Fenômeno Labubu é só mais um capítulo na doutrinação infantil para gastar com frivolidades, opina Jota Wagner
Em 1980, o pipoqueiro que fazia ponto na porta da Escola Estadual Siqueira Moraes, em Jundiaí/SP, esperava ansioso o fim da aula para ver uma horda de moleques (incluindo este que lhes escreve) em volta de seu carrinho, ávidos em busca das “Caixinhas de Surpresa”: uma embalagem de papelão com algo desconhecido dentro, que poderia ser um chiclete ou um brinquedinho de plástico barato.
No meio da muvuca, ele tirava um maço de dinheiro do bolso, erguia a mão mostrando sua fortuna a todos e dizia: “quem encontrar um santinho ajoelhado, rezando, dentro da caixinha, leva tudo isso aqui que eu tenho na mão”. O tal santinho, claro, jamais foi visto por criança alguma. E nós estávamos cursando ali, sem saber, a faculdade de otário que nos transformaria em uma geração que aposta em bets, jogos de tigrinho e coleciona clones de bebês fantasmagóricos imitando filhos reais.
O fenômeno Labubu, mais um capítulo da saga das Caixinhas de Surpresa, segue cumprindo sua função de preparar as crianças para o consumismo desenfreado e encher os bolsos das indústrias com produtos desnecessários ao longo de suas vidas. Faz parte de uma longa linhagem de objetos plásticos colecionáveis vendidos às cegas, como os gogos, as cartas de Pokemón e tantas outras coleções criadas com estratégia de marketing similar: uma historinha prévia de quatro linhas para contextualizar a nova criatura e uma infinidade de modelos diferentes dificultando ao máximo a possibilidade de se completar a coleção.
E lembra do santinho rezando? Ainda existe, mas agora o sonho é vendido de uma forma diferente: pendurado na bolsa da estrela pop Lady Gaga. A fabricante criou um monstrinho exclusivo para ela, orgulhosamente ostentado em uma bolsa Hermès de 250 mil reais. Um exemplo perfeito da cooptação da futilidade consumista através da indústria do entretenimento e sua capacidade de rasgar o bolso das pessoas em busca de aceitação.
O colecionismo infantil nada mais é do que um curso preparatório para marionetes do consumismo. O ser humano que mais acumula o que não precisa (bolsas, carros, sapatos, imóveis), empatando a maior quantidade possível de dinheiro na empreitada, é considerada por mim, por você e por todo mundo, como uma pessoa bem sucedida. Os outros, chamados de fracassados, olham admirados, invejosos, do lado de fora da cerquinha da pista premium, aqueles que “chegaram lá”. Recente fenômeno das redes sociais — que, claro, começou no TikTok —, o Labubu só potencializa a festança.
O brinquedo com cara de chaveiro comprado às cegas custa, no Brasil, entre 80 e 200 reais, em sua coleção mais básica. Obviamente, a fabricante Pop Mart International Group Limited tratou de reproduzir, na Labubulândia, a organização em castas da sociedade em que vivemos. Existem as edições limitadas, as “mega”, as colaborações e, no topo da pirâmide social, aquela que a Lady Gaga usa em sua bolsinha de luxo.
Tem gente vendendo suas bonequinhas mais raras a 58 mil reais por ai. Como de costume, o mundo também dá seu jeito entrar na febre com o mercado pirata. Centros de compras populares como a rua 25 de Março, em São Paulo, já estão infestados de versões piratas do Labubu, que, originalmente só é vendido nas lojas oficiais da Pop Mart ou em geladeiras automáticas da fábrica espalhada pelo mundo. Nos Estados Unidos, a loja de Nova Iorque viu filas gigantes em sua porta a partir das 05h, prontos para gastar seu dinheiro na nova coleção, Big Into Energy, que acabara de ser lançada.
Parabéns aos fabricantes por criar mais uma forma de sangrar dinheiro de bilhões de pessoas ao redor do mundo. E parabéns aos pais que estão ensinando a seus filhos o que é realmente importante na vida, pegando fila, no frio, de madrugada, em uma porta de loja. Como disse um amigo que ouviu de uma amiga: “o mundo já acabou. A gente é que não percebeu”.