De um inferninho na rua Augusta, em São Paulo, saíram os primeiros traços da cultura clubber no Brasil. Em 1988, em pleno “verão do amor” na Europa, quando o ecstasy emergiu dos pequenos guetos para estampar capas de revista, já não parecia mais tão bacana dançar música gótica e rock industrial em templos do dark, como o Madame Satã, no Bixiga, e o Ácido Plástico, em Santana.
No subsolo de uma galeria de lojas numa das ruas mais movimentadas de São Paulo, um DJ começava a gravar seu nome na história da música eletrônica underground do país. Tocando no clube Nation, Renato Lopes mostrava novidades até então inatingíveis para a nação dançante do país.
Lopes havia estreado nas pick-ups dois anos antes, como DJ do Madame Satã, ao lado de Mau Mau. No Nation, ele tinha como parceiro de cabine o jornalista Mauro Borges. Recém-chegado da Europa, Borges tinha informações frescas sobre como andava a cena de clubes no velho continente. Ainda por cima, trabalhava na Bossa Nova, “a” loja para quem procurava discos e informação sobre música underground. Borges nunca havia trabalhado como DJ, mas, com o background musical que tinha, foi convidado pelos donos do Nation, Paulo Renato e Eloy W., a dividir o som da casa com Renato Lopes.
Fã incondicional de Madonna, a pista de Borges sacudia ao som da rainha e de outros ícones do pop dançante, como Prince, Depeche Mode e New Order, permeados por um ou outro hit da disco dos anos 70, como Frenéticas. Quente também era a performance do DJ: alto e forte, Borges já atraía olhares para a cabine naturalmente. Não contente com isso, ele tocava invariavelmente sem camisa e fazia coreografias incríveis com as mãos, à la Vogue. Informalmente, ficou estabelecido assim: a pista de Renato Lopes era a aula, enquanto a de Mauro Borges era o recreio.
Veja este vídeo da MTV no Nation de 1990
A notícia da nova dupla de DJs correu a cidade e, em poucos meses, o Nation tinha virado um hit. Nascia no Nation o esboço do culto ao DJ. Na seqüência brotariam ali os primeiros traços de culto ao clube, com a impressão de flyers trazendo em destaque a programação da casa, além de desenhos e piadas cifradas. Aliás, foi no Nation que a palavra clube começou a ser usada, em substituição ao termo danceteria.
Por ali circularam as primeiras drag queens, montadas dos pés à cabeça, e os primeiros freqüentadores vestindo roupas extravagantes e adereços inusitados – essa clientela, mais tarde, ganharia o nome de clubber. No Nation também nasceram termos que depois se espalharam pelo underground eletrônico e pelo mundo gay. “A gente achava engraçado inventar palavras. Criamos várias: hype, flop, mundinho”, diz Mauro Borges.
É Mauro quem está à frente da reinauguração no Nation, no mesmo endereço em que funcionou entre 1988 e 1992. Vem com a gente entender o que ele está tramando.
Music Non Stop – Como rolou essa ideia de reabrir o Nation?
Mauro Borges – Na verdade é um sonho antigo do DJ Gé Rodrigues, que começou lá ainda adolescente na matinê. Ele sempre quis, e agora surgiu a oportunidade e depois o convite para sermos sócios, junto do dj Ruy Albuquerque, que foi o primeiro DJ teen no Brasil e era irmão do dono do Nation, o lendário e querido Chiquinho.
Music Non Stop – Vocês vão reproduzir os ambientes do endereço original na Augusta?
Mauro Borges – Sim faremos tudo como era na inauguração, em maio de 1988. Mesma pista-aquário, mesma cabine em destaque, mesmo jogo de luz. Mas tudo com o que há de melhor na tecnologia de hoje em dia.
Music Non Stop – Sobre o som, qual é a ideia? Manter o conceito de dois residentes com linhas diferentes de som (como era com você e Renato) e trazer convidados?
Mauro Borges – O som vai resgatar os clássicos lançados pelo clube, os hinos dos 80 e 70, exatamente como era. Será um clube de resgate de sons e atitudes. Todos os filhos do Nation, pessoas que começaram ali sua paixão pela noite serão convidados pra tocar: Cacá Di Guiglielmo, Atum, Pil, Glaucia Nascimento, Camilo Rocha, Mara Bruiser, Alex S e amigos DJs que sempre estavam lá, como Mau Mau, Branca, Vadão, Badinha, DJ Hum.
Music Non Stop – A noite está muito diferente do que era em 88, há muitas festas rolando e muitos DJs bons. O que vc acha que será o diferencial do Nation?
Mauro Borges – O diferencial do Nation é ser o Nation, lugar onde tudo começou. A cena clubber, a cena eletrônica, a cena fashion e a cena mix…. Isso tudo faz do Nation inigualável, atual e sempre moderno. Claro que os anos 90 é nosso foco. Mas não queremos disputar nada no mercado, porque temos um público com essa história com a noite e com a boa música: house, deep house, hip hop, garage, techno, e pop de classe, sem desespero por ser o hype. Porque o Nation é sempre hype.
Music Non Stop – O Nation lançou muitas coisas: gírias, roupas, uma linguagem muito particular de flyers… você acha possível resgatar esse poder lançador de tendências hoje em dia?
Mauro Borges – Não temos essa pretensão, mas será o mesmo espírito que fez tudo aquilo há 29 anos que estará por trás, o senso de humor que nos guiava continua vivo. Mas traremos espaço para os personagens da noite que andam meio desprestigiados. Queremos resgatar criatividade e atitude, características principais da noite dos anos 90. Serei residente e, como no anos 80/90, criarei todo o artístico, pois sou da equipe original, ao lado do grande DJ Renato Lopes, promoter Eloy W e o querido gerente Paulo Santana. Fomos nós que forjamos esse conceito, que é o que guia a noite até hoje.
REINAUGURAÇÃO NATION DISCO CLUB
Sábado, 18/3, a partir das 23h59
Line-up: Mauro Borges, Gé Rodrigues e Rui Albuquerque
Preço: R$ 30 (entrada) ou R$ 60 (consumo)