Björks do Yorubá: As irmãs Díaz, do Ibeyi, fazem um som afro-jazz eletrônico maravilhoso que você poderá ver em SP e no Rio

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Por music non stop

TEXTO POR JULIANA TOZZI

Se você ainda não conhece, precisa escutar o som que mistura influências afro com jazz, r’n’b e experimental eletrônico de maneira extremamente sensível. Essa é a vibe do som produzido pelas gêmeas Lisa-Kaindé e Naomi Díaz, de 20 anos. Sob o codinome de Ibeyi, o duo franco-cubano canta em inglês e iorubá, língua africana que chegou a Cuba com a vinda de escravos. Inclusive, o nome de batismo da dupla, que significa “gêmeas”, também equivale ao orixá. Em 2013, elas assinaram um contrato com a XL Recordings e lançaram o primeiro EP. O disco de estreia veio em 2015 e arrebatou o público e artistas do quilate de Beyoncé e Jay-Z, tá bom para você?

Oya – Ibeyi

O DNA africano das meninas se deve ao pai, famoso percussionista cubano Angá Díaz, descendente de nigerianos, falecido em 2006, quando as gêmeas tinham apenas 11 anos. Aliás, o histórico de perdas das Ibeyi não parou por aí: a irmã mais velha morreu de ataque cardíaco em 2013. E foi por entre dores familiares dilacerantes e aquelas típicas de se estar vivo, que Lisa e Naomi nutriram a inspiração para criar o primeiro disco.

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Na entrevista exclusiva da dupla para o Music Non Stop, as garotas soltaram o verbo sobre a importância de manter contato com as próprias raízes e ancestralidade, além de falarem sobre como a música tem um papel espiritual na vida delas e os conceitos estanques de gênero e racismo.

Elas se apresentam na próxima quinta (13) em São Paulo, no clube Audio, com a americana Julia Holter, e no sábado (15), no Rio de Janeiro, no Circo Voador, junto com o paraense Jaloo. Leia a seguir o papo que tivemos com as meninas.

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Music Non Stop – Muitas pessoas acham que gêmeos têm a mesma personalidade. No que vocês são parecidas? Ou já estão entediadas de responder perguntas como essa?

Ibeyi – É inevitável, uma das perguntas que mais nos fazem. Somos completamente opostas, mas nos completamos: melodia/ritmo, fogo/água, Yin/Yang. Mas é cansativo porque discutimos muito (risos).

Music Non Stop – Como definem os estilos individuais?

Lisa – Gosto de coisas manuais, sapatos e casacos.

Naomi – Gosto de roupas muito mais do que minha irmã. Me divirto muito trabalhando com moda, estilistas, apostando em diferentes estilos, vestindo roupas do streetstyle até a alta costura, de tênis a sapatos de salto.

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As gêmeas do Ibeyi ainda bebezucas

Music Non Stop – Vocês têm um background multicultural. Como essas conexões se deram, em especial com a cultura Yorubá?

Ibeyi – Nossa mãe é francesa e venezuelana e nosso pai era cubano. Parte dos nossos ancestrais era da Tunísia, Itália, Espanha e escravos de Dahomey. Nós duas temos e carregamos isso nos genes e na nossa bagagem cultural. Mas também somos pessoas da internet. Vemos e estudamos músicas do mundo inteiro com um clique. Crescemos escutando Lauryn Hill, Prince, Michael Jackson e Beyoncé, assim como música francesa, salsa, jazz, funk, Mozart , Yoruba e músicas afro-cubanas. Nossa música flui naturalmente de quem somos, das nossas identidades misturadas.

Music Non Stop – Vocês cantam em inglês e no dialeto Yorubá. Como é levar esse lado espiritual para o público?

Ibeyi – A música Yorubá é como música gospel. Alcança algo dentro, muito profundamente dentro de você, mesmo não sendo cristão ou não acreditando em Deus. Para nós, música por si só já é algo espiritual, porque é uma maneira de sentir e compartilhar um momento por completo. Esse momento é espiritual para a gente. E isso não tem nada a ver com religião, e sim com um sentimento de completude daquele momento. Ser um no espaço e tempo.

River – Ibeyi

Music Non Stop – O som de vocês tem base na percussão. Isso foi influência do seu pai?

Naomi – Temos certeza que sim, de um jeito inconsciente. Comecei a tocar cajón, que era o instrumento que ele tocava, no dia em que o vi morto. Penso que não seria percussionista se ele ainda estivesse vivo.

Ibeyi - XL Recordings, London, 22/09/14 | Photo by Wunmi Onibudo

Music Non Stop – As músicas têm conexão com a vida de vocês?

Lisa – Escrevi as músicas desse disco quando tinha entre 14 e 19 anos. Não pensava sequer que gravaria um disco algum dia. Escrevia para mim, para expressar o que estava vivendo e sentindo, a perda do nosso pai quando tínhamos 11, a perda da nossa irmã aos 18, nossas dores familiares, adolescência etc. Escrevia porque isso fazia com que me sentisse melhor.

Naomi – Quando começamos a gravar este primeiro disco, percebemos que era uma história muito íntima sobre a nossa vida familiar.

Stranger/Lover – Ibeyi

Music Non Stop – Vocês acham que a indústria da música coloca muita ênfase na aparência da dupla? Sendo mulheres, como se sentem com isso?

Lisa – Sim, isso acontece. Nosso selo nunca pediu que a gente perdesse peso ou que nos vestíssemos de uma determinada maneira. Mas conhecemos muitas cantoras que têm esse tipo de pressão e isso me deixa com raiva. Você imagina alguém falando para Ella Fitzgerald o que vestir ou que precisa emagrecer? O público sabe. Adele é recordista de vendas e ela não faz o tipo de modelo esquálida que vemos nas capas de revistas. Estou farta dessa ênfase na aparência física.

Naomi – Eu me importo com a minha aparência. No entanto, no tocante dos vídeos da Ibeyi, por exemplo, decidimos fazê-los de uma maneira que não enfatizassem nossas aparências. Música e imagem criativa são muito mais importantes do que nossa aparência.

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Music Non Stop – Como raça, etnia e xenofobia entram na vida de vocês?

Ibeyi – Nos questionam bastante sobre isso. Nunca tivemos que pensar sobre a cor da nossa pele antes de começarmos a dupla. Na França e em Cuba, dois lugares onde crescemos, com uma mãe branca e pai negro, sempre fomos vistas como francesas e cubanas. Quando começamos nossa turnê pelos Estados Unidos, surpreendentemente descobrimos pelos jornais que a imprensa se referia à gente primeiramente como negras. Isso diz muito sobre como a sociedade pode mudar nossa própria percepção sobre nossa identidade. É triste ainda estarmos pensando em limitações como a cor da pele e nacionalidade. É triste que o mundo ainda esteja pensando em raça, quando cientificamente a gente sabe que raça não existe. Somos todos descendentes de uma mulher africana chamada Lucy. Racismo existe, opressão baseada na cor da pele existe e mata muitas pessoas todos os dias, ignorância existe, mas raça não. Igualdade de gêneros, orientações sexuais ou religião. Como a gente sempre diz, todos nós sangramos da mesma cor. Todos choramos na mesma cor.

Ibeyi e Julia Holter
Quinta, 13 de outubro, a partir das 22h
Audio Club
Av. Francisco Matarazzo, 694, Água Branca, São Paulo
Telefone: (11) 3862-8279
Preço: R$ 50 (meia) e R$100

Ibeyi e Jaloo
Sábado, 15 de outubro, a partir das 22h
Circo Voador
Rua dos Arcos, s/n, Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2533-0354
Preço: de R$ 50 (primeiro lote) a R$ 120