Loki?, de Arnaldo Baptista, ganha relançamento em vinil: “fiz o disco para me comunicar melhor com as pessoas”.
Uma das maiores obras-primas da música brasileira, Loki?, primeiro disco solo de Arnaldo Baptista, recém-saídos dos Mutantes, foi gravado num take só no Estúdio Eldorado, em São Paulo, em 16 canais, em 1974. O disco, que foi composto por Arnaldo no piano, em sua sua casa na Serra da Cantareira, mudaria os rumos da música brasileira e passaria a ser cultuado no mundo todo por sua sonoridade que abraçava de MPB a rockabilly, passando por momentos progressivos, glam, música clássica e até samba.
Com 10 faixas e 33 minutos de duração, Loki? se tornou um marco da história do rock nacional, mesmo sem ter um único riff de guitarra em seu conteúdo. Para criá-lo, Arnaldo teve apoios importantes: Roberto Menescal, diretor artístico da Philips, bancou o álbum, e Marco Mazzola, o produziu. O disco ainda teve o brilho dos arranjos do maestro Rogério Duprat em duas músicas.
Cê Tá Pensando Que Eu Sou Loki?, uma das músicas mais emblemáticas do álbum, virou um bordão entre os roqueiros. E Arnaldo passou a ganhar comparações com outros lokis espalhados pelo globo, a mais recorrente sendo com Syd Barrett, do Pink Floyd. Vivendo num mundo particular, em que discos voadores coexistiam com guitarras Gibson, Arnaldo criou um mito em torno de si, mesmo que não fosse essa a intenção final. Anos mais tarde, o disco ganhou fãs célebres pelo mundo, de Sean Lennon a Kurt Cobain, todos queriam ser um pouquinho igual ao Loki original brasileiro.
O álbum que virou lenda retorna agora às prateleiras no formato preferido pelos audiófilos: o vinil. Loki? ganhou lançamento luxuoso pela Polysom, vinil de 180 gramas, com arte original e encarte inédito com todas as letras. “Até eu tinha esquecido um pouco do Loki?. Então é ótimo que o disco volte neste formato de 180 gramas. Me dá a sensação de que os frutos do trabalho estão nascendo”, diz o Loki original por telefone do sítio onde vive com a mulher, Lucinha Barbora, no interior de Minas Gerais. Leia, abaixo, a entrevista completa, de preferência ouvindo o disco.
Loki – Arnaldo Baptista
Music Non Stop – O álbum Loki? está sendo relançado pela Polysom. O que você poderia dizer sobre o relançamento deste disco icônico da sua carreira neste momento de resgate do vinil no mercado brasileiro?
Arnaldo Baptista – A venda de vinil no Brasil é uma realidade. Se tornou uma realidade, né? O tempo passou e não só o público mais jovem, mas até eu esqueci um pouco do Loki?. De maneira que é ótimo que o Loki? volte neste formato de 180 gr. Me dá a sensação de que os frutos do trabalho estão nascendo.
Music Non Stop – Você continua com suas conexões com o esotérico?
Arnaldo Baptista – Sim. É algo amplo. Essa conexão com o divino pode ser até com as experiências de astronautas. Ainda esses dias eu vi um disco voador desaparecendo no céu. Muita gente acha que disco voador é um tipo de milagre, né? Eu não. Acho que trata-se de um objeto voador de outro lugar que alcançou a velocidade da luz. É bonito demais de ver. A gente passa pela vida para ter a oportunidade e a sensibilidade de ver esse tipo de coisa.
Music Non Stop – O Loki? é um dos discos mais importantes da MPB. As 10 faixas executadas em 33 minutos foram feitas em uma paulada só…
Arnaldo Baptista – Pois é. Foi uma sacada que eu tive e aproveitei esse lado musical visceral que talvez não tenha dado certo na época, mas agora está começando a ser mais conhecido e tenha ficado mais forte.
VEJA O TRAILER DE LOKI! ARNALDO BAPTISTA
Music Non Stop – Além disso, você tocou todos os instrumentos e o álbum foi feito praticamente sozinho. Foi uma inspiração divina?
Arnaldo Baptista – Podemos dizer que sim. Esse tipo de inspiração divina é muito profunda.
Music Non Stop – O disco renega o lado rock’n’roll tradicional, de baixo, guitarra e bateria, para ter uma fórmula que usa sintetizadores e deixa o piano mais à frente. Como você chegou nesse formato?
Arnaldo Baptista – Eu tocava contrabaixo, mas eu não conseguia ter uma visão total do conjunto tocando com este instrumento apenas. Embora muita gente, como o Yes!, tenha essa capacidade de estabelecer ótimos vínculos musicais com o baixo, né? Mas o piano e o orgão te dão uma visão mais total da música. A percepção do médio, do grave, do agudo. Eu fiz o disco dessa forma para me comunicar melhor com as pessoas, no sentido de compartilhar de forma exata o que estava sentindo na minha vida e fizesse parte da vida de outras pessoas.
Music Non Stop – O Brasil vivia o Regime Militar. O Loki? tinha um viés de protesto pacífico?
Arnaldo Baptista – Pra fazer omelete, a gente precisa quebrar os ovos. De fato, a política no Brasil também estava em um período confuso naquela época. A soma de todos esses fatores fez nascer o Loki? Eu fui de encontro com todo esse ambiente e o resultado foi Loki?, que agora está virando luck (sorte, em inglês).
Music Non Stop – Talvez naquele momento sem os Mutantes, você chamava a atenção de um outro público. As pessoas um pouco mais caretas que tinham um pé atrás com o rock psicodélico dos Mutantes, viram em você um artista diferente?
Arnaldo Baptista – Exatamente. Eu esperava que o trabalho com a bateria e o baixo não ficasse igual ao Yes!, ficasse mais brasileiro, que pudesse ser ouvido no interior e nas cidades. Essa ideia fez as pessoas se identificarem com o jeito mais campestre, mais caseiro, mais bossa nova.
Music Non Stop – E a natureza da Cantareira influenciou o trabalho?
Arnaldo Baptista – Ah, sem dúvida aquela natureza poética e romântica da Cantareira era pura poesia e serviu de inspiração no resultado final do Loki?, sim.
Music Non Stop – Vão rolar shows em São Paulo?
Arnaldo Baptista – Pode ser que role, mas a Lucinha (mulher e assessora do Arnaldo) que está organizando esta agenda. A expectativa é de muitos shows.
Music Non Stop – Você tem desenvolvido um trabalho como artista plástico muito legal, né?
Arnaldo Baptista – Eu tenho pintado. Há um lado da pintura novo para mim, profundo, mais antigo do que a música. A pintura vem desde a época da pedra lascada. É diferente, uma outra forma que me comunico.
Music Non Stop – Qual é a sua rotina musical? O que você tem escutado?
Arnaldo Baptista – Aqui eu estou sem vitrola, mas eu sempre escuto meus CDs do Yes!, Guilherme Tell, Rapsódia Húngara, Emerson Lake and Palmer, Beatles na fase psicodélica para inspirar a pintura. Da música nacional eu estou ouvindo pouco. Eu quase fiz uma banda com o Lobão. É um artista que eu conheço um pouco mais e gosto.
Loki?
Arnaldo Baptista
Polysom
Preço sugerido: R$ 89,90