Mans 4ever in my heart: há sete anos, DJ Grego nos deixou, mas sua importância é pra sempre

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Muito difícil falar sobre a morte do Grego. Ainda mais escrever. Mas não posso deixar de registrar essa enorme perda, então estou aqui, tentando colocar em palavras este sentimento, que é um misto de revolta, espanto e muita tristeza. O Camilo Rocha conseguiu listar muito bem algumas das razões que fizeram do Mans “o” Mans aqui neste post, escrito ontem, ainda sob o calor da notícia.

Dessas quatro décadas que o Grego dedicou à música, eu só acompanhei a última. Mas foi tudo tão intenso, que parece que o Grego sempre fez parte da minha vida. De uma certa maneira, fez mesmo. Meus pais dançaram muito ao som do Mans, no Hippopotamus. E eu fui introduzida muito cedo aos sets dele, por meio das fitinhas cassete que meu pai comprava dele na boate. As fitinhas rolavam nos passeios que a gente fazia de carro, à noite, pelo centro de São Paulo, sempre no último volume. Isso eu tinha uns 5 anos.

Só soube muito depois que aquelas fitas eram do Gregão. Lembro da primeira vez que a gente se viu. Estava começando as entrevistas para o meu livro Todo DJ Já Sambou e acho que foi o Dudu Marote que me “ordenou”: “Sua primeira entrevista tem que ser com o Gregão, ele é o cara”.

O Dudu tinha razão. Desde a primeira conversa, entendi por que ele era o cara. Gregão era antes de tudo um apaixonado pelo que fazia. Tanto que deixou de lado oportunidades de ganhar muito dinheiro. Preferiu não sucumbir ao sistema. Disse não ao som massificado, preferiu seguir seu coração, seu feeling. Sempre se manteve fiel a esse espírito.

Com Celsinho Double C e Sylvio Muller: pioneiros

Foi o primeiro no Brasil em vários aspectos. E quando viu que eu também estava fazendo um trabalho que era, digamos, pioneiro, fez questão de me ajudar no processo todo. Daquele tamanho todo e com aquele timbre de voz de trovão, o Mans foi uma das criaturas mais fofas e generosas que eu já conheci.

A importância do DJ Grego vai muito além do universo da dance music – que ele ajudou a criar no País. Grego estava na sala de parto de vários movimentos surgidos no Brasil, entre eles, foi um dos responsáveis pelo boom do pop rock nacional em meados dos anos 80, graças à sua gilete afiada, com a qual abriu espaço para um novo mercado na música nacional, o dos remixes.

Ao lado de Iraí Campos e Julinho Mazzei, Grego remontou, na base de giletadas e durex, a música Loiras Geladas, que fez o RPM estourar no Brasil inteiro. O próprio Paulo Ricardo, vocalista do grupo, já disse que foi graças à interferência dos DJs que sua banda decolou – até nos shows do RPM as pessoas cantavam a versão criada por eles.

Gregão foi também um dos primeiros caras a mixar músicas no rádio, no programa Jovem Pan Disco Dance, nos anos 70. Foi ainda um dos primeiros a lançar discos de DJ no Brasil. Seu LP Maestro Mecânico, de 1977, vinha com uma novidade antes só vista em discos gringos: era mixado, com músicas coladas umas nas outras. Era como se fosse uma faixa inteira do lado A e outra do lado B.

Ouça Maestro Mecânico

Nos anos 80, ele foi pioneiro ao incentivar DJs e produtores mais jovens, criando campeonatos e uma escola dentro de sua loja de discos, a Rock’n’Soul. Entre a meninada que vivia grudada com o “Mans” estavam talentos como XRS e Marky, que depois viriam a se tornar ídolos do drum’n’bass nacional.

Nos anos 90, Gregão se aproximou do mercado fonográfico internacional, foi morar em Miami e chegou a lançar remixes de artistas gringos de renome, como Mariah Carey e Earth, Wind & Fire, de quem remixou a belíssima Fantasy, merecendo elogios até mesmo do próprio grupo.

Nas últimas semanas, a gente se falou muito, por conta da exposição sobre noite que estou montando. De novo, o Mans estava sempre disposto a me ajudar, mobilizando gente atrás de fotos, me dando informações valiosas. E, num gesto que pra mim descreve muito bem esse cara, apaixonado por música e noite que foi, adiou sua passagem de ida pra Grécia (ele estava de mudança pra lá com a filha Dani) só pra poder participar da abertura da exposição. “Bellinha, essa eu faço questão de ir, esses negócios que você apronta são muito importantes pra gente”, ele me disse por telefone semana passada.

Mans fazia o que amava, com paixão

Ontem no fim da tarde eu liguei de novo pra ele, precisava fazer uma consulta. Só que quem atendeu o telefone foi o Jaques, amigo de longa data. Eu falei, “posso falar com o Mans?”. E Jaques me responde: “o Mans foi embora”. E eu: “vou ligar no celular então, beleza”. Daí ouvi dele: “Claudia, o Mans morreu. Não vai voltar”.

O silêncio que veio depois disso continua até agora na minha cabeça.

Fui até a casa dele e pude abraçar a Dani, a Mila, o Índio, família e amigos que também estavam inconsoláveis. Sei que não serve de alento, mas nesta exposição que o Mans me ajudou a fazer, vamos preparar uma homenagem a este que foi o cara da dance music no Brasil. Porque, como ele dizia, “respect the DJs” é uma ensinamento pra ficar. E neste caso, sobretudo, é “respect THE DJ”.

Descanse, meu amigo.

Claudia Assef

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Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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