Gillian Gilbert, do New Order, libera: “ainda acho estranho tocar sem Peter Hook”
Nascida e criada em Manchester, mais precisamente em 27 de janeiro de 1961, Gillian Gilbert estava destinada a ter uma banda, assim como todo mundo que queria ser alguém legal na cidade inglesa que, não à toa, ficou conhecida como “Madchester”.
A primeira banda de Gillian se chama The Inadequates, nome perfeito para um grupo que achava cool ter uma banda, mas não sabia tocar nada direito.
Em 1978, depois de começar um flerte com Stephen Morris, baterista de outra banda local, uma ~tal de Joy Division, Gillian chegou a subir ao palco para substituir o vocalista e guitarrista Ian Curtis, num show em que ele havia machucado a mão.
Dois anos depois, em 1980, após o suicídio de Curtis, os membros remanescentes do Joy Division a chamaram para tocar com eles numa banda que eles estavam formando. Nascia o New Order. E com eles toda uma nova estética do que seria consumido nas pistas de dança dali em diante. Literalmente, nascia uma nova ordem.
O namorado da adolescência, Stephen Morris, virou marido, com quem Gillian está casada até hoje. Assim como Morris, Gillian se manteve na ativa com o New Order, dividindo-se entre sintetizadores, guitarra e eventuais vocais, sempre com um jeito tímido de moça recatada do interior e visual gótica suave, até que, em 2000, ela deixou a banda para cuidar de uma das filhas, que precisou de sua atenção por problemas de saúde.
Em 2014 ela voltou oficialmente à banda, para as gravações do álbum Music Complete, nono disco do New Order. Lançado em 2015, o álbum trouxe o som característico da banda de volta à pauta, e com isso veio a minha chance de entrevistar Gillian. Uma honra falar com a mulher que imortalizou tantas melodias que até hoje nos fazem tocar air synth ao ouvir Blue Monday, True Faith, Bizarre Love Triangle, The Perfect Kiss, Elegia e tantas outras.
Antes de ler a entrevista, um clipe maravilhoso em que todos os integrantes do New Order aparecem jovenzinhos. Apenas Blue Monday, o single em 12 polegadas mais vendido da história.
Partes dessa entrevista, feita ano passado por telefone, foram usadas num texto meu publicado na Folha, porém a íntegra você só lê aqui.
Music Non Stop – O nome deste disco, Music Complete, é um sinal de que se trata do último álbum de vocês?
Gillian Gilbert – Prefiro pensar que é como um daqueles discos do New Order que significam muitas coisas diferentes. Muita gente está pensando que este é nosso último disco ou então um disco comemorativo de aniversário da banda. Mas na verdade quando você ouve todas as faixas numa sequência elas soam como uma coleção completa de músicas do New Order. No passado, a gente costumava fazer coisas assim. Tem uma faixa antiga chamada Elegia, que só tem melodia e não tem bateria. No disco Republic, tem uma faixa chamada Avalanche, com alguns vocais estranhos. Enfim, acho que a gente queria neste disco um pouco da atmosfera que permeava os antigos discos do New Order, só que tudo de uma vez. Music Complete é um pouco de tudo do New Order em um disco só.
Music Non Stop – Como vocês escolheram os convidados La Roux, Brendan Flowers e Iggy Pop?
Gillian Gilbert – A gente não decidiu ter esse álbum com todos esses convidados. Começamos com o arranjador de cordas Joe Duddell, porque queríamos essa sonoridade. Daí pensamos em ter algum backing vocal com alguém interessante. E conhecemos a Elly Jackson [La Roux], porque ela abriu um show nosso em Los Angeles. Achei a voz dela incrível e eu pilhei o resto da banda pra que ela estivesse no álbum. Já o Iggy Pop, o Bernard cruzou com ele em Nova York durante um festival de caridade. O Iggy mora em Miami, então foi bem estranho. Fizemos a faixa Straight Dog. O Bernie queria escrever um poema e não uma letra propriamente. Achamos que a faixa tinha uma coisa meio dark achamos que a voz do Iggy Pop seria perfeita pra ler o poema. A gente mandou a música por email e ele gravou lá em Miami mesmo. Tudo funcionou perfeitamente, todos quiseram gravar com a gente e as coisas rolaram muito de boa.
Music Non Stop – Como foi gravar sem o Peter Hook?
Gillian Gilbert – Em 2011, fizemos uma turnê juntos com esse novo line-up, mas fizemos poucos shows, porque não sabíamos como as pessoas iam reagir à ausência do Hooky. Fizemos tudo muito low profile. O Tom Chapman aprendeu todas as partes do Hooky. Mas a presença do Hooky ainda existe, todos sabemos, porque ele foi tão forte na nossa história. Tom tem muito estilo também, mas confesso que é um pouco estranho tocar sem o Hooky. Mas tenho certeza de que ele está mais feliz com o que está fazendo agora.
Music Non Stop – Como foi trabalhar com Tom Rowland como um dos produtores do disco?
Gillian Gilbert – Já tínhamos trabalhado com o Tom Rowland antes, então foi tudo muito tranquilo de fazer. Gravamos e mandamos algumas coisas pra ele. Ele nos mandou algumas ideias e trabalhamos nelas. Foi muito bom ter alguém de fora em que você confia trabalhando com você, orquestrando tudo. Você já sabe que é alguém que sabe o que está fazendo. Ele traz algo diferente, porque ele é totalmente da dance music. Os Chemical Brothers são fantásticos e a gente queria essa atmosfera, ele adora equipamentos analógicos, assim como o Steve. Era a sonoridade que a gente queria essa sonoridade de dance music mais crua mesmo.
Music Non Stop – Mas com qual disco do New Order você mais compara este novo?
Gillian Gilbert – Acho que Technique e Power, Corruption & Lies. Acho que as faixas deste novo disco são muito diretas. Me lembra muito da época desses dois álbuns que eu citei.
Music Non Stop – É quase um novo New Order, não? Sem o Peter Hook, você de volta no line-up…
Gillian Gilbert – Sim! Claro que os meninos já tocaram juntos no Bad Lieutenant, mas o New Order é outra banda! Tem também o fato de eu estar de volta. Estamos nos acostumando ainda com essa formação, tocando juntos.
Music Non Stop – O que vocês se lembram da primeira vez que tocaram no Brasil em 1988?
Gillian Gilbert – O trânsito era muito ruim (risos). Mas me lembro que o Brasil foi incrível. Sempre que volto pro Brasil é muito bom. Em 2011, voltamos já com este line-up pra alguns shows. O público é tão incrível, a reação das pessoas é tão positiva. As pessoas são muito reservadas na Inglaterra. Então a gente adora ver essa diferença.
Vídeo de fã mostra o New Order tocando Bizarre Love Triangle em 1988 em Porto Alegre
Gillian Gilbert – Você acompanha a cena de música eletrônica? O que acha da EDM?
Gillian Gilbert – Eu acho ótimo. Gosto do fato de os superDJs fazerem tanto sucesso. Acho que as pessoas nunca vão se livrar da dance music. Isso acabou afetando até a gente. Estamos voltando com um som muito dançante, ao contrário do que já aconteceu em discos passados, quando Bernie [Bernard Sumner] investiu mais em sons de guitarra. Temos elementos de guitarra, mas acho que equilibramos melhor as coisas neste disco.
Music Non Stop – Vocês acabaram de assinar com uma gravadora, a Mute. Por que uma gravadora a essa altura do campeonato?
Gillian Gilbert – Realmente assinar com uma gravadora comum não seria um movimento inteligente. Mas a Mute tem Daniel Miller. Ele vinha ao estúdio, fazia sugestões. A gente tinha isso na Factory, mas a gente não dava muita moral para conselhos naquela época (rs). No fim das contas respeitamos muito o Daniel porque ele também é um músico. Respeitamos demais a Mute. É bom ter alguém cuidado de você. Foi muito interessante passar por todas as etapas de um álbum com alguém como ele dando suporte.
Music Non Stop – Faz 10 anos desde Waiting For The Sirens Call. Tudo mudou no jeito que as pessoas ouvem música. Você acha que isso influenciou a maneira como vocês compõem também?
Gillian Gilbert – Eu sinto pena das bandas novas, porque é muito difícil começar neste mundo de agora. As gravadoras mudaram. Está tudo tão efêmero. Tudo tem que distribuído de graça. Acho que o lance agora é mesmo tocar ao vivo. Talvez as pessoas vão mais a shows agora. Mas a grande pergunta é: “como uma banda fica conhecida a ponto de lotar seus shows?”. E agora também existe essa cultura muito forte de festivais. Isso é positivo. Ao mesmo tempo muito duro pra quem está começando. Minha filha está numa banda agora e eles têm feito muitos shows, mas não sei exatamente qual conselho dar a ela, porque também não sei o que vai acontecer.
Music Non Stop – O que acha desse museu do Joy Division que vai abrir?
Gillian Gilbert – Não sei muito a respeito dele, mas eu acho um pouco horrível transformar a casa do Ian num museu. Acho que vai ser uma atmosfera horrorosa. De uma certa forma é uma celebração ao fato de alguém ter cometido suicídio. Não gosto da ideia. Acho bacana fazerem exposições, como a que o jornalista Jon Savage fez em Macclesfield em 2010, achei interessante. Mas transformar a casa do Ian num museu, eu acho deprimente. Você acha uma ideia boa?
Music Non Stop – Gosto da ideia de perpetuar a lembrança da banda, mas você tem razão. Não dá pra celebrar um lugar que tem uma história tão pesada.
Music Non Stop – Vocês começam uma turnê mundial em novembro. O Brasil está nos planos?
Gillian Gilbert – Não sei nem se podia falar (rs), mas em 2016 iremos ao Brasil
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