Gui Boratto se firma como remixer pop

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Gui durante apresentação no megafestival Coachella, em abril de 2009

Que Gui Boratto é “o” nome da música eletrônica nacional, todo mundo sabe. Não tem um line-up de festa grande ou festival que não inclua o seu nome. E não é só no Brasil, o paulistano agora vive de malas prontas – semana passada voltou de uma turnê pela Austrália, por exemplo.

Agora que ele virou de vez a cara brasileira da música eletrônica aqui e no mundo, seus remixes também andam cada vez mais bombásticos. Na lista de artistas grandes que ele remixou tem de Pet Shop Boys a Massive Attack e Bomb The Bass. O Todo DJ Já Sambou foi atrás dele pra saber como é ser um cara tão requisitado pelo pelotão de elite da música. Entre as pérolas da entrevista, ele conta que quase desistiu de remixar o astro pop Robbie Williams e fala da extenuante agenda de trabalho. “E tem gente que acha que minha vida é só glamour!”, desabafa.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Você virou um remixer mega requisistado. Quais foram os artistas que mais deram frio na barriga de remixar?

GUI BORATTO – Frio na verdade nenhum. Teve é muita excitação. Foi bem bacana obter a session do [software de composição] Protools dos Pet Shop Boys e poder ouvir os “takes” do Neil Tennant. Inclusive os takes errados, com ele rindo nos finais e tal…
O Massive Attack também foi demais. Escuto esses caras há quase 20 anos. Foi na época que comecei a programar umas coisinha e tal. Mas no fundo o que pega mais é a música em si. Independentemente do artista, do nome. Olho sempre primeiro a música original e suas possibilidades de resultar em um bom remix.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Como você é abordado pra fazer esses remixes?

GUI BORATTO – Varia muito. Alguns foi direto mesmo, como foi o caso do Bomb The Bass. Ou pelo departamento artístico de gravadoras, como foi o caso de PSB e Massive Attack.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Você se tornou a cara da música eletrônica feita no Brasil. Como se sente?

GUI BORATTO – Jura? Acho que a “culpa” não é só minha não. O Marky abriu mil portas. O Patife e outros caras. Mas eu fico feliz em ter uma parcela de responsabilidade em divulgar o que podemos fazer aqui no Brasil. Afinal de contas, sou um dos poucos produtores dessa época que ainda mora no seu país de origem. Diferente de caras como Villalobos, Luciano, CSS, Pet Duo, Dubfire, Hawtin, Aguayo, enfim. Acho que metade do mundo está morando em Berlin, Barcelona, sei lá onde.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Como é remixar um artista pop como o Robbie Williams?

GUI BORATTO – Ah, na verdade eu quase desisti, pois o original era muito rápido pra virar house/techno, e o vocal era muito complexo, cheio de estrofes, partes diferentes, bridges, além de dezenas de backing vocals etc. Aí a única saída foi picotar literalmente sílaba por sílaba e construir um ritmo novo para as estrofes. Na verdade foi até um desafio. No meio do processo eu já estava adorando tudo aquilo, gravei até baixo e guitarra. Ficou uma levada meio disco, com claps e tal. Amei. A gravadora adorou. Foi legal.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Como foi a experiência de trabalhar com o Massive Attack, que é tipo um mito da música eletrônica?

GUI BORATTO – O Massive já foi mais punk. A responsabilidade de trabalhar num som deles é grande. Essas bandas são delicadas de se trabalhar. Por exemplo, acho um sacrilégio, de tudo que fizeram do Depeche. As pessoas são muito loucas, não respeitam a harmonia, destroem literalmente a canção. Sim, porque são canções e não um som qualquer de uma nota só. Isso rolou com o Massive. Na verdade quando eles me mandaram o arquivo da original, estava torcendo para que fosse um daqueles sons deles com vocal feminino, tipo Teardrop ou Unfinished Simpathy.

Não queria trabalhar num vocal rap, típico deles. Não deu outra, veio o vocal maravilhoso da Hope Sandoval. Aliás, fiquei surpreso deles terem chamado ela. Sempre amei Mazzy Star. Outra coisa
que fluiu bem foi que os próprios Rob e Grant não curtem muito techno e house. Fiquei feliz quando eles mesmos me mandaram um email dizendo que estavam muito felizes pelo que eu havia feito com o som deles. O resultado final foi aquele som obscuro e suave ao mesmo tempo, com o contraste da linha de baixo e guitarra tremolo que eu fiz com a doçura da Hope. Na minha opininão, foi um dos melhores remixes que já fiz na vida.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Como tem sido a sua rotina de viagens?
GUI BORATTO – Ah, Clau, aquela correria de sempre. Só neste ano eu já fiz uma tour de inverno na Europa no fim de janeiro. Tive o carnaval aqui e emendei com Austrália. Cheguei semana passada. Início de abril tenho EUA. Em maio tenho Ásia e Europa e em junho fico na Europa por dois meses por causa dos festivais de verão. Sem contar que entre turnês, eu toco muito no Brasil, basicamente quinta, sexta e sábado. No meio da semana eu faço minhas músicas novas, remixes e tal. E ainda tenho que arrumar tempo pra minha mulher e minha filhinha de 5 anos, que é o mais importante disso tudo. É mole ou quer mais? E tem gente que acha que minha vida é só glamour 😉

TODO DJ JÁ SAMBOU – Passando tanto tempo fora do país, como vc enxerga o cenário brasileiro, com essa febre de DJs celebridades?
GUI BORATTO – Isso de DJ celebridade não existe. Aliás, existe, sim, só no Brasil. Acho bobagem, perda de tempo. O brasileiro é carente demais. Acho até bonitinho, mas, peraí, pagar pra entrar num clube, só pra ver de perto um artista? Acho muita tietagem. Na Europa as pessoas vão por causa da música. Nao rola nem assédio com as mulheres, tipo chaveco mesmo. Lá a galera é mais louca e muito mais interessada no conteúdo do som. Mas, em compensação, o Brasil é um dos melhores lugares pra tocar no
mundo. Tem clubes fantásticos e um público único. Hoje o brasileiro está mais maduro. Eu posso tocar o que quiser e sei que que as pessoas vão gostar. Eu fico mais à vontade de experimentar mais.

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

× Curta Music Non Stop no Facebook