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Jota.pê: “O objetivo não tem que ser ganhar outro Grammy”

Jota.pê

Foto: Divulgação

Após quase desistir da música, artista de Osasco celebra um ano de conquistas, incluindo três Grammys Latinos e uma carreira consolidada

Jota.pê está feliz. O artista de Osasco/SP que quase desistiu da carreira já no show de lançamento de seu primeiro disco, em 2015 (só não o fez porque a mãe não deixou), fecha 2024 com três prêmios do Grammy Latino na mochila (“Melhor Canção em Língua Portuguesa” por Ouro Marrom; “Melhor Álbum de Música Popular Brasileira/Música Afro Portuguesa Brasileira”; e “Melhor Álbum de Engenharia de Gravação”) vindos de um álbum primoroso, indicações para o Prêmio Multishow e uma baita sensação de dever cumprido. Tudo graças a Se o Meu Peito Fosse o Mundo, obra que levou três anos para ser finalizada e que, na mente do seu criador, gerou um processo do qual ele nunca mais vai abrir mão.

A partir de agora, uns dias de descanso, antes de começar um novo ano em que será cobrado pelos resultados anteriores. Mas Jota.pê parece estar com os pés bem grudados no chão em relação às expectativas. “Pode ser que eu não ganhe outro Grammy, pode ser que eu ganhe. E de vez em quando vou compor algumas músicas ruins mesmo”, brinca, simpático e sorridente, em entrevista ao Music Non Stop.

Jota Wagner: Como está sua rotina no seu estúdio em casa?

Jota.pê: Uma coisa que eu vou fazer é passar uns oito dias sem nada relacionado à música.

Nem ouvir?

Ouvir, talvez, porque faz muito parte da minha rotina. Mas sem encostar em instrumentos, sabe? Depois disso, uma coisa que eu vou começar a fazer é pelo menos uma horinha por dia pegar o violão, brincar, estudar umas coisas, ouvir uns discos novos…

Chico Buarque disse uma vez que não escuta as próprias músicas. Como é a sua relação com o que você já fez?

Eu tive uma relação um pouco complexa com os meus lançamentos anteriores, antes do Se o Meu Peito Fosse o Mundo. Vai passando o tempo e a gente vai mudando. E por não entender mesmo o processo de produção, sobre não me entender artisticamente, eu realmente percebo que evoluí muito de 2015 até hoje. Então esse primeiro disco [Crônicas de um Sonhador] eu realmente não escuto. Os singles que vieram depois também não. O EP Garoa eu até gosto, mas não ouço em casa. Se o Meu Peito Fosse o Mundo é o álbum que eu realmente cheguei a ouvir algumas vezes, sim. Parei e falei “nossa, tá legal isso aqui”.

Qual é sua primeira lembrança na vida profissional?

Eu considero o início da minha carreira no dia 21 de novembro de 2015, dia do show de lançamento do meu primeiro disco. Eu acreditava que não dava pra ganhar dinheiro com isso. Aí fiz um show de lançamento todo improvisado. Um monte de coisa deu errado. Eu ia fazer no Teatro ACM, em São Paulo. Eu consertei o computador do cara que trabalha lá e falei que estava procurando um lugar para fazer o show. Ele falou: “então faz aqui”.

Um dia antes, o teatro entrou em reforma. E eu em desespero. Queria cancelar o show. Falei: “foda-se, não quero mais fazer, que droga!”. Então minha mãe, principalmente, me falou assim: “não vamos desistir”. Pegamos a quadra da ACM e fiz o show de lançamento lá. Esse dia foi muito marcante porque foi a primeira vez que rolou uma grana. Vendi pouco mais de ingressos para um monte de amigos, todos conhecidos, mas deu quase cinco mil de grana. Pensei: “nunca fiz cinco mil reais na vida”. Ali eu ví que tinha como gerar dinheiro, só precisava entender como fazer acontecer mais vezes. Foi ali que eu decidi largar o que eu estava fazendo, as outras 500 profissões que eu tentei sem ser a música, para realmente viver disso.

Sua mãe estava lá, não deixou você desistir, e agora te vê ganhando três Grammys. Como se sentiram?

Meu pai também cantou quando era mais novo. Teve uma banda legal, que chegou a abrir para os Originais do Samba. Ganharam festivais e tal. Só que o mundo musical daquela época assustou muito meu pai, por causa das drogas e tudo o que rolava. Então ele saiu dessa parada e foi tabalhar com outra coisa. E essa relação foi muito bacana e importante para mim. Meus pais me incentivavam muito, mas também cobravam e se preocupavam. Me cobravam para levar isso o mais a sério possível. Isso me ajudou muito, porque eu carrego até hoje. Sou muito pé no chão com essas coisas da música.

Uma cobrança que é nossa também — pessoal…

Exato. Há pouqúissimo tempo eu estava nessa também. De vez em quando dou umas piradas. Mas faz muito parte de trabalhar com cultura nesse país, que é muito louco. Eu vivo falando que tenho vontade de mandar uma mensagem para o meu eu de dez anos atrás para contar as coisas que estou vivendo agora. E eu acho que não acreditaria em mim mesmo!

Você está celebrando o seu ano. Muita coisa acontecendo. Como fica sua cabeça: comemorar o momento ou pensar no futuro?

Eu acho que tá um pouquinho de pé no presente e um pouquinho de pé no futuro. Porque eu vivi coisas esse ano que eu achei que talvez eu vivesse durante a carreira inteira. E outras coisas que eu nem imaginava que aconteceriam. Então eu nem consegui absorver tudo, eu tô um pouco anestesiado. Eu me vi em algumas situações nos últimos 30 dias que eu tenho certeza que se fosse o cara de cinco anos atrás, de dois anos atrás, eu ia estar surtando de tanta coisa. De repente, um monte de coisa incrível começa a acontecer e você tem de se dar conta disso, aproveitar isso para conseguir mais coisas. Fica aquela mescla de comemorar, só que não dá tempo de comemorar muito. Tem de pensar no próximo, no ano que vem, porque uma carreira tem altos e baixos, então você precisa aproveitar a loucura.

Acho que me anestesiei um pouco para conseguir aproveitar esse momento. Mas tô muito feliz com tudo o que tem rolado. Eu acho que o que me tranquiliza para o futuro foi o processo de criação desse disco. Foi muito saudável. Comecei a trabalhar nele três anos antes. Na hora de gravar, pude escolher o melhor time possível. Fomos para uma fazenda com os produtores. Ficamos uma semana e meia lá, fazendo tudo com carinho, com amor. Quando vejo o resultado, isso me tranquiliza quando a galera fala: “agora que você ganhou três Grammys, precisa fazer outra coisa”. Eu digo: “não, não…”.

Pode ser que eu não ganhe outro Grammy, pode ser que eu ganhe. O objetivo não tem que ser esse. Assim como esses Grammys, o resultado todo da minha carreira agora é uma consequência do que eu já vinha fazendo. De vez em quando eu vou lançar umas músicas ruins mesmo. Faz parte, saca?

Esse processo superssaudável veio de cabeçadas anteriores ou você teve algum mentor?

Foi de cabeçadas anteriores. Eu vivi esse processo no disco do ÀVUÀ, o Percorrer em Nós, meu trabalho em duo. Não tivemos tempo, não nos preparamos. O duo começou e já veio a pandemia. Lançamos muita coisa gravando à distância, sem interação. Do nada, ele fez um barulho, porque minha carreira já vinha fazendo barulho. Foi um monte de coisa acontecendo e a gente aprendendo a lidar com aquelas novidades todas da profissão. Quando veio um convite para assinar com a gravadora Believe, tínhamos só quatro meses para compor e gravar um disco.

Falando no próximo disco, do que você não abre mais mão?

Tempo.

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