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Ousadia, sofrência e uma arma na cabeça: como Jão subverteu o machismo do sertanejo

Jão

Foto: Reprodução

Astro do interior paulista é um dos destaques do line-up do Rock in Rio nesta quinta-feira

Em 2018, o cantor pop Jão, bissexual e novo ídolo da garotada com suas música altamente influenciada pela sofrência sertaneja, resolveu gravar o videoclipe da música Me Beija Com Raiva em sua cidade natal, a minúscula Américo Brasiliense, coladinha em Araraquara, no interior de São Paulo. A escolha, consciente ou não, tinha ares de vingança. Foi ali que o cantor cresceu, foi maltratado na escola e sofreu traumas que pipocariam nas letras das suas futuras composições.

Ao chegar com sua equipe para as gravações, encontrou um posto de gasolina abandonado na cidade. Qualquer pessoa que visitou o interior paulista conhece o significado de um posto no imaginário juvenil. O lugar onde bebida barata reúne a garotada sem opções de lazer, para beber até cair enquanto assistem a desfiles de carros e motos, feito troféus, ao som de música sertaneja ou, até mesmo, de música nenhuma. Uma terrível celebração do ócio. Locação perfeita para cenas do videoclipe.

Mal começaram as gravações, seguranças chegaram em caminhonetes para acabar com a festa. Depois de uma conversa com o cantor e sua equipe, fingiram autorizar o rolê e partiram, retornando armados poucos minutos depois. Jão foi expulso do posto de gasolina com uma arma apontada para a cabeça. Mais Brokeback Mountain, impossível.

O Segredo de Brokeback Mountain, lançado em 2005 e estrelado por Heath Ledger e Jake Gyllenhaal, conta a história de preconceito e violência contra dois cowboys gays. Jão viria a fazer mais uma referência ao filme, desta vez no videoclipe de Idiota, lançado em 2022. Mas o que nos interessa aqui é que o episódio do posto de gasolina representa exatamente a missão do cantor no mundo da música pop: a invasão do ambiente sertanejo por uma nova geração, dona de outras ideias e outros comportamentos. Uma invasão chocante no ambiente machista e conservador deste gênero musical, mas que se mostrou certeira como estratégia de carreira.

Apesar de ter absorvido outras linguagens musicas, mais urbanas, a partir da pandemia, Jão começou sua carreira transitando nesse mundo, cantando sobre dores de amor perdido, ressacas e afins — exatamente os temas exaustivamente abordados pela turma da sofrência. Fez colaborações com Marília Mendonça e ganhou os corações de toda uma geração que ouvia a música passar tocando em caminhonetes nos postos de gasolina, mas não se reconhecia no comportamento dos churrasqueiros do agronegócio.

A ideia foi rapidamente comprada pelos executivos do pop. Após conseguir uma boa repercussão publicando vídeos em redes sociais (mais geração Z, impossível), Jão chamou a atenção da Head Media, selo pertencente à Universal Music.

Segundo o próprio artista, suas principais referências são Justin Bieber, The Weeknd e Shawn Mendes. Mas o artista não tratou de simplesmente replicar as fórmulas pop de seus ídolos. Ele tratou de abrasileirá-las. Esse foi o pulo do gato em sua carreira. Junte a isso a aberta discussão da sexualidade em suas músicas (tema comum e muito tranquilo entre as novas gerações), e temos um ídolo pop juvenil pronto para o estrelato.

Jão já lançou quatro álbuns em sua carreira. O primeiro, Lobos (2018), já chamou muita atenção, e o sucesso, se medido em plays nas plataformas de streaming, só foi aumentando até seu mais recente lançamento, Super, de 2023. O artista é mais um dos que voaram alto no movimento de festivais que apareceram depois da pandemia. Afinal, estava pronto e popular. Tocou em muitos deles, por todo o país, até pousar no palco do Rock in Rio nesta quinta-feira (19).

Ao falar de Jão em mesas de boteco, é comum ouvir “meus filhos amam”. E causa certa felicidade no coração saber que o bom moço apreciado pelas famílias é um garoto que peitou uma briga muito mais pesada do que todos imaginam, ouvindo sua música. Há uma coragem incomensurável por trás da máscara pop de Jão, que vai se refletir positivamente quando essa molecada atingir a vida adulta. O revolver apontado para a cara do artista em sua cidade natal, por capangas de coronéis, não o fez fugir da luta. Pelo contrário, o tornou ainda mais forte.

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