Tiago Franco lança aqui o primeiro vídeo de seu projeto GEZENDER e conversa com a coluna sobre sua mudança recente para São Paulo, sobre transhumanismo, genderless, imagem versus música e as motivações que o levaram a conectar universos que muitos consideram desconexos.
➤ assista acima ao videoclipe de FICTION _ GEZENDER
Senŏide » Você acabou de se mudar para São Paulo…
Tiago » Eu morei em Florianópolis nos últimos 12 anos. O principal impulso que me fez vir a São Paulo é o projeto autoral de produção musical que estou lançando hoje. Cheguei há um mês e percebi que deveria ter vindo antes, as coisas acontecem mais rápido do que se imagina aqui.
Senŏide » Você sente que aqui há mais espaço para veicular e desenvolver sua música?
Tiago » Não é apenas espaço, aqui tem mais gente com quem me identifico. Não é que Florianópolis não tenha opções, eu gosto da cidade, mas, para mim, é uma questão comportamental. SP flui numa frequência mais parecida com a minha.
Senŏide » Toda vez que saio à noite te encontro. Me parece que você vem absorvendo a cultura noturna da cidade ao máximo…
Tiago » Aqui em São Paulo só vou a festas onde tocam o som que quero ouvir. O leque de opções é tão grande que você pode escolher exatamente onde quer estar, acho que a gente tem escolhido as mesmas noites, haha!
Senŏide » Você se define como produtor cultural. Me fala desses seus trabalhos.
Tiago » Em Florianópolis trabalhei com produção de eventos por quase 10 anos, com todo tipo de evento: institucional, da prefeitura, etc. Durante esses 10 anos eu não deixei de produzir as festas de pista de eletrônica, mas eu não separo tanto os tipos de eventos que produzi, pois todos eles se relacionam à Cultura, de variadas formas. Ter circulado por vários meios me abriu caminhos, possibilidades e percepções.
Senŏide » Você criou uma imagem que é um alter ego ou são vários alter egos dependendo do tipo de música que você toca no dia?
Tiago » Sim, GEZENDER, mas eu nunca perco a identidade que venho construindo. Eu adapto essa mesma identidade dependendo da situação.
Senŏide » Por causa dos seus looks você já se deparou com gente que acha que seu som é mais pop, mais voltado à Lady Gaga, por exemplo, do que à música mais instrumental e transcendental?
Tiago » Nem me vejo mais como alguém que se monta para uma performance – Percebo que venho me tornando cada vez mais meu alterego, que é uma forma de expressão da minha música expandida para o campo visual. Acho que o link do pop com a montação surge com esse novo boom das drags, mas o que faço não é drag, é mais uma extensão da música que produzo, que se relaciona à teoria queer, ao questionamento de gênero através da música.
Senŏide » Como você vê o interesse (quase) unânime dos garotos gays pela cultura pop comercial? Vivemos uma diversidade onde há espaço para tudo ou, na maioria das vezes, falta o interesse pela música mais independente e original, apesar da internet?
Tiago » Tem espaço para todo mundo, mas acho que o pop é o caminho mais fácil para quem tem preguiça de pesquisar música. Talvez esse boom de informação tenha causado o efeito contrário à diversidade musical para alguns. Tem muita gente nova nas festas que toco e, além do pop, vejo que também vivemos um momento próspero para a música independente. Tem muita festa nova, festivais, público e gente interessada numa cultura musical mais ampla.
Senŏide » Às vezes tenho a impressão de que hoje o público está apenas interessado num som que funcione na pista e que raramente procura por inovação musical. Concorda?
Tiago » Hoje é impossível um bom DJ ignorar o passado porque o techno e o house, por exemplo, já têm uma larga história, por mais que você tente criar algo novo, você acaba retornando às raízes, ao passado relativamente recente. De um modo geral, a humanidade funciona assim. Há um tempo eu só tocava garage e acid house, um set inteiro de clássicos – agora não mais.
Senŏide » Acredito que seja esse o grande diferencial que ouvi no teu set na dsviante do dia 25 de março – Não era apenas o techno do norte europeu, dava para sentir sua habilidade em mesclá-lo a um gingado poderoso.
Tiago » É exatamente onde procuro chegar.
» um dos mixes de Tiago Franco _ disponível para download no SoundCloud
Senŏide » Na pista que você cria fica claro que o techno mais denso não é apenas “pesado”, como alguns limitadamente classificam o gênero, é muito mais do que isso…
Tiago » A vivência do brasileiro não é a mesma de quem nasceu em Berlim, por isso acho que não seria original reproduzir algo que acontece lá fora, apesar de absorver aquelas referências. Toco e uso nas minhas produções bastante bumbo, caixa e clap [elementos percussivos] que vêm do acid house, ou seja, da música negra americana e latina. Duas das músicas do EP que vou lançar têm percussão de umbanda e candomblé – algo quase imperceptível para muitos – tratam de espiritualidade, ficção científica, tecnologia, mas não desejo abordar esses temas de modo literal, são referencias estéticas e filosóficas que tento levar para pista sem cair em clichês ou obviedades.
Senŏide » Então você vê o techno e o house como música espiritual?
Tiago » Muito! Deixar isso explícito pode reduzir essa subjetividade. É claro que não é uma visão clássica da espiritualidade, é mais uma interpretação cientifica do divino. O álbum que comecei a fazer tem esse propósito.
Senŏide » A dança coletiva é algo bastante espiritual e as religiões ocidentais nos fizeram deixar de perceber isso…
Tiago » Sim, por mais matemática que seja a música eletrônica instrumental, por maior que seja a influência alemã, para mim sempre será algo transcendental. Acho que cada vez mais a tecnologia se relaciona com o divino. E daí também incluo a questão do gênero – são essas as questões abstratas que me interessam e, para mim, a melhor maneira de abordá-las é a subjetiva. São as coisas que o verbo não alcança, mas que eu sinto na música transcendental e as reproduzo como DJ e produtor de maneira concreta e material.
Senŏide » Você acha que essas mensagens chegam ao público da pista, mesmo que de modo inconsciente?
Tiago » Acho que sim. Eu não sou nenhum guru, eu quero, sobretudo, fazer as pessoas se divertirem. Esse discurso pode parecer um pouco hippie para alguns, a música pode soar pesada para outros e tudo, a princípio, pode parecer antagônico, mas não é para mim: “O mundo é a ficção do divino e somos um pedaço virtual de existência” – é o refrão de FICTION, a música do meu primeiro videoclipe.
as 4 faixas do EP ≪ Spiritual Army ≫
Insights de Tiago Franco sobre o Gezender » “Com a reconstrução do gênero através de dispositivos tecnológicos, musicais e cênicos, o Gezender passeia entre a performance, a música e a imagem. Em um mundo de filosofia contemporânea, a fuga do real através da ciência e a consciência do divino traçam um paralelo místico entre um Deus perdido no cosmos e a proximidade da ficção e da realidade. Gezender constrói um mundo alienígena sem gênero, de divindades ciborgue e seres alienígenas. Para isso: techno vogue battle, acid queens da Chicago house de pernas abertas em moduladores, vozes sintéticas e sintéticos hedônicos em uma Zona Autônoma Temporária. Enfrentamento, arte e pista de dança.”