Há 20 anos, The Strokes se preparava para recolocar o rock nas pistas de dança e no topo das paradas com Is This It
Is This It, do The Strokes, trouxe de volta ao gosto popular o rock n’ roll cru dos Stooges e do New York Dolls, puxando de volta a Nova Iorque o protagonismo do hype
Ah, o ano de 2001… Todo mundo de sobrancelha finíssima, jeans de cintura baixa (que deixou como herança uma segunda cintura em muita gente), ouvindo Hanging by a Moment do Lifehouse e vendo o U2 e a Destiny’s Child dominarem o Grammy. Uma efervescência cultural louca tentava acompanhar o frenesi tecnológico, ainda que muito apegado ao analógico da década anterior.
Foi definitivamente um ano estranho para o rock. A indústria colhia os frutos restantes do pop dos anos 90, mas, de modo geral, parecia não saber muito bem para onde ir. As bandas tentavam se desprender do grunge partindo para o pop punk, nu metal e o post hardcore. Com o avanço tecnológico e a disseminação da produção musical digital, artistas e bandas estavam cada vez mais interessados em criar camadas e mais camadas de sonoridades e efeitos.
Entretanto, em julho daquele ano, alguma coisa mudou, graças a cinco rapazes magrelos, descabelados, desajeitados e vestindo jaquetas de couro.
Três anos antes, os amigos de infância Julian Casablancas e Nikolai Fraiture se juntaram a Albert Hammond Jr, Nick Valensi e Fabrizio Moretti em Nova Iorque e formaram o Strokes. Embora fossem muito jovens e inexperientes – Albert ainda precisava das aulas de guitarra –, eles sabiam que fariam sucesso. É claro que o fator dinheiro colaborava com essa certeza; Julian (filho de John Casablancas, dono de uma das maiores agências de modelos do mundo) e Albert se conheceram em um internato na Suíça quando eram adolescentes. Mas o guitarrista reforçou sua crença no sucesso após gravar uma demo caseira com Julian: “Nós gravamos a fita e pusemos no carro para ouvir. Estava soando muito bem”, conta. Aos poucos, eles começaram a tocar timidamente em pequenos bares pela cidade e estender seu público para além da meia dúzia de amigos que compareciam às apresentações.
A estreia em estúdio
Naquele 2001 em ebulição tecnológica e musical, o Strokes fincou seus pés em um lugar às avessas. Diferentemente de tudo o que estava sendo criado e produzido, eles estavam olhando para trás. Desde o começo, queriam a crueza e a simplicidade sonora do punk e garage rock dos anos 70 – algo completamente inusitado para uma década que começou com os sistemas de computadores da Matrix. Enquanto a indústria musical olhava para frente, o Strokes olhava para bandas como Stooges e MC5 e imaginava como elas soariam se estivessem nascendo naquele momento.
Foi com essa certeza que eles lançaram, no começo do ano, o EP The Modern Age, pelo selo independente Rough Trade, da Inglaterra. A primeira experiência da banda em estúdio se desdobrou (como nos anos 70) em uma guerra entre gravadoras para além do Atlântico, posteriormente vencida pela RCA Records. As três canções de The Modern Age eram um teaser do que viria adiante em um álbum. O que mais impressiona é o fato de quase nada ter mudado nas músicas, com exceção de alguns trechos de letra e melodia. No quesito sonoridade, era aquilo ali mesmo: cru, distorcido, enxuto e direto. Talvez essa seja a maior prova de que a banda já estava pronta para o que viria.
Is This It: o indie no topo
Se alguém lhe dissesse, vinte anos atrás, que muito em breve você ouviria uma canção de indie rock em todas as festas, você provavelmente riria, achando impossível. Afinal, o que não faltava era música pop pra fazer as pistas ferverem. Mas havia algo no Strokes que transgredia as antigas normas do rock n’ roll; uma visão juvenil e ousada que refrescava o garage rock, modelando o estilo o suficiente para que a sonoridade se encaixasse em qualquer set de festas pelo mundo todo.
Is This It, lançado primeiramente na Austrália em 30 de julho de 2001 pela RCA Records, foi o ponto de inflexão para a indústria musical. A estratégia de lançar o álbum primeiramente no hemisfério sul ocorreu após uma turnê bem-sucedida da banda pela Austrália. Novamente, era o Strokes mostrando que estava vindo para virar tudo de cabeça para baixo.
Apesar dos contratempos do lançamento nos EUA – a icônica capa teve que ser trocada e a faixa New York City Cops deu lugar a When It Started, por conta do 11 de setembro –, as faixas rapidamente atingiram o topo das paradas musicais, alcançando o segundo lugar do UK Albums Chart. O processo de gravação também foi conturbado: inicialmente, a produção seria assinada por Gil Norton (que produzira o Pixies), mas acabou sendo substituído por Gordon Raphael, que já estava familiarizado com a sonoridade da banda.
Nada mais rockstar do que isso.
Fato é que após Is This It o mundo musical nunca mais foi o mesmo. O debut causou um efeito dominó no rock alternativo. A partir dele, os holofotes se voltaram para bandas com a mesma sujeira e secura como Yeah Yeah Yeahs e White Stripes. O rock alternativo deixava de ser comercialmente alternativo e ascendia ao mainstream – lugar de onde nunca mais sairia.
Vinte anos depois
É difícil de acreditar que, duas décadas depois, Is This It ainda ostenta o pioneirismo audacioso do indie e alternativo do começo dos anos 2000. Muito do que ouvimos em bandas hoje em dia parece novo, mas já foi testado pelo Strokes – e deu certo. Lendas e acusações de ser “hype demais” à parte, não se pode negar quão crucial Is This It foi e continua sendo para bandas e artistas que querem escapar da regra da grandiosidade tecnológica cada vez mais imposta pela indústria fonográfica.