Leo Janeiro é o DJ que trabalha para a música eletrônica muito além das cabines, saiba por que ele é tão importante para a cena
Nos próximos dias 15, 16 e 17 de fevereiro acontece a nona edição da Rio Music Conference, que há muito tempo virou RMC para os íntimos. Trata-se do maior encontro na América Latina focado na música eletrônica como um business e como uma cultura que se perpetua muito além das pistas de dança.
Um dos personagens mais importantes na evolução da RMC ao longo desses anos todos é o DJ e produtor carioca Leo Janeiro, um dos principais curadores da conferência. Influenciado pela black music dos lendários bailes de charme cariocas dos anos 80 e fã de discos de vinil desde criança, Leozinho, como é chamado pelos amigos, foi fisgado pela música eletrônica no final dos anos 90. Daí em diante, sua vida virou uma profusão de festas, viagens, trabalhos com marcas, conferências, reuniões, consultorias e conexões em prol do crescimento do cenário eletrônico não só em sua cidade natal, mas no Brasil inteiro.
Em pouco tempo, seu nome se tornou sinônimo de música dançante no Rio, ainda mais fortalecido por sua festa Bootleg, que acontece até hoje num dos clubes underground cariocas mais longevos, o Fosfobox. Em 2014, ele foi um dos cinco artistas convidados a mostrar o som do Rio de Janeiro no primeiro e único Boiler Room gravado na cidade, no Morro do Vidigal.
Seja em cabines de som em clubes onde é residente, Warung (Itajaí) e Beehive (Passo Fundo), ou no D-Edge, em São Paulo, ou ainda lançando suas produções por selos como D.O.C., Suara, Erase e Not For Us, ou ainda como A&R (no selo Warung Recordings) ou consultor (do Austro Music), Leo tem uma estrada extensa e cheia de contribuições para a música eletrônica nacional. Nada mais justo do que a gente fazer um entrevistão com ele para a nossa série de perfis #MillerMusic. Aperta o play no vídeo do Leo tocando no Boiler Room e parta para a entrevista 🙂
Leo Janeiro @ Boiler Room
Music Non Stop – Quando foi que você começou a se interessar por música eletrônica, quem foi o DJ ou artista que te fez ter aquele clique?
Leo Janeiro – Não foi uma música ou artista, acho que foi um momento. No final da década de 80, cara, tinha muita coisa bacana rolando de música. A rádio era um lugar que tinha muita informação legal, os programas que eram feitos por DJs eu amava escutar. Me lembro exatamente que eu escutava programas do Meme, Corello, Fernandinho, uma galera que até hoje está aí, trabalhando. Os caras tinham muita informação, era muito legal, porque eles conseguiam de alguma maneira distribuir essa informação, e isso ficava na sua cabeça. Lembro que tinha até uma coisa engradaçada, eu pegava as fitas cassete da minha mãe e gravava por cima. Ela tinha umas coisas muito antigas gravadas lá, e eu usava pra gravar meus programas favoaritos. Eu queria estar conectado com esse universo. O rádio era uma das poucas fontes de informação que você tinha pra som black, também pro começo do eletrônico, da house. Eu escutava o José Roberto Mahr, o programa Novas Tendências, que era um programa ótimo, ele tinha muita coisa na frente de todo mundo. Ele era comissário, então ele trazia coisas que ninguém tinha: versões, remixes, bootlegs, eu eu só pensava: “como esse cara tem isso”. Então foi uma coisa de ir me informando com o rádio. Imagina isso no fim dos anos 80 e início dos 90…
Music Non Stop – O que está achando da movimentação em torno da cena de festas do Rio? Novos coletivos, novos DJs, novos sons…?
Leo Janeiro – Essa movimentação é muito bacana, porque ela tá crescendo de um jeito muito autêntico. A galera tá tendo que se virar porque a gente não tem uma cena de club constituída, né. A gente já teve no passado, clubes como Crepúsculo de Cubatão, Dr. Smith, Dama de Ferro, Bunker. Até hoje a gente continua tendo graças a Deus o Fosfobox, Zero Zero. Mas as festas estão crescendo pra outros lugares, ocupando espaços bem interessantes. A gente hoje tem núcleos na cidade como o Rio Me, a Just Follow, a Kode, a The Finest, a Rara, o projeto Onda, a NooN. Tem diversos núcleos, produtores e DJs atuando. Eu me sinto superfeliz porque tento dar minha contribuição. Como é bacana ver DJs como Maurício Lopes circulando pelas festas da cidade, tocando, e as pessoas curtindo. Também tem gente muito fazendo coisa muito boa. A gente tem o Mumbaata, que é um live aqui do Rio que faz coisas animais. Eles são uma das melhores coisas que aconteceram nos últimos anos. O próprio Carrot Green, que tá fazendo um trabalho muito bacana. DJs que começam a ganhar corpo, Ananda Nobre, Manara, DJs novos que estão buscando seu espaço. Tem uma galera que trabalha com um público bem mais novo, tipo o Love Sessions. fazendo um trabalho legal. Tem a Base que mistura hip hop com música eletrônica e faz festas muito boas. Acho que está todo mundo remando pra um só lugar. Eu como artista acabo tocando muito fora da cidade e percebo que o Rio tem coisas muito boas, que é a diversidade musical muito interessante. O ponto negativo é que muitas vezes não temos lugares pra abrigar isso tudo, mas isso está mudando. Fico superfeliz quando vou numa festa e quase não conheço ninguém, porque isso prova que está acontecendo uma renovação. Acho que a abertura do D-Edge vai chegar pra ajudar e muito a gente também. Sinto que estamos vivendo uma boa fase e que ainda vai melhorar, e vou fazer de tudo pra ajudar nesse sentido.
Music Non Stop – Quais são três músicas coringas do seu case, que você sempre guarda na manga pra tocar e sempre funcionam?
Leo Janeiro – Sempre quando você toca um clássico na hora certa é algo que faz tão bem… Vou destacar três músicas que sempre estão na minha cabeça: Inner City, tanto Big Fun quanto Good Life, me remetem à uma época muito foda, outra é o The Man With The Red Face, do Laurent Garnier, eu gosto de tocar a original, ela traz um pouco de poesia pra pista, o Laurent pra mim é o cara de todos os tempos, e o New Order, independente da música, sempre traz uma sentimento bom, mesmo pras pessoas mais novas que não viveram o auge da banda. A mesma coisa acontece com o Depeche Mode.
Music Non Stop – Como era o ambiente musical na tua casa?
Leo Janeiro – A minha mãe era uma fã incondicional de disco music e de música brasileira. Ela sempre teve muita coisa. A gente ouvia muito Barry White, Tim Maia, Jorge Ben, Chico Buarque… meu ambiente musical sempre foi muito rico. Minha mãe tinha um 3 em 1, que era de todo mundo, e ela sempre trazia discos e cassetes. Minha mãe ficava chateada comigo quando eu gravava programas de rádio em cima das fitas dela. Ela ia a vários shows também, eu ficava com meus avós. Minha família foi primordial pra eu poder gostar de música. Minha avó curtia Nelson Gonçalves, Altermar Dutra, meu avó gostava de música clássica. E minha mãe que pegou a onda disco, a onda MPB, Novos Baianos… tive sorte de ter uma família que sempre gostou de música. Os disquinhos da dona Ingrid são fundamentais pra mim até hoje.
Music Non Stop – O Rio de Janeiro viveu tempos áureos de grandes discotecas nos anos 70. Por que acha que houve um momento em que mal havia clubs no Rio?
Leo Janeiro – O Rio na época da disco viveu um enorme glamour. Você tinha Nelson Motta organizando festas no Morro da Urca, Papagaio Disco Club, Ricardo Lamounier, Amândio… isso tudo deu uma base de sustentação pra vida noturna. O que veio depois é que os grandes empresários da noite começaram a diversificar muito seus negócios, e as boates e clubes foram ficando em segundo plano. O Ricardo Amaral teve dois ou três clubes no Rio, Chico Recarey. Talvez quando eles entraram em negócios como restaurantes eles deixaram de lado um pouco o foco nas boates. Se você parar pra ver o Amaral e o Recarey foram os grandes caras da noitada aqui no Rio. E isso foi super importante naquele momento. Quando eles pararam, a coisa deu uma diminuída. Claro que depois vieram outras pessoas, mesmo assim ficou mais devagar.
Music Non Stop – Você é super agitador da cena noturna, quais são as coisas que mais te motivam a não parar de botar o bloco na rua?
Leo Janeiro – O que me motiva é a música. Eu nasci com isso, eu gosto de ver as pessoas felizes dançando, gosto de ajudar as pessoas que estão começando agora, gosto de entender o que está acontecendo ao meu redor. A música te possibilita muitas coisas. Eu vivo intensamente vários ângulos da música: trabalho com consultoria, sou DJ, sou residente de dois clubes superlegais, o Warung e o Beehive. Enquanto der pra eu fazer, ajudar, eu vou fazer. A gente tem que dividir conhecimento. Tenho me preocupado em fazer coisas que eu gosto, da maneira que eu acho importantes, além de incentivar pessoas que estejam com o mesmo objetivo. É isso que faz a gente andar pra frente, a vontade de fazer coisas. Continuo agitando e me conectando com as coisas que estão rolando ao meu redor.
Music Non Stop – Como começou essa movimento de você se tornar curador, consultor etc.?
Leo Janeiro – Foi normal. Eu tô muito conectado a vários aspectos da música. Tenho meu estúdio em casa, trabalhei em gravadora, já fiz consultoria, sempre tentando conectar ideias interessantes. E hoje eu tenho uma empresa de sound branding, a RG FM, que presta consultoria a marcas na parte musical. É um trabalho que requer muita pesquisa musical e também requer que a gente conheça muito bem as marcas. É um trabalho que eu faço sem sair do meu universo.
Além de tudo isso, tenho a sorte de muita gente gostar de mim. Tenho aprendido ao longo dos anos a escutar mais, isso tem me ajudado muito. Estar envolvido com música te abre muitos leques, te conecta com várias oportunidades. Tudo que eu faço é feito de uma maneira muito tranquila. Tenho visto muita coisa, lido muita coisa, isso acaba me ajudando a ter um posicionamento e passar isso de uma maneira legal. Quando você está num nicho de mercado e consegue se fazer entender, isso é muito gratificante. Desde moleque essa conexão com a música me traz coisas boas. Claro que as pessoas vão percebendo o valor dessa construção. Tomara que eu consigo fazer isso da maneira que tem que ser.
Music Non Stop – Quem você gostaria de ver dançando na sua pista um dia e por quê?
Leo Janeiro – Cara, eu gostaria de um dia poder ter todos os meus ídolos na minha pista, Laurent Garnier, Carl Cox, Kerri Chandler, o jornalista Nelson Motta, Danny Boyle [diretor de Trainspotting], David Gaham [Depeche Mode] e a Kat Von D, todos eles dançando junto com meus amigos. E também algumas pessoas que não estão mais aqui, Ian Curtis, do Joy Division, Prince, que eu adorava, o DJ Ron Hardy também. Uma boa pista é feita de rostos felizes, e é isso que sempre vou querer ver quando eu estiver tocando.
Ouça set gravado ao vivo no D-Edge