, tá ligado? Eu quero que seja uma vibe boa pra todo mundo ouvir, porque eu fiz de coração. Fiz um bagulho como se fosse um abraço. Eu queria que todo mundo fosse abraçado por mim.

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