Ídolo absoluto das pistas há 25 anos, Maurício Lopes é o DJ carioca com genes de Juan Atkins e João Gilberto

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Mau Lopes é foda” é uma expressão enraizada no cotidiano carioca. É repetida com uma constância comparada à “me vê uma água de coco” ou “vai tomar no cu, mermão”. Frase folclórica, vem sendo consolidado graças a 25 anos de carreira e incontáveis horas de música impecavelmente mixadas nos porões da zona sul do Rio.

Além de ser o mais indestrutível bebedor de caipirinhas de que se tem notícia (pobre de quem tenta acompanhá-lo, eu garanto!), Maurício Lopes é um DJ constante: novas tendências musicais são incorporadas à sua escola sem rupturas, o que garante que o Mau sempre adicione fãs fiéis à sua pista em vez de se perder na troca de gerações, algo que pouquíssimos DJs conseguiram no Brasil.

Ele tem plena consciência disso: “meu trabalho tem a minha cara. Quando a pessoa percebe como meu set é e gosta, ela sabe que eu posso tocar mais leve ou mais pesado durante a noite, mas que o som vai ter uma viagem, uma cara que é minha e ela vai ouvir o que tenho pra mostrar”. Olhando para trás, do alto de duas décadas e meia de carreira, o DJ não poderia ser mais preciso em relação a seu trabalho.

Mau Lopes é foda? Sim. E há 25 anos. Uffy, não é pra qualquer um. Foto: Marcelo Mattina.

Imagine que Juan Atkins tivesse vindo ao Rio nos anos oitenta e, após uma ronda pelos bares cariocas, arrastasse João Gilberto ao seu hotel para uma noite de amor. Juan voltou para casa e João se viu prenho do negão semanas depois, mas decidiu levar adiante a gravidez com amor e alegria. O filho que nasceu desta grande foda musical foi Maurício Lopes.

Por mais techno que sejam seus sets, ou mais house, ou mais acid ou electro, é sempre possível sentir vindo de sua cabine uma bossa, uma tranquilidade praieira e uma brisa no cabelo soprando sobre as incomensuráveis engrenagens que movimentam a pista de dança de um buraco escuro e esfumaçado da Zona Sul. Pode ser a Fosfobox, a pista da Bunker, o Dama que Ferro, Dr Smith… qualquer um dos inúmeros clubes que hospedaram a experiência proposta por Mau Lopes a seu rebanho.

Toda esta viagem genealógica minha é, claro, muito subjetiva. De alma, de olhar, de atitude. É do seu ser e não do seu som. “Dentro do techno eu não me vejo em escola nenhuma. Eu, na época (1994) não tinha ideia pra saber quem era Derrick May ou Juan Atkins. Eu comecei a pesquisar em revistas muitos lançamentos, mas de um modo geral. Eu comprava de tudo. Na época DJax bombava, que era um selo holandês que lançava muita coisa de Chicago, como Armani, DJ Skull… coisas que tocavam muito no Hell’s… Green Velvet… tinha muita coisa americana que eu comprava e tocava, mas sempre fui bem menos Detroit do que Chicago, por exemplo. Desses medalhões eu toquei muito pouco. De Detroit eu tocava mais electro… Underground Resistance, Direct Beat. Esta coisa de synths, mais melódicas, nunca foram a minha praia, falando de Detroit”, detalha o mestre.

Seja num set mais pesado, de techno, ou mais voltado pra house, você sabe que é Mau Lopes. Foto: Patrick Gomes

Apaixonado por música que é, Mau segue dichavando seu DNA. “Mais do que Detroit, um galera que eu tocava muito nesta época era Neil Landstrumm, Christian Vogel… que lançavam pelo Tresor… uma galera que tinha um som muito experimental… Joey Beltram, que era americano… Detroit nunca foi meu forte mesmo”, reitera. “Fora os electros. Obviamente tinha uma coisa ou outra, mas nunca foi a minha cara”, diz.

Insisto na analogia paternal viajante, baseada principalmente nas diversas vezes que dancei o som do Mau nas pistas cariocas, como no after do Dama de Ferro, para onde ia depois de uma gig minha no Rio. Techno com altíssimas doses de acid, na velocidade certa em um tempo em que tocar com BPMs baixos ainda não era o padrão. Som pra dançar de olho fechado e deixar a mente ir pro teto… e vez por outra abrindo um sorriso e abraçando os amigos. “Pode até ser, mas eu não me vejo com esta cara mais viagem, se é que estamos usando a palavra da mesma forma. Mas, vendo em retrospectiva, eu sempre achei meu som bem radical… coisas como as da Sub Red, mais radicais, surtadas, com perturbação, mais barulhinhos e tal. Coisas mais experimentais mesmo. Não que meu som fosse experimental mas as influências vinham daí, com sonoridades mais estranhas”, posiciona do DJ.

Conforme Mau divaga em suas influências, nossa visão começa a confluir. “Tinha muito acid, sempre. De coisas que eu ouvia lá atrás com o José Roberto Mahr… Foi com quem ouvi pela primeira vez coisas da Phuture, muito acid house, enfim… foram coisas que me deram um click e moldaram muito meu ouvido. Desde então sempre toco coisas acid novas ou antigas. É um som que é a minha cara”, define.

O cafuné que o DJ faz em quem está na pista aliado a uma postura tão elegante e amável tanto dentro quanto fora da cabine fazem do carioca uma unanimidade. Entra ano e sai ano, e o homem continua lá, figurando entre os mais queridos pelo povo da noite da cidade e dividindo line-ups com garotos com idade menor do que sua carreira.

Lá de cima da cabine, Nosso Senhor Maurício Lopes já viu de tudo. A aurora da cultura dance underground brasileira, a febre techno que tomou o Rio no meio dos anos 90, a ressaca dos mash-ups e bootlegs, a fuga do público e, hoje, seu retorno ávidos por DJs competentes. “O público atual está melhor do que estava alguns anos atrás. Na cena underground temos as festas de rua acontecendo agora no Rio. Hoje em dia temos muito mais opções de final de semana do que há alguns anos. O fato de festas democráticas como a Onda, por exemplo, que toca música eletrônica e é aberta, de rua, atraiu mais gente para este som. Para um público que não tinha acesso a clubes, por exemplo”, pontua Mau, que também vê muita positividade na postura atual do público de aceitar DJs que criam seus sets baseados mais na construção de uma identidade própria do que calcados em um gênero (ou subgênero), como nos tempos de boom da cena brasileira.

Mauzinho Lopes sempre soube o que queria: ser um puta DJ

Maurício Lopes nasceu em Santa Catarina em 1969 e chegou ao estado do Rio em 83. Quatro anos mais tarde entraria de cabeça na noite carioca, primeiro enfrentando bate e voltas de Petrópolis, depois se mudando de vez para a capital. “Meus pais ouviam música direto e eu me lembro de, com sete anos, já pedir discos de presente”, me conta Mau, filho de mãe professora e pai bancário. Atenção: um molequinho de SETE anos pedia DISCOS de presente de Natal… sacanagem, né.

A música foi onipresente. “Muita rádio, primeiro estações AM no Paraná e, ao mudar para onda Espírito Santo, FMs com música o dia inteiro”. Trilhas sonoras de novela, brega, músicas regionais… Mau teve um intensivão de adolescência, recebendo downloads na mente dos códigos construtivos secretos de diversos gêneros musicais até entrar de cabeça na música underground e, posteriormente, na dance music underground.

NOVAS TENDÊNCIAS

A virada para o lado negro da música rolou graças ao programa de rádio Novas Tendências, do DJ e entidade José Roberto Mahr na rádio Estácio de Sá. “Em me lembro que conheci o programa por acaso na rádio. Ali realmente levei um choque. Conheci muita coisa underground como Skinny Puppy, Coil, Front 242, as coisas do industrial, da 4AD. O programa era semanal, tinha muita informação musical. Em paralelo também ouvia programas como o Só Mix 98 que tocava funk americano… tinha um programa na Antena 1 chamado Top Dance, de um DJ chamado Claudinho, residente da Papagaio, que rolava coisas como Gloria Gaynor, Madonna, High Energy… Mas foi quando comecei a sair no Rio e fui numa noite especial de fim de ano do Novas Tendências… ali que eu me perdi!”

A noite carioca virou hábito, mesmo morando ainda em Petrópolis. Mau começou a descer a serra para dançar e ficou amigo dos DJs que admirava, dentre eles o próprio Zé Roberto e Felipe Venancio, que apesar de ainda tocar um pouco de techno, já fervia as pistas da cidade com o garage e soulful house que o consagrou. “Comecei a prestar atenção nas técnicas de mixagem e de pesquisa do Felipe. Comecei a fazer as luzes na noite dele. Foi ele quem me botou pilha para começar a tocar”, diz Mau.

De 1994 em diante Maurício Lopes começou a se ver, naturalmente, como um DJ profissional. A vinda do Mercado Mundo Mix ao Rio promoveu o techno na cidade levando ao Rio DJs como Renato Lopes e Mau Mau para tocar constantemente. Mau surfou na onda e, como já era apaixonado por techno, começou a tocar com frequência em festas na Dr. Smith, no afterhours do DJ Ricardinho NS e na festa Hyper Club, de Gringo Cardia, onde divida a residência com Mau Mau. Logo depois, Maurício assumiria a cabine da festa que o consagrou: A Oops!!, realizada em conjunto com os amigos e fãs Patricia Lobo e Aranha.

Long set é pra quem pode, não pra quem quer. Os DJs que estão lendo esta matéria sabem do que estamos falando. E o carioca, além de levar a bandeira dos sets com mais de três horas há muito tempo, é um dos poucos que conduzem essa viagem com maestria.

Na Oops!!, Mau Lopes tocava a noite inteira, o que era comum na época. Só depois é que os line-ups começaram a ser picotados com vários DJs tocando duas horas (e chegando aos absurdos sets de uma hora ou menos). Até então, o natural era o DJ comandar o baile do começo ao fim da noite, tocando muitas vezes mais do que seis horas por festa.

A nova tendência incomodou Mau, que teve de se habituar a espremer sua extensa coleção de discos, influências e (aha!!) viagens em um cubículo temporal de 120 minutos. “Tocando a noite inteira eu não precisa planejar nada. Levava tudo o que eu tinha, ou uma longa seleção, e sabia que eu tinha a noite inteira para tocar o que eu quisesse, no momento que eu quisesse ou com a intensidade que eu quisesse. Quando os sets ficaram mais curtos eu tive dificuldade, pois tinha muita coisa para tocar e eu tinha que encaixar tudo isso num curto espaço de tempo”, lembra.

Esta assumida preferência pelos (hoje chamados de) long sets, além do rendimento esplêndido que o DJ ostenta quando toca a noite inteira, fez com o que o nome de Maurício Lopes fosse associado a bastião dos sets de noite toda. As festas que sua trupe fazia ao longo de sua carreira resgatando essa cultura tão comum da década de 80 pra trás ajudou a solidificar essa imagem na cena brasileira.

Zé Roberto, Ed Hunter, Ricardinho NS e Maurício Lopes: DJ culture que veio do Rio de Janeiro

Hoje em dia, porém, a guarda está mais baixa. “Admito que hoje em dia já cansei um pouco de levantar essa bandeira. Eu acredito que quanto mais tempo um bom DJ possa ter para contar sua história é melhor, mas entendo que não tem mais mercado para isso hoje em dia. Se me chamarem para fazer isso hoje em dia, vou levar em conta o lugar, o tamanho, o meu cansaço, que é maior do que a anos atrás”, relativiza. A valorização do profissional que faz um long set também é uma preocupação. Há casos em que o promoter pede um long set mais para economizar em cachês do que pela história do DJ em si. “Se eu for chamado hoje para fazer um long set e passar o cachê que acho justo, é possível que o promoter simplesmente não entenda o porquê”, explica.

Além de tecer opiniões bastante sensatas (e sempre doces) sobre o movimento cultural que ele viu nascer, crescer e desenvolver-se nestes 25  anos, Mau também discorre sobre a própria epopeia pessoal na noite brasileira. Perguntei a ele se já teve vontade de parar, ou abrir uma loja, entrar pro Daime, ou abrir um estúdio, ou mudar de cidade… Ele abertamente me responde que sim. “Aaah.. Acho que já passei por todas as fases citadas. Já pensei em parar. Ainda penso, na verdade, mas hoje como uma coisa mais programada. Mas já pensei: ‘chega!’. Já pensei em mudar para São Paulo… Já passei por fases péssimas de comparação… como se comparar ao que tá rolando, com o que tá sendo feito, com a carreira de algum outro DJ. Hoje acho isso bobagem. Eu vejo como o mais importante a identidade, o trabalho que construí neste tempo todo. É difícil destacar um momento mais importante na minha carreira, mas vejo o valor do trabalho feito como um todo”, relativiza o DJ.

TRILHANDO UMA CARREIRA COMO PRODUTOR

Percebo que, talvez pelo marco natural do “ano dos 25 anos de carreira”, Mau esteja olhando mais para o passado do que o futuro quando o assunto é a noite. Bem, este é o gancho desta entrevista. Porém, a viagem (ahá!) da discotecagem verbal do DJ, exclusiva para os leitores do Music Non Stop, é meio de um The Greatest Hits. “Este momento que eu estou agora tambem é um momento de muitas mudanças na minha vida toda. Em mil aspectos, inclusive o musical. Eu finalmente estou estudando música agora. Me aproximei da música através de instrumentos graças ao Tambores de Olokun, que conheci ano passado. Entrei para o grupo e estou tocando maracatu com eles. Isso me abriu horizontes, comecei a me interessar por música, por aprender música e por tocar música mais do que como DJ. Adoro ser DJ, gosto de tocar, mas o legal é que isso é um equilíbrio. Hoje em dia o interesse por outras formas de tocar está aumentando”, conta.

Mau Lopes no Tambores do Olokun, em fevereiro deste ano: o DJ se apaixonou por Maracatu com o grupo

 

“Comecei uma parceria com o Pachu, estamos produzindo bastante no estúdio dele. Semana que vem vamos entregar a trilha de um vídeo pro lançamento da marca nova do Éden, que é um clube daqui. Estamos fazendo coisas nossas, e depois dessa trilha vamos realmente comunicar que estamos produzindo”, adianta, em primeira mão, o DJ, que agora como já se viu irá nos brindar também com produções.

Aperta o coração imaginar que existe a possibilidade de não dançarmos mais seis, sete, oito horas do acid viajante (ahá!) de Maurício Lopes com a frequência que precisamos para arejar a noite brasileira e mostrar às gerações futuras com quantos parafusos se monta um toca-disco. Preocupa também considerar que existe uma chance (ainda que remota) de o Brasil não dar a um DJ deste quilate o valor que merece. Como disse o Leo Janeiro em um painel que fez com o DJ: “eu perdi a conta de quantas vezes vi o Maurício Lopes roubar a cena do DJ gringo com quem ele dividiu a noite!”.

Com Amanda Chang, com quem tocou na Privilège, em Búzios. Duas gerações de techno made in Rio

Maurício, sempre de um jeito doce e malemolente, já mandou um “aqui quem manda sou eu” elegante e cordial a incontáveis atrações internacionais que chegavam aqui achando que seria fácil e tiveram o azar (ou a sorte?) de dividir a pista com ele. Já assombrou paulistanos que nunca haviam visto ele tocar com sua identidade única e já surpreendeu cariocas que eventualmente podiam pensar que daquela laranja não sairia mais suco.

Mais do que isso, ensinou como deve se comportar profissionalmente um DJ, dentro e fora da cabine. À noite ou durante a semana. Se cometeu erros durante a carreira, foram poucos, como por exemplo o de se recusar a revirar uma pilha de caixas para encontrar uma fita cassete com um set de 1992 para que pudéssemos incluir nesta matéria (achou que eu iria deixar passar essa, Mau?).

Que tenhamos aprendido algo nestes 25 anos. Mau Lopes é foda.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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