music non stop

Aos 69 anos, Iggy Pop faz coisas que você não ousaria tentar aos 18, no Royal Albert Hall em Londres, e a gente tava lá

A criatura surge vestida em um blazer e seu rego ainda não está à mostra. Não que Iggy Pop, 69, esteja a fim de seguir nenhum protocolo. Mas antes que ele se dê conta o protocolo está montado.

Em novembro de 2016, o punk celebra 40 anos do lançamento de Anarchy in the UK, dos Sex Pistols. Ou já seria o pós-punk? O filho do Malcom McLaren já avisou que vai queimar todo o baú do pai. Mas não precisa, o baú do punk já foi auto-imolado por um vulcão chamado Iggy Pop. Iggy Pop está vivo, em chamas e bem diante de nós, numa sexta 13 numa instituição inglesa da música, o Royal Albert Hall. Lust for Life é a primeira e fala por si só.

No palco, é uma porrada atrás da outra. Iggy Pop está estranhamente sóbrio e amoroso. É um amor violento e provocativo. Ele desce do palco e sacode os braços dos seguranças como se fossem remos e resgata duas amigas. Agora são quatro. E eles se cumprimentam como se tivessem acabado de trepar.

“Free the people!”, Pop ordena do palco. Duas dezenas de pessoas conseguem invadir a área reservada a convidados antes da área ser fechada novamente pelos seguranças. Iggy já está novamente do lado direito. Apesar da decoração e formalismo do Royal Albert Hall, um palácio de veludo capitonê, as barreiras entre plateia e palco já não existem mais.

Iggy se joga no mosh e volta intacto. Ele insiste. Sobe no parapeito de qualquer uma das letras que identificam as seções do teatro e choca-se contra uma câmera de tevê. Ele retorna com um corte na cabeça e sangue escorrendo por seu rosto. Ele está desmaiando, mas ninguém parece notar. Recomeça com American Vallhalla. “A morte é uma coisa difícil de engolir.”’

É uma música esquisita com um refrão fácil que rende riffs laboriosos de Dean Fertita e Josh Homme. Aos ouvidos dos falantes de língua portuguesa, Pop canta “Não sou nada mais do que meu nome.”

Não é tempo de tentar fazer qualquer rasa análise semiótica. Está tudo à flor da pele. Post Pop Depression é uma coleção de guaranias do inferno. Temas como life, death, heart, love, steel são levados pela voz de Iggy Pop, emaranhados pelo engenho do Queens of the Stone Age.

Josh Homme

Em janeiro, Londres disse adeus a Bowie. Foi uma situação estranha e antinatural. Como Bowie pode ter se despedido antes de Iggy Pop? É como se a linha do tempo da história da música pop tivesse sido invertida. É como se Pop, que as más línguas dizem ter sido colocado na geladeira por Bowie em Berlin até o lançamento de Lust For Life, em 1977, tenha de fato se beneficiado da criogenia.

Não dá pra saber se há qualquer menção a respeito em German Days. Mas a música é tão sombria e um vento frio parece vir direto do foyer, mas é apenas o coro baixo de Homme.

Agora o líder do QOTSA está menos contido. Ele está obviamente feliz. Na ausência de Iggy, que nesse momento deve estar sendo devorado por algum fã no meio do auditório, Homme dança no ritmo da sua guitarra. É uma dança engraçada. Seu bom humor é charmoso e ele mexe os quadris como um galo, aproximando de Fertita, e retornando ao seu lado do palco diversas vezes.

Iggy diz que está se sentindo bem em um ambiente pequeno. Talvez tenha até falado aconchegante. Não tem nada a ver com a grana que ele vai ganhar. Ele diz. Mas alguma coisa ainda não parece fazer muito sentido. Ele se aproxima do público novamente. Mas em vez de mais um mosh, ele para diante do palco e faz um discurso.

“Todo mundo tem uma pequena voz que continuamente diz para você, todos os dias de sua vida: Eu quero saber. Esse caminho que eu escolhi tem paixão, ou não?’ Se você não tiver oportunidade de dizer sim, você vai se sentir sozinho. Se você tentar dizer sim, será rejeitado. E eu já estive envolvido nessa merda toda.”

Iggy: “Não sou nada mais do que meu nome”

tracklist

Então ele apresenta Homme que agora parece um school boy diante do marmanjo que fugiu da escola. Mas Homme sabe muito bem o que fazer. Chocolate Drops é tão doce e tão carinhosa que faz a plateia derreter em um sonho de redenção.

“Não vou parar para falar adeus”, ele diz em Paraguay, com pedidos de lalalalá e muita artilharia da cozinha. “Não há nada que possa ser feito.” “Eu estou cansado”. “I don’t want any of these information.” “I am talking to you”. Agora, a qualquer momento, ele vai enfiar nossos smartphones na nossa garganta junto.

Ele volta para o bis com Break Into Your Heart. É apenas o primeiro e é tudo emendado. Iggy rebola no palco e sua cutis estala. Ele avisa. Eu vou invadir seu coração. Eu vou rastejar sob sua pele. A pressão aumenta. O clima à beira do palco é de rave e eu tenho a sensação de que, a qualquer momento, o cameraman vai me impalar. Iggy Pop manda avisar. Eu vou, eu vou… E foi de novo.

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