Lendário celeiro da cultura clubber dos anos 80/90, Nation reabre no mesmo endereço na rua Augusta

Claudia Assef
Por Claudia Assef

De um inferninho na rua Augusta, em São Paulo, saíram os primeiros traços da cultura clubber no Brasil. Em 1988, em pleno “verão do amor” na Europa, quando o ecstasy emergiu dos pequenos guetos para estampar capas de revista, já não parecia mais tão bacana dançar música gótica e rock industrial em templos do dark, como o Madame Satã, no Bixiga, e o Ácido Plástico, em Santana.

No subsolo de uma galeria de lojas numa das ruas mais movimentadas de São Paulo, um DJ começava a gravar seu nome na história da música eletrônica underground do país. Tocando no clube Nation, Renato Lopes mostrava novidades até então inatingíveis para a nação dançante do país.

Lopes havia estreado nas pick-ups dois anos antes, como DJ do Madame Satã, ao lado de Mau Mau. No Nation, ele tinha como parceiro de cabine o jornalista Mauro Borges. Recém-chegado da Europa, Borges tinha informações frescas sobre como andava a cena de clubes no velho continente. Ainda por cima, trabalhava na Bossa Nova, “a” loja para quem procurava discos e informação sobre música underground. Borges nunca havia trabalhado como DJ, mas, com o background musical que tinha, foi convidado pelos donos do Nation, Paulo Renato e Eloy W., a dividir o som da casa com Renato Lopes.

Lopes com Marquinhos MS ao fundo na cabine do Nation

Fã incondicional de Madonna, a pista de Borges sacudia ao som da rainha e de outros ícones do pop dançante, como Prince, Depeche Mode e New Order, permeados por um ou outro hit da disco dos anos 70, como Frenéticas. Quente também era a performance do DJ: alto e forte, Borges já atraía olhares para a cabine naturalmente. Não contente com isso, ele tocava invariavelmente sem camisa e fazia coreografias incríveis com as mãos, à la Vogue. Informalmente, ficou estabelecido assim: a pista de Renato Lopes era a aula, enquanto a de Mauro Borges era o recreio.

Veja este vídeo da MTV no Nation de 1990

A notícia da nova dupla de DJs correu a cidade e, em poucos meses, o Nation tinha virado um hit. Nascia no Nation o esboço do culto ao DJ. Na seqüência brotariam ali os primeiros traços de culto ao clube, com a impressão de flyers trazendo em destaque a programação da casa, além de desenhos e piadas cifradas. Aliás, foi no Nation que a palavra clube começou a ser usada, em substituição ao termo danceteria.

Por ali circularam as primeiras drag queens, montadas dos pés à cabeça, e os primeiros freqüentadores vestindo roupas extravagantes e adereços inusitados – essa clientela, mais tarde, ganharia o nome de clubber. No Nation também nasceram termos que depois se espalharam pelo underground eletrônico e pelo mundo gay. “A gente achava engraçado inventar palavras. Criamos várias: hype, flop, mundinho”, diz Mauro Borges.

É Mauro quem está à frente da reinauguração no Nation, no mesmo endereço em que funcionou entre 1988 e 1992. Vem com a gente entender o que ele está tramando.

Borges: alive and kicking aos 50 🙂

Music Non Stop – Como rolou essa ideia de reabrir o Nation?

Mauro Borges – Na verdade é um sonho antigo do DJ Gé Rodrigues, que começou lá ainda adolescente na matinê. Ele sempre quis, e agora surgiu a oportunidade e depois o convite para sermos sócios, junto do dj Ruy Albuquerque, que foi o primeiro DJ teen no Brasil e era irmão do dono do Nation, o lendário e querido Chiquinho.

Music Non Stop – Vocês vão reproduzir os ambientes do endereço original na Augusta?

Mauro Borges – Sim faremos tudo como era na inauguração, em maio de 1988. Mesma pista-aquário, mesma cabine em destaque, mesmo jogo de luz. Mas tudo com o que há de melhor na tecnologia de hoje em dia.

Fervo e montação: tudo ganhou proporções inéditas no Nation

Music Non Stop – Sobre o som, qual é a ideia? Manter o conceito de dois residentes com linhas diferentes de som (como era com você e Renato) e trazer convidados?

Mauro Borges – O som vai resgatar os clássicos lançados pelo clube, os hinos dos 80 e 70, exatamente como era. Será um clube de resgate de sons e atitudes. Todos os filhos do Nation, pessoas que começaram ali sua paixão pela noite serão convidados pra tocar: Cacá Di Guiglielmo, Atum, Pil, Glaucia Nascimento, Camilo Rocha, Mara Bruiser, Alex S e amigos DJs que sempre estavam lá, como Mau Mau, Branca, Vadão, Badinha, DJ Hum.

Music Non Stop – A noite está muito diferente do que era em 88, há muitas festas rolando e muitos DJs bons. O que vc acha que será o diferencial do Nation?

Mauro Borges – O diferencial do Nation é ser o Nation, lugar onde tudo começou. A cena clubber, a cena eletrônica, a cena fashion e a cena mix…. Isso tudo faz do Nation inigualável, atual e sempre moderno. Claro que os anos 90 é nosso foco. Mas não queremos disputar nada no mercado, porque temos um público com essa história com a noite e com a boa música: house, deep house, hip hop, garage, techno, e pop de classe, sem desespero por ser o hype. Porque o Nation é sempre hype.

Just kids: Renato Lopes (de boné) era o DJ que fazia a catequese houseira

Music Non Stop – O Nation lançou muitas coisas: gírias, roupas, uma linguagem muito particular de flyers… você acha possível resgatar esse poder lançador de tendências hoje em dia?

Mauro Borges – Não temos essa pretensão, mas será o mesmo espírito que fez tudo aquilo há 29 anos que estará por trás, o senso de humor que nos guiava continua vivo. Mas traremos espaço para os personagens da noite que andam meio desprestigiados. Queremos resgatar criatividade e atitude, características principais da noite dos anos 90. Serei residente e, como no anos 80/90, criarei todo o artístico, pois sou da equipe original, ao lado do grande DJ Renato Lopes, promoter Eloy W e o querido gerente Paulo Santana. Fomos nós que forjamos esse conceito, que é o que guia a noite até hoje.

REINAUGURAÇÃO NATION DISCO CLUB
Sábado, 18/3, a partir das 23h59
Line-up: Mauro Borges, Gé Rodrigues e Rui Albuquerque
Preço: R$ 30 (entrada) ou R$ 60 (consumo)

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.