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O som que nunca morre: como o metal desafia o tempo e o mercado

Heavy Metal

Público no show do Iron Maiden, no Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Com quase seis décadas de história, o gênero musical segue fiel às suas origens e seduzindo novas gerações

Entre budistas, hinduístas, maias, além de indígenas africanos e americanos, havia um consenso geral: todo mundo vivia na base do tempo cíclico. Uma vez que o sol nasce e se põe, tudo começa de novo, e o mesmo foi transposto para os movimentos dos astros, das estações e tudo o mais. A ideia de colocar o tempo em uma linha reta, contando ano e séculos, veio para explicar muita coisa, como o nosso envelhecimento, por exemplo. Mas não explica o heavy metal.

O gênero é a maior prova de que tudo acaba onde começou. Seja mantendo no auge bandas clássicas, fundadoras do metal, seja se reinventando na mistura com outros temperos, o som pesado das guitarras distorcidas e muita pulação no palco segue vivo. Principalmente no Brasil. Nossa terra virou palco para um grande número de festivais e shows solo capaz de botar inveja no mais cabeludo gringo. Em duas semanas, Iron Maiden (06 e 07 de dezembro) e Dream Theater (dia 15) aterrizaram no país para shows lotados em estádios. 2024 foi um ano feliz para os metaleiros brasileiros. E olha que, há poucos anos, era comum ouvir que o estilo havia se reduzido a música “de nicho”.

O metal começou a tomar forma na virada dos anos 60 para 70, quando bandas começaram a colocar mais peso e velocidade no rock’n’roll, garrado em influências como o blues e a psicodelia. Atribui-se a Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple (que tocou no último Rock in Rio) a abertura das portas do inferno.

Aberta a Caixa de Pandora, a horda de cabeludos saiu montando bandas e imprimindo seus próprios estilos ao heavy metal, criando subgêneros como glam, death, thrash, speed e muito mais. Para falar sobre todos eles, seria necessário um livro, como o ótimo Sound of the Beast: The Complete Headbanging History of Heavy Metal, de Ian Christe. Não cabe em uma matéria.

Deep Purple no Rock in Rio 2024. Foto: Ariel Martini/Divulgação

No Brasil, o metal chegou junto com o final da ditadura militar. Foi quando as primeiras bandas do país dedicadas ao gênero, como Stress, Centúrias, Salário Mínimo, Korzus, Harppia, Golpe de Estado e Vírus conseguiram gravar seus primeiros trabalhos, gerando uma verdadeira febre entre os jovens e resultando, uma década depois, no grupo que se tornou uma das maiores bandas do planeta, o Sepultura (atualmente em turnê de despedida).

Entre o sucesso de um gigante do metal e os bravos guerreiros que desmataram Pindorama para montar seus palcos, um belo circuito tomou conta do país. Lojas especializadas pipocaram (algumas delas, próximas de completar cinco décadas de vida, como a Baratos Afins, em São Paulo). Gravadoras independentes se formaram e se tornaram negócios viáveis — fato incrível se considerarmos a hiperinflação que tomou conta do pais nos anos 80 e as dimensões continentais do Brasil, que dificultam a distribuição dos discos.

Foi graças à mineira Cogumelo Discos, por exemplo, que o Sepultura apareceu para o mundo. Revistas nacionais e, posteriormente, blogs e sites, alimentavam os fãs do estilo com informação, e pequenas casas com shows para a galera “do metal” começaram a rolar até mesmo em cidades pequenas do interior do país.

Iron Maiden no Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

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As primeiras gerações de fãs (aquelas que pagaram caro para ver Iron Maiden e Deep Purple neste ano) envelheceram, tiveram filhos e netos. Mas ao contrário do que acontece em outros cenários culturais, o heavy metal resistiu ao conflito geracional. A estética gótica, os temas obscurantistas e medievais de suas bandas e o flerte com filmes e quadrinhos de terror parecem ter um apelo indestrutível com os adolescentes, e isso garante a sedução. Mais do que isso, a própria natureza do tema faz com que o estilo musical se torne quase uma religião. Metaleiros são fieis. Vão a shows e compram produtos, independente da chegada da calvície.

O grande segredo da vida eterna do heavy metal é que suas bandas compreenderam, logo cedo, o poder teatral de um espetáculo, e isso caiu como uma luva para shows em estádios. Show de metal é circo. Alice Cooper, Black Sabbath e Kiss entenderam isso desde o começo. Não bastava tocar bem, era preciso criar roteiro e personagem. Iron Maiden veio com uma múmia satânica gigante, o Eddie, e a levou para seus shows. Essa fórmula foi copiada até mesmo por grandes ídolos do pop.

Na virada do milênio, quando o metal parecia estar indo definitivamente para o cemitério, pedaço de terra tão inspirador para suas músicas, uma molecada tomou para si a responsabilidade de retomar os planos de dominação mundial, revivendo as fórmulas do show-teatro-roteiro-personagem: o mundo viu explodir bandas como Panthera, Slipknot, Linkin Park, Limp Bizkit, Ghost e Rammstein, monstruosamente fantasiados, comandando a febre chamada nu metal.

Clipe do Linkin Park gravado no show da banda no Allianz Parque, em São Paulo

Juntando referências do rap e chegando junto com uma certa temática videogame, de jogos como Doom e God of War, fizeram a cabeça de garotos e a garotas a partir de 15 anos. O metal, em sua versão “nu” (de new, novo), estava no topo novamente. E segue assim até hoje, provando que jovem gosta mesmo é de histórias bem-contadas. O show do Bring Me the Horizon que o diga.

E o mais louco nesta salada satânica é que metaleiros não enterram ninguém. O velho e o novo convivem, dando pinta que o contrato diabólico que assinaram em suas ficções não tem data de validade. Quer provas? Vamos lá:

Pense muitas vezes antes de cravar o próximo fim do heavy metal. Enquanto houver maquiagem na prateleira, monstros debaixo da cama e filmes de terror, os metaleiros estarão entre nós. E quando você estiver na próxima reunião com publicitários ouvindo termos como “branding”, “storytelling” e “fidelização de clientes”, lembre-se que os artistas do gênero já fazem isso desde os anos 70. E fazem muito bem!

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