Alok Alok e seu tio, Devam Bhaskar. Crédito: Mila Petrillo

Instituto Alok distribuiu 15 milhões de reais em doações no Brasil, África e Índia. “É o terceiro filho do Alok”, diz o tio, diretor executivo do projeto.

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Um personagem criado em novembro de 2019 dentro do videogame Free Fire trouxe ao artista, DJ e produtor musical Alok a possibilidade de realizar um sonho antigo; criar um instituto com capacidade de realizar ações sociais relevantes.

Criado em dezembro de 2020, o Instituto Alok já concretizou doações para instituições e indivíduos no Brasil, três países da África (Moçambique Madagascar e Malawi) e Índia, totalizando a soma de R$ 15 milhões investido em menos de dois anos de trabalho, a maior parte para projetos de médio prazo (dois a três anos).

Idealizado pelo próprio DJ, tendo como diretor executivo seu tio, o jornalista e empreendedor socila Devam Bhaskar, o instituto busca aplicar recursos em ações e projetos que fortaleçam iniciativas em quatro áreas de atuação: empreendedorismo, gastronomia social, povos indígenas e expansão da consciência (desenvolvimento humano, participação social, solidariedade e proteção da natureza).

O personagem de Alok no Free Fire conseguiu arrecadar R$ 38 milhões, que foram revertidos para o instituto do artista

Para seus fãs e seguidores não é novidade a relação do artista com os povos indígenas. Desde o ano passado, Alok tem se dedicado às gravações de uma minissérie documental feita em parceria com a produtora Maria Farinha Films que leva o nome (provisório) O Futuro É Ancestral. O material se inspira eu seu primeiro álbum autoral, em parceria com lideranças musicais dos povos Kariri-Xocó, Huni Kuin, Yawanawa, Guarani, Kaingang e Xakriabá. O “kombo” se completa com ações do instituto com os mesmos povos, como por exemplo a construção de um estúdio de gravações com os Brô MC’s e de uma cozinha/ restaurante social e de valorização da culinária originária no Centro Huwã Karu Yuxibu (povo Huni Kuin), oficinas de arte e cultura tradicional para jovens Yawanawa e o fortalecimento de uma rede de comunicadores indígenas.

Para entender como o valor inicial do investimento para criação do instituto foi captado e também para saber o futuro de suas ações e modo de trabalho, conversamos com o tio de Alok, o jornalista e ativista do terceiro setor Geraldinho Vieira, que foi rebatizado Devam Bhaskar pelo guru indiano Osho, de quem é discípulo desde 1982.

Devam Bhaskar, também conhecido pelo nome Geraldinho Vieira como jornalista e ator social. Crédito: Mila Petrillo

Music Non Stop – Qual é o seu papel no Instituto Alok?

Devam Bhaskar – Sou diretor executivo do Instituto Alok. O Alok anunciou a criação do Instituto em dezembro de 2020, ou seja, faz um ano e meio. Nascemos em plena pandemia. A gente nasceu a partir de um sonho antigo do Alok: há uns seis, sete anos ele começou a fazer doações a projetos sociais, à medida em que foi circulando mais e mais pelo País e também pela África, lfoi entrando em contato não só com realidades sociais de extrema vulnerabilidade mas também com pessoas e ONGs que fazem um trabalho muito importante de combate a esses desafios sociais. Então, de maneira muito pessoal, ele foi trilhando esse caminho da filantropia.

Alok em sua experiência com medicina sagrada no Acre. Crédito: Mila Petrillo.

Music Non Stop – Como se deu o início da doações?

Devam Bhaskar – A partir da doação de direitos de músicas, de cachês de shows e às vezes mobilizando outros amigos e empresas a se unirem por um objetivo comum. Ele fez muito antes de nascer o instituto. No nosso site tem uma área que narra as ações do Alok mesmo antes do instituto nascer. Ele viveu uma passagem por Moçambique, através da ONG brasileira Fraternidade sem Fronteiras, na qual teve uma experiência existencial muito profunda. Ao conviver por alguns dias com uma realidade muito dura,  de falta de tudo, água, moradia, escola, de fome, ele se sentiu motivado a mobilizar recursos pessoais e de alguns amigos e ajudou a construir uma escola em Moçambique, que hoje atende mais ou menos 2.000 crianças. Então ele não necessitou da criação de um instituto pra começar a expressar a sua solidariedade em forma de apoio financeiro e afetivo, mas aí ele começou a sonhar com o instituto. Outra experiência que lhe foi marcante foi passar alguns dias no Acre com os Yawanawá. Alok mergulhou num processo espiritual aí na floresta, com os pajés, os cantos e a medicina sagrada, tendo o insight de que sua música deveria ter um propósito para além do entretenimento, a música pode curar. Essa experiência é muito importante porque vai desembocar agora no que ele próprio chama do projeto mais importante de sua vida, que é o álbum e o documentário que serão lançados em breve, com vários povos indígenas.

Music Non Stop – Como será esse álbum?

Devam Bhaskar – É um álbum, tem um contexto que une as músicas. O que eu posso dizer de antemão é que não espere simplesmente uma coisa assim de “música indígena com uma pegada eletrônica”. É muito mais, é uma colaboração orgânica entre Alok e os músicos, cantores e cantoras indígenas. O objetivo é ampliar a voz dos povos originários. É um trabalho de muito alto nível. Muito em breve será lançado e vai encantar o Brasil e o mundo.

Music Non Stop – De onde veio o financiamento inicial para a Instituto?

Devam Bhaskar – Vou fazer uma ponte com essa história da cura. O Alok foi convidado pela Garena, que é uma das empresas mais vigorosas do mundo no desenvolvimento de games, para ser um personagem num jogo do Free Fire. Como todo personagem do jogo tem um superpoder, ele falou “quero ter o poder da cura”. É claro que no jogo esse poder está dentro de um contexto, né? Ao firmar esse contrato, Alok propôs à Garena que 100% do dinheiro que viesse pra ele como fruto desse jogo servisse para a criação do Instituto Alok no Brasil. E propôs que a própria Garena também doasse tudo ou parte do que ganhasse para a atuação da própria Garena em ações sociais, sobretudo na Ásia, onde está sediada a empresa. Esse personagem rendeu 38 milhões de rais (em dólares, US$ 7 milhões, dos quais US$ 5 milhões, ou seja, 70% compuseram o fundo do instituto no Brasil, a maior prioridade, claro).

Music Non Stop – Quanto desse valor já foi repassado para projetos sociais?

Devam Bhaskar – Foram já investidos R$ 5 milhões no Brasil, R$ 5 milhões para projetos na África e R$ 5 milhões para a Índia, quase sempre para projetos de longa duração.

A ação na África se justifica por essa experiência que foi um turning point na vida dele. A Índia, por sua vez, é um país também de grandes vulnerabilidades sociais, mas onde Alok tem muitos fãs de sua música e muitos jogadores do game Free Fire, então ele quis devolver ao povo indiano um pouco do que ganhou com o jogo. Lá temos projetos, por exemplo, com a fundação de Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz, e com a rede Ashoka de inovadores sociais. Há uma conexão espiritual também: seus pais são fãs do (guru indiano) Osho e o nome Alok veio dessa influência.

Music Non Stop – Qual é a ligação do Alok com o instituto no dia a dia?

Devam Bhaskar – O Alok considera o instituto como um terceiro filho. Porque nesse mesmo ano de 2020 ele teve seus dois filhos, o Ravi e a Raika. Ele se dedica com muita clareza de propósitos e o máximo de presença mesmo em meio s uma intensa agenda artística.

Se uma das características do instituto é que ele já nasce com uma atuação em três continentes e em cinco países, outra característica importante pra compreender a visão de Alok para o instituto é que ele nasce numa época de pandemia, que exacerbou algumas condições do Brasil, sobretudo de fome, desemprego e ameaça às florestas e povos originários. Então, o instituto nasce com o foco bastante voltado para o empreendedorismo, um dos nossos quatro pilares. Além disso, fazemos apoio à gastronomia social, ou seja, à questão da segurança alimentar, e nos unimos aos povos indígenas. Uma quarta área a gente chama de “expansão da consciência”, onde estão aqueles projetos relacionados com saúde, educação e solidariedade a comunidades em situações de emergência (enchentes, por exemplo).

Music Non Stop – No Brasil, como estão distribuídas essas doações?

Devam Bhaskar – Vou citar alguns números, que também estão no nosso site. São exemplos: pareceria com a Recode para a formação profissional de 360 jovens das periferias do Sudeste em programação full stack; um fundo de microcrédito com a ong Acreditar para mais de 100 pequenos negócios no Nordeste; apoio à formação de mais de 50 chefs sociais em parceria com a Gastromotiva; apoio ao Instituto Feira Preta para fortalecimento de 20 iniciativas de mulheres pretas empreendedoras (o projeto Pretas Potências) em todo o Brasil. Em 2020, em live de fim de ano, Alok mobilizou doação conjunta com fãs no valor de mais de R$ 900 mil para o Natal Sem Fome da Ação da Cidadania. A isso somam-se doações de quase 12 mil cestas básicas, 14 mil refeições veganas, fortalecimento da padaria da Casa de Oração do Povo da Rua, do padre Júlio Lancelotti, que distribuii centenas de milhares de pães e lanches para população de rua em São Paulo. No sertão da Bahia, o Instituto promoveu a construção de 9 casas e saneamento para 125 famílias na Vila Esperança, assim batizada pelo Alok, na região de Canudos. Quem visita nosso site encontra informações, fotos e videos.

 

Alok, criador do Instituto, e seu tio, Devam Bhaskar, diretor executivo. Crédito: Mila Petrillo

Music Non Stop – Como surgiu o convite para que você se tornasse diretor executivo do instituto?

Devam Bhaskar – Tenho aí uns 35 anos de trabalho em direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Sou jornalista de formação, trabalhei no Correio Braziliense, Rede Globo, Jornal de Brasilia, sempre cobrindo a área cultural e também a educação e políticas públicas nestes temas. Dirigi a ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância e a comunicação da Fundación Avina em toda a América Latina. Além desta trajetória no universo dos direitos do cidadão e da sustentabilidade, sou tio do Alok: minha esposa (a fotógrafa Mila Petrillo), é irmã do pai do Alok e é uma profissional importante também na área social e nas artes cênicas. Em função dessa proximidade familiar, eu conheço o Alok desde criança. A família toda do Alok tem uma índole muito humanitária, de sensibilidade para a justiça social, ele traz no DNA o coração generoso. Ele era uma criança que já trazia uns papos muito existencialistas, tipo “o que a gente está fazendo nesse mundo, qual é a missão da gente? Por que que há tanto sofrimento? Como é essa coisa de Deus?”, e esse é um outro ponto de conexão entre nós, porque eu sou professor de meditação, tenho minhas imersões na chamada “busca espiritual”. Lembro também quando o sucesso começou a virar uma realidade, ele perguntando pra mim: “tio, como é que eu faço pro sucesso não me subir à cabeça?”. Ele sempre teve essa pegada de um olhar interior, que foi se manifestando mais e mais em benefício de outras pessoas. Tanto que no enunciado da missão do instituto aparece a expressão “inspirar atitudes positivas”, porque o instituto é uma manifestação da personalidade do Alok. Ele fala e toca o coração de crianças, jovens, velhos, de todas as classes sociais, grava com o pessoal do rap, com os indígenas, com o pessoal do funk, do sertanejo, com os pops e eletrônicos. Essa é uma das características mais importantes do Alok: ele faz questão de não julgar ideologicamente, não julgar estilos. Ele procura conviver e admirar todo tipo de ser humano, de expressão humana e artística. É uma coisa que é do coração mesmo dele. Não é uma estratégia de mercado, não é uma estratégia de marketing. É ele tratando de preservar a essência dele mesmo. Me senti muito honrado com o convite dele para criarmos o Instituto Alok. Trato de ajudar com a responsabilidade de que seja um espaço de atuação que manifesta a visão dele, para a qual busco criar uma perspectiva de investimento social organizado e estratégico.

Music Non Stop – Como as pessoas podem mandar projetos ou se candidatar parcerias com o instituto?

Devam Bhaskar – Normalmente a gente é mais proativo na nossa busca por projetos. Obviamente que chegam dezenas de projetos por semana e de pedidos de apoio de pessoas também. A gente leva todos em consideração, tentamos não deixar ninguém sem resposta. No site tem o e-mail onde as pessoas podem nos escrever. Mesmo quando a gente não pode apoiar um determinado projeto naquele momento, ele entra no nosso banco de dados e quando chega um momento de procurar projetos daquela área, daquele tema, a gente lança mão desse banco de dados.

Mais informações sobre o Instituo Alok nestes canais:

Site

Instagram

 

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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