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Keila: “Falta reconhecer o tecnobrega como música eletrônica”

Keila

Foto: Reprodução

Vocalista da Gang do Eletro fala da cena paraense: “Podemos alcançar vários públicos. Estamos aqui há mais de 50 anos”

Estampando a bandeira do Pará em tatuagem no peito, Keila Gentil não esconde o orgulho de ser do Norte. A cantora, que também é conhecida como Rainha do Treme — difundiu essa dança pelo Brasil todo —, nasceu no Maranhão, mas vive no Pará. Vocalista da Gang do Eletro e dona do Baile da Cremosa, ela é um dos nomes mais ativos quando se fala de expressão cultural amazônida.

No último dia 25, ela participou do painel “Tecnobrega: a música eletrônica do Pará” durante o Festival MANA, o maior festival de mulheres da música da Amazônia. Em formato conferência, o evento contou com shows, oficinas, painéis e feiras — tudo de forma gratuita —, e ocorreu em Belém, reunindo inúmeras profissionais do mercado da música.

Ao lado da DJ Méury e da cantora Helen Patrícia, com mediação de Claudia Assef, a artista discorreu sobre os elementos do tecnobrega e a identidade cultural autêntica que o povo do Pará criou. Além disso, conversou com exclusividade com o Music Non Stop sobre a relação da sonoridade com a música eletrônica.

Segundo Keila, o Norte tem muita informação artística, musical e cultural. Devido a sua localização, as rádios do Sul e Sudeste não funcionavam na região. Então, o consumo musical vinha de rádios da Guiana Francesa, do Caribe e até da Jamaica.

Keila em painel do Festival MANA. Foto: Alexandra Tavares/Divulgação

“A música ia descendo o Rio Amazonas até chegar no Pará, passando por Manaus, por Santarém…”, brincou. A influência veio também através dos portos, onde havia muita troca de discos de vinil. Por isso, muitas sonoridades influenciaram na criação do brega e da música amazônida: cumbia, lambada, merengue, rockabilly…

Falando como o tecnobrega se tornou a música eletrônica brasileira vindo do Norte, essa influência veio muito do house. Mas, acostumado a importar as impressões do que se considera música eletrônica, por muitas vezes o público se nega a refletir sobre as conexões entre as sonoridades — sejam elas brasileiras ou gringas. O assunto sempre acaba sendo considerado polêmico e rendendo opiniões diversas. Keila, no entanto, sabe simplificar tudo:

“Para nós, já fazemos música eletrônica. A música feita no computador é música eletrônica. Funk é música eletrônica. Não é só sobre ser deep ou house ou tecnobrega ou funk. São só estilos, mas todos são feitos de forma eletrônica, no computador, através de um programa em que os plugins são todos virtuais”.

O funk, ritmo essencialmente nacional, vem ganhando o mundo e cada vez mais se entrelaçando com festivais nichados e considerados de música eletrônica, como o Só Track Boa, por exemplo, chegando a aparecer no set de muitos artistas internacionais — de Seth Troxler a Nina Kraviz. Chegou até mesmo a ganhar uma categoria, o “Brazilian Funk”, no Beatport, maior plataforma de compra e venda de música eletrônica no mundo. E por que isso não está acontecendo ainda com o tecnobrega?

“O DJ vai discotecar um funk dentro da estrutura que o funk consome, que são os bailes, o tecnobrega dentro das aparelhagens, o deep dentro de um club, outros dentro das raves… Cada um ali no seu quadradinho, mas todos são música eletrônica. Com o tecnobrega, podemos alcançar vários públicos. A gente já tá aqui existindo há muito tempo, mais de 50 anos. O que falta é o interesse da galera abraçar, reconhecer como um estilo musical dentro dessa vertente da música eletrônica.”

As aparelhagens são manifestações estéticas e rítmicas que surgiram no Pará. Basicamente, são festas que surgiram para divulgar e fomentar o brega na região, tornando-se legítima expressão da cultura paraense.

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Keila deu sua visão dos fatos durante o painel. De acordo com sua família, a história começou com os “sonoros”, antigo nome dado às aparelhagens. Por sua vez, os sonoros tiveram total influência das radiolas, a cultura que veio da África para o Maranhão. O soundsystem era muito forte na cultura do reggae e das radiolas. Com o tempo, o que acontecia no Maranhão foi ganhando espaço no seu vizinho, Pará, culimnando no desenvolvimento da cultura da aparelhagem, que acabou ganhando uma outra proporção.

“O Pará é antropofagia. A galera pega o que é de fora e transforma em seu, e aquilo é tão autêntico que se torna nosso”, declarou no palco.

O que começou com o “boca de ferro”, ou seja, um projetor de som conectado a dois toca-discos, foi evoluindo até ganhar estruturas megatecnológicas, que não perdem para nenhum festival mundial — aliás, muitas vezes estreando novidades antes do eixo Rio–São Paulo.

Tanto o Tomorrowland, maior festival de música eletrônica do mundo que existe há 20 anos, quanto a Aparelhagem Rubi, a primeira do planeta e que completa 75 anos em 2025, são verdadeiros espetáculos. Unem pirotecnia, fogos de artifício, CO2, estruturas de palco que brilham e se movimentam, lasers, painéis de LED, amplificadores, soundsystem potente, DJs como controladores da multidão, locutores e mestres de cerimônia… Há muito mais em comum do que se imagina.

“A gente faz as mesmas coisas, só que no Norte do Brasil. É feito por gente preta, periférica, e tem todo um recorte, uma dificuldade estrutural pra alcance de abrangência de público e mercadológica. Eu acho que a única diferença é essa mesmo, porque se for olhar a essência da coisa, a galera tá fazendo deep pra tocar no Tomorrowland. A gente tá fazendo tecnobrega pra tocar na aparelhagem no Cidade Folia, no meio da Amazônia.”

Para que o público consiga, definitivamente, entender mais sobre o tecnobrega, o tecnomelody e o eletromelody, Keila sugere três faixas da sua Gang do Eletro: Galera da Laje, Velocidade do Eletro e Tubagás.

“O eletromelody vem inspirado no house, no electro-house, no mid back… Então, a galera que curte isso vai se identificar, porque os sintetizadores são bem mais agressivos. A forma de cantar também é diferente do tecnomelody. Não é tão romântico, é mais pra cima, tem uma batida mais reta também. Algumas são, inclusive, versões de house”, finaliza.

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