
Há 60 anos, Bob Dylan era vaiado por inovar
Em Newport, lenda do folk se apresentou com uma guitarra elétrica pela primeira vez
Hoje, a imagem cristalizada de Bob Dylan é a do cara que não se importa com a opinião de ninguém. Faz o que quer, como quer e quando quer, seja na carreira musical ou na vida pessoal. Uma pessoa reservada, um dos mais inacessíveis ídolos da música pop e um cara que faz música para si mesmo. Se o público está gostando, é problema deles. O evento que “desligou a chave” do artista aconteceu há exatos 60 anos, em 25 de julho de 1965, em Newport, nos Estados Unidos. Uma noite úmida e quente em que a grande promessa da renovação do folk subiu ao palco ovacionado e desceu odiado.

“As pessoas ainda falam disso como se eu tivesse assassinado alguém. Era só uma guitarra elétrica, não a Arca da Aliança“, disse o músico à revista Rollling Stone anos após o polêmico evento. Aliás, ele passou anos reforçando a retórica de que não estava nem aí para o que o público pensava dele: “A música pertence a quem faz, e não ao público”. E esse posicionamento, de tocar o foda-se, entrou em Dylan naquela noite, para nunca mais sair.
O astro americano já havia tocado em Newport nos dois anos anteriores. Em 1965, voltava como um dos headliners. A produção o colocou para tocar à noite, entre dois artistas de folk tradicionalíssimo, Cousin Emmy e Sea Island Singers. Ciente de que aquele seria o momento de se estabelecer como um artista de ponta no cenário estadunidense, decidiu que fazer mais do mesmo não era uma opção. Era muito mais sedutor ser o líder de uma geração do que mais um artista sertanejo estadunidense.
Na quarta música do show, Dylan notou os olhos esbugalhados do público quando pegou uma guitarra elétrica, ligou no amplificador e tocou três canções: Maggie’s Farm, Like a Rolling Stone e Phantom Engineer. Foi vaia para tudo quanto é lado, com parte do público chamando-o de traidor ou pedindo que Cousin Emmy voltasse ao palco. A qualidade do som não ajudou. Tudo saiu distorcido, mal-equalizado, soando como agulhas no tímpano de quem estava ali esperando o combo voz, violão e gaita. E nem mesmo o fato de ter lançado um álbum recente, com instrumentos elétricos (Another Side Of Bob Dylan, 1964) preparou o público do Newport para aquilo. O povo queria mesmo era canções como Blowin In The Wind e The Times They Are A-Changin só no violãozinho mesmo.
Começava ali, com continuações nos shows seguintes, uma guerra rancorosa entre Bob e o público mais tradicionalista do folk. E a saída encontrada pelo artista e sua banda foi a defensiva. “Não gostou? Então não ouve, não compra meu disco e não vai ao meu show.”
A ojeriza à eletrificação da música de Dylan, claro, não foi unânime. Pelo contrário, o surto de Newport impressionou muito mais pela surpreendente rejeição a um cara que até então parecia intocável, do que pelo julgamento meramente artístico. Entre público do show, muita gente aplaudiu, mas os “vivas” foram sufocados pelos “buuuus”. A imprensa musical da época saudou a coragem de Bob Dylan principalmente porque, nos álbuns, ficava muito mais fácil de compreender o que o artista pretendia fazer com a música de seu país (uma evolução) do que naquele bagunçado soundsystem do Newport de 1965.
Assumindo a teimosia que o acompanha até hoje, a lenda nem pensou em voltar atrás ou se desculpar com os conservadores da música. Ao contrário, passou a deixar claro que, dali para a frente, não daria a mínima atenção para a opinião de quem quer que fosse. A quem seguiu não concordando com ele, restou na vida a Cousin Emmy e Sea Island Singers.
