Há muitos anos, muitos anos, estava eu sentada em um boteco na Urca, numa tarde quente no Rio de Janeiro, quando olho pro lado e reconheço João Donato, o tipo de músico de minha mais alta estima. Imaginando que tivesse dons divinos, na hora e a princípio estranhei ao vê-lo fazendo uma coisa tão corriqueira , como estar sentado em um boteco (tive essa mesma impressão em outra ocasião, quando vi Itamar Assumpção comendo pizza), passada essa sensação me dei conta de que na verdade se tratava de uma pessoa normal, fazendo coisas normais, fui falar com ele.
Retiro parte do que eu disse acima… João Donato não era uma ‘pessoal normal’, tinha sim um dom divino, o de fazer as mais belas canções e composições e, como cada bom coração de poeta, que, nessa ocasião e bem mais tarde, já como profissional escrevendo sobre música, tive a feliz oportunidade de conversar, era um homem muito gentil.
Com uma carreira de mais de 70 anos, João Donato lançou trabalhos até recentemente como o álbum do projeto Jazz is Dead em 2021; fez memoráveis shows ao lado de Jards Macalé (álbum Síntese do Lance, Rocinante) no mesmo ano, entre outros vários projetos com artistas diversos. O último presente deixado pra nós é Serotonina, que saiu em 2022 e é recheado de participações especiais.
Pianista, arranjador, cantor é um dos nomes mais importantes do jazz brasileiro; foi parceiro de quase todos os maiores do país como Marcos Valle, Gilberto Gil, Gal Costa, Joyce Moreno, Milton Nascimento e de lendas da música de terras estrangeiras como Tito Puente, Mongo Santamaria, Cal Tjader e Ron Carter, entre muitos outros.
Hoje o compositor de clássicos como A rã (1974) ou do pioneiro e clássico álbum jazz- funk-psicodélico Bad Donato (1970) foi se juntar a outros mestres, o céu dos compositores deve estar em festa.
Agradeço aqui, humildemente em nome de todo brasileiro, por sua arte, pelo papo tão cordial na mesa do boteco na Urca, pela sua poesia e sonoridade que ajudou a tornar o mundo um lugar mais bonito.
A música vive. Sempre.
Muito obrigada, mestre João Donato.