Jota Wagner conversa com Michelle Cano, uma das cabeças do festival brasiliense
Desde que soubemos sobre minha visita à sétima edição do Festival CoMA, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, uma certeza estava “exigida” para a produção. Conversar com um dos fundadores do evento, para entender, pelo lado de dentro, os propósitos, sonhos e dificuldades em colocar de pé um evento como este no país. A resposta à solicitação veio prontamente. A escolhida era Michelle Cano, membro da escalação original de produtores que se juntaram para criar o evento.
No meio do corre, em uma mesinha atrás do palco, conseguimos tirar Michelle de seus afazeres para conversar um pouco sobre o que é, foi e será o CoMA. A resenha completa do festival, você lê aqui.
Jota Wagner: Minha amiga, como surgiu a ideia do CoMA?
Michelle Cano: Foram muitos sócios no começo. Todo mundo festivaleiro. Eu sou produtora, outros também, mais alguns que mexiam com música, inclusive um ganhador do Grammy. Resolvemos conversar sobre esse sonho, do tipo: “o que você gostaria que tivesse em um festival?”.
Começamos a fazer o projeto e chegamos em um formato que ainda está sendo moldado, na verdade. No formato original, sempre tivemos a conferência. Já o resto, como tempo de show, dias, curadoria, vamos adaptando, pensando em melhorias.
É normal a todos os festivais, incluindo o CoMA, uma pressão pelo crescimento, tanto da expectativa do público quanto do equilíbrio financeiro. Mais palcos, mais artistas… Como vocês lidam com isso?
Essa coisa de querer crescer, não. Estamos sempre buscando nosso equilíbrio. Como você disse, tem a coisa de se sustentar financeiramente e enquanto novidade para o público, para eles continuarem querendo vir. Buscamos, então, inovar nas experiências, nos tipos de palco, nos tipos de apresentação…
Por exemplo, quando a gente fazia na Funarte, rolava um show dentro de um planetário, com espaço para 80 pessoas. Uma coisa muito exclusiva. Fizemos também no Clube do Choro, um lugar para curtir sentado. Tiramos as cadeiras, colocamos a banda e virou um inferninho.
Então, a gente vai proporcionando tipos de experiência em um show. Já tivemos 60 artistas. Hoje, na verdade, estamos diminuindo, com 25, porque não é sustentável ter muitos. Não está fácil vender ingresso, nem manter uma estrutura grande.
Brasília reverberou nacionalmente com a cena de rock dos anos 80, muito influenciada pelo que vinha de fora. Hoje, vemos uma música genuinamente brasileira, influenciada por gêneros nacionais, com um público jovem. Isso é culpa de vocês?
Eu acho que a gente pode ter influência nisso, sim. É um festival que está aí há sete anos. No CoMA, a gente tem a intenção de misturar as gerações. Não só o público jovem, mas também os mais velhos, as famílias. Aqui, cabe meio que tudo.
Há um grande sentimento no ar sobre a conexão do país com a música latina. Vocês beliscaram isso ontem com a Aluminé Guerrero, única não brasileira do line-up. É uma tendência para os próximos anos?
A gente realmente foca na música brasileira, porque entende que é uma das missões do festival — poder mostrar isso para Brasília e para o Brasil, e para isso, procuramos ser mais relevantes também no cenário nacional. Mas as parcerias internacionais são uma tendência. São coisas que estamos buscando. A Aluminé, por exemplo, veio através de uma parceria com a França, que está fazendo as temporadas cruzadas. É o primeiro evento desta temporada no Brasil.
Achei muito boa a curadoria. Uma espécie de acumputura musical, te espetando em vários lugares diferentes…
É sobre isso. Falamos que aqui você vem para conhecer seu novo artista preferido.
Uma energia muito forte que notei foi a feminina. Nos artistas, nos discursos, conferências, e principalmente em uma certa naturalidade em como tudo acontece…
É engraçado, porque a sociedade é majoritariamente masculina. No começou era eu e mais uma sócia, que não está mais com a gente. Hoje, de mulheres, temos somente eu e Titi Müller, e mais quatro homens. Só que aos poucos eu fui assumindo essa liderança da produção do projeto. Como sou produtora e venho desse lugar, fui me apropriando dele.
Eu acho que nesse processo feminino, tem uma coisa de que, quando uma ocupa, vai puxando a outra. Nossa energia tem esse lugar do cuidado, do acolhimento. Depois de tudo o que passamos, não tem mais espaço para aquele tipo de produção que a gente vivia antes, de gente gritando, pessoas chorando, ficando sem comer…
Uma energia bem masculina…
Exatamente. Quando começamos a colocar essa igualdade nos detalhes do festival, não tem mais como voltar atrás. Tudo vai crescendo e reverberando. E foi algo natural. Não foi uma regra tipo “aqui só trabalha mulher”. Elas foram chegando. E claro, sempre tem o lugar do masculino e está tudo bem. O que a gente busca, na verdade, é equilibrar as energias. Tudo tem um equilíbrio. Eu acho que quando a gente começou a colocar esses lugares nos detalhes do festival, não tem mais como voltar atrás. Aí ela só vai crescendo e reverberando.
Os festivais pequenos e médios têm sido proponentes de discussões como inclusão, diversidade, meio ambiente… Tanto que muitos têm adicionado conferências em suas programações…
Isso já nasceu com a gente. Não adiantava ser um lugar só de entretenimento. Queríamos discutir a cena. Começamos forte com esta parte da sustentabilidade. Na nossa cabeça, não tinha como nascer um festival sem isso. Neste ano, trouxemos o CoMA Consciente como um dos pilares da conferência. Juntamos mercado e consciência. A cada uma, decidimos como equilibrar com o lado musical. Vieram muitos palestrantes, pessoas reconhecidas nacionalmente, mas não tivemos muito público.
Não é uma cultura do brasileiro ainda…
Exatamente. Não é uma cultura. Então temos que lutar para equilibrar, no sentindo de continuar fazendo. Porque são pontos maravilhosos que foram tocados nos debates. Acho importante citar que o CoMA tem buscado este lugar. O objetivo não é crescer, mas equilibrar todos esses lados.