Com uma carreira de altos, baixos, perdas e voltas por cima, cantora e compositora completou sete décadas no último dia 17
Em 1993, uma série de apresentações deram errado para Marina Lima, entre shows e aparições na TV. Sua voz estava desaparecendo devido a problemas de saúde. A mais chocante foi sua aparição ao vivo no programa Domingão do Faustão, em que não conseguiu cantar. A cantora cumpria a agenda de divulgação de seu álbum O Chamado, lançado no mesmo ano. Era um fim triste para sua carreira, muitos disseram.
Uma ova! Corta para o Lollapalooza Brasil 2025. Plateia lotada, execução sublime e direito à bronca na equipe, quando o som deu pau. “Bando de homem lerdo, vamos aumentar esse som!”, gritou ao microfone, enquanto o público louvava em delírio, ciente de todas as dificuldades que a artista passou na vida, aquela tremenda volta por cima.
De fato, o show do Lolla foi uma vitória muito especial para a música brasileira. A carreira de Marina Lima foi marcada por perdas, lutas pela busca da saúde, tanto física quanto mental, e passagens marcantes na consolidação das mulheres no mundo musical. Tudo isso enquanto promovia, de forma inédita, uma união entre a música brasileiras e o soft-rock, criando uma música pop adocicada, palatável para o grande público, adorada pelos produtores de novelas da TV Globo (muitas de suas faixas se tornaram temas icônicos) e perfeitas para o merecido descanso após a luta dos brasileiros pela redemocratização.
No Rio de Janeiro de 1980, todo mundo se conhecia no meio artístico, aglutinados na pequena Zona Sul. O pessoal da TV Globo, produtores musicais, executivos de grandes gravadoras (cuja sedes eram no Rio) e, claro os músicos. Lima voltou ao Brasil no final da década 70, após estudar nos Estados Unidos junto com o irmão e parceiro musical de uma vida inteira, o filósofo e poeta Antonio Cicero.
Foi o irmão mais velho quem incentivou a caçula a musicar alguns de seus poemas — um grude familiar e artístico que perdurou até a morte de Cicero, em outubro de 2024. A tia conhecia um cara que conhecia alguém que lhe arrumou uma audição na recém-chegada Warner Music ao país. Foi lá, tocou umas quatro músicas de sua autoria no violão e saiu como a primeira contratada da gravadora, em 1980.
Lima cantava o Rio de Janeiro em que vivia, o país no qual sofria, e as perdas, perdas e mais perdas. Logo no começo da carreira, lidou com a morte do pai. Depois, “surpreendetemente”, de um irmão (era a mais nova de três filhos), e, poucos anos mais tarde, a da mãe. Com todos, tinha uma fortíssima ligação. Tudo virou música para Marina. Não bastasse a sequencia de cacetadas, a artista ainda lidou com um problema de saúde que comprometeu seu canto, quase fazendo com que desistisse da carreira. Mas não a salvou da depressão. Para isso, contou com o carinho de seu público, que jamais soltou a sua mão.
Amplificada pela rádio e a TV, a cantora foi fazendo das agruras os ingredientes para uma porção de canções que se tornaram hits icônicos do pop brasileiro, como Fullgás (1984), Veneno (1984), Me Chama (1984), Pra Começar (1986) e À Francesa (1989). Foi a dona da década de 80 e se reconfigurou na década seguinte para se adaptar às novas condições de sua voz e à geração MTV.
Novas Famílias, seu último álbum de estúdio (o 17º de sua carreira), foi lançado em 2018. Mas a imagem que permanece na cabeça de todos é a Marina Lima do palcão do Lollapalooza. Sempre representou, politica e socialmente, o que importava para a juventude sua época. Celebrando 70 anos de vida (17 de setembro), é uma rainha soberana da música pop brasileira.