It’s more fun to compute, mas cadê a animação? foto: Divulgação/Image.net

Kraftwerk foi morno, mas Sónar retornou com elegância a SP

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Talvez a melhor coisa do Sónar seja ver gente interessada em música na pista

 

Com o Parque Anhembi extremamente bem utilizado, o Sónar São Paulo atraiu cerca de 30 mil pessoas somando os públicos de sexta (11/5) e sábado (12/5), mostrando que nem só atrás de mega estrelas da música pop vive o público da cidade.

Criado em Barcelona em 1994, o Sónar cresceu muito e hoje chega a atrair cerca de 80 mil pessoas em sua cidade natal, mas tanto lá quanto nas outras cidades em que acontece (Londres, Tóquio, São Paulo etc), a ideia é manter o foco naquilo que a direção do evento chama de “música avançada”, ou seja, música eletrônica, hip hop, indie e música experimental de qualidade.

Mesmo com o cancelamento de sua principal artista, a cantora Björk, a edição paulistana do festival não chegou a sentir uma baixa forte de público, já que o esperado volume de 15 a 20 mil pessoas por noite chegou perto de se concretizar.

Se acertou na escolha do lugar (é incrível como São Paulo é carente de bons lugares para eventos grandes e médios), nem sempre o line-up funcionou na prática.

Em 2012, Ralf Hütter fez uma canja com François Kervorikan em NY (Foto: Greg Cristman)

 

It’s more fun to compute, mas cadê a animação? foto: Divulgação/Image.net

Tudo bem que ninguém esperava ver fãs com pôsteres na mão se descabelando nem sutiãs jogados ao palco do show do quarteto alemão Kraftwerk, grande atração da sexta-feira. Mas até para fãs da velha-guarda como eu – um dos primeiros discos da minha coleção é “Computer World” (1981), comprado no Mappin, com os dizeres na capa “contém o tema da novela Brilhante” – o show foi tedioso.

Acredito que boa parte do público que lotou pela metade a gigantesca arena do palco SónarClub também tenha um enorme carinho pelo grupo de robôs que entregou a música eletrônica moderna ao mundo. E ainda tinha o fato de o show ser em 3D, uma firula a mais para despertar a curiosidade do público. E mais: o Kraftwerk vinha de oito shows lotados no MoMA de Nova York, única testemunha até então das apresentações em três dimensões dos alemães antes do show no Brasil.

O problema é que a enorme arena não segurou a onda de ficar assistindo a um show frio daqueles, usando óclinhos 3D descartáveis. As projeções também não ajudaram, eram aquelas clássicas paradonas do Kraft, só que com um efeitinho 3D que até o gibi da Mônica já usou.

Claro que foi uma jogada de mestre trazer o Kraftwerk para cobrir a ausência da estrela Björk. Mesmo o show da islandesa, bem cabeçudo em vários momentos, tenho minhas dúvidas se funcionaria num espaço tão grande, com pé direito tão alto, mas enfim…

A verdade é que, fora alguns mais quimicamente empolgados, o público logo dispersou do Kraftwerk. Culpar o grupo dizendo que eles sempre tocaram assim é sacanagem. Quem estava no Free Jazz Festival (me escolhe!) de 1998 vai poder dizer o quanto o Kraftwerk pode ser quente. Mas vamos adiante que o papo aqui é o Sónar como um todo.

Não existe amor em SP, mas existe Criolo!

Quem saiu do Kraftwerk tinha a opção de ver um dos artistas mais bombados do Brasil (não no “Faustão”, neam), o rapper Criolo, que fez o público cantar junto hits como “Não Existe Amor em SP” e uma versão de “Cálice”, do Chico Buarque. Ele não podia não estar no Sónar.
Mãe de duas bebês que sou, perdi dois shows que queria muito ver e que ouvi dizer terem sido muito bons: o do americano James Pants e o DJ set do inglês James Blake – este tocou supercedo, às 21h30.

Foi difícil conseguir entrar pra ver o show do Little Dragon, mas valeu

Deu tempo de ver o grupo sueco Little Dragon no “Pudim” (foi muito legal ver novamente o auditório Elis Regina servindo ao público da música underground). Bem bacana.

No palcão Club a noite ainda teria Chromeo, que eu achei barulhento demais, e o inglês Skream, que me deu medo pela bipolaridade, ia de bem legal a pavoroso em segundos. O palco fechou com uma apresentação eficiente do brasileiro Gui Boratto.

Oi, Skream, tocar Nirvana até eu, né!

Talvez eu tenha perdido a melhor apresentação da noite – pelo menos foi o que eu ouvi nos corredores -, a do americano misterioso Doom, que tocou no mesmo horário do Kraftwerk e Criolo.
Sexta-feira fui pra casa com a sensação de que tinha ido a uma puta festa legal, só que com uns momentos meio malas no som.

SABADÃO UNDERGROUND

O Four Tet é inglês mas, como disse uma amiga, parece capixaba!

Sábado já prometia um leque de atrações bem mais interessante. Por causa da função com as filhotas, perdi coisas que eu queria muito ter visto, como o live da dupla Tiger & Woods e a apresentação do alemão Alva Noto com o japonês Ryuichi Sakamoto no “Pudim”. Menos mal que já tinha visto o Sakamoto com o Pan Sonic na abertura do Sónar 2004 em Barcelona.

Dor no coração de também não conseguir ver Flying Lotus e Munchi, mas preguiça total de assistir o show da dupla Justice. Depois de um soninho reparador, chegamos direto para a apresentação do inglês Four Tet e, uau, que tapa bom na orelha!

Experimental, mas dançante. Cabeçudo, mas acessível. Extremamente bonito, mas nunca fácil. Como é bom esse Kieran Hebden! No começo da apresentação, o SónarVillage estava vazio a ponto de se conseguir assistir bem da grade, mas, lá pela metade do show, o som do Four Tet já havia atraído uma multidão, que dançava, batia palmas e até gritava nomes de músicas, como “She Moves She”, hit do inglês. Ah, o Four Tet já havia tocado no Sónar São Paulo de 2004.

O mais legal de estar ali era olhar para o lado e ver gente realmente interessada na música, dançando com vontade, de olhos fechados. Nada de meninos desfilando com baby champanhe na mão nem meninas dando cabeladas fatais no ar. Definitivamente não foi um sabadão à noite dos mais típicos.

Seth Troxler: bom gosto e animação pra tocar

Conforme as horas iam passando, senti aquela quase tristeza de estar perdendo coisas boas enquanto assistia a outras extremamente interessantes, como o set do americano Seth Troxler, simplesmente incrível. Por causa dele, não fui ver os alemães do Modeselektor (que, dizem, tocou uma “technera”), o espanhol John Talabot nem o veterano inglês Squarepusher, que segundo vários relatos fez um showzaço no “Pudim”.
Terminei a noite vendo de longe a lenda Jeff Mills fazendo um set totalmente anos 90, minimalista e nem aí pra tendências. Com os pés cansados e um almoço de Dia das Mães a poucas horas dali, resolvi tirar o plugue da tomada antes que fosse tarde demais. Obrigada, Sónar, e até 2013.

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.