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Gábor Szabó. A história do imigrante húngaro que revolucionou a guitarra no jazz e influenciou músicos como Carlos Santana

Adriana Arakake conta a história dos dois princiapis discos do guitarrista húngaro Gábor Szabó, que começou sua carreira nos EUA na banda de Chico Hamilton

Sempre gostei muito de trilhas sonoras e por isso mesmo presto muita atenção às músicas de um filme ou seriado. Comecei gostar de música quando muito nova, ouvia os discos da minha mãe, em especial a trilha da novela Estúpido Cupido Internacional, que eu adorava. Agora, estava assistindo a série O Gambito da Rainha (que gostei muito) e numa das cenas escuto uma das músicas que mais gosto de um artista não tão conhecido do público, mas que merece toda atenção, o guitarrista húngaro Gábor Szabó. Este texto é sobre ele.

Gábor István Szabó nasceu em Budapeste em 8 de março de 1936 e aprendeu tocar violão praticamente sozinho, ouvindo toda noite a rádio norte americana Voice of America, financiada pelo governo dos EUA após a 2a Guerra Mundial como uma forma de combater a propaganda soviética. Sob a batuta do lendário DJ Willis Conover a rádio transmitia os melhores sons: Chet Baker, Gerry Mulligan, Tal Farlow, entre outros inúmeros artistas, o que fez com que Gábor achasse que nos EUA todo mundo tivesse sua própria banda de jazz. Aos 20 anos foge da Hungria com a família e se instalam na Califórnia, mais tarde ele vai aprimorar sua técnica na renomada escola de música de Berklee, em Boston.

Sua carreira musical começa mesmo quando, em 1961, passa a integrar o quinteto liderado pelo imenso baterista Chico Hamilton e que contava também com Charles Lloyd na formação. Foi ao lado de Hamilton que Szabó começou abraçar seu estilo único, saindo do papel de músico de fundo para o de destaque, dá pra sentir bem isso no álbum El Chico, lançado em 1965, pela gravadora Impulse!.

Os álbuns solo vieram a partir de 1966, Dreams (1968), um dos mais cultuados, lançado pela Skye, gravadora que Gábor fundou ao lado do vibrafonista Cal Tjader e do multi instrumentista Gary McFarland, com quem Szabó também teve um grupo. A lindíssima capa de Dreams traz uma ilustração do inglês John Austen intitulada “Visão“,  dando um ótima ideia do som que você vai encontrar nas faixas desse disco que transita entre o rock psicodélico, uma quase bossa nova em Lady in the Moon, a música tradicional húngara e também uma forte influência do jazz clássico e de câmara. Tudo magistralmente misturado resultando em um som lindo, diferente e tornando esse disco uma experiência auditiva inigualável. O músico foi muito influenciado pelo rock, onde viu a possibilidade de produzir um jazz mais comercial, mas não menos elaborado, sempre combinado ao dedilhado típico do húngaro que parece ter cinco dedos em cada dedo.

Dreams

A música que nos traz a este texto e que está na série anteriormente citada é Somewhere I Belong, presente no disco 1969, lançado pela gravadora Skye, onde também há uma versão maravilhosa de Dear Prudence (recomendo muito) dos Beatles. Gábor também gravou Rocky Racoon na linda voz de Lena Horne para o álbum Lena & Gábor (1970, Skye), na minha opinião uma das melhores versões de Beatles. Além disso, uma versão incrível de Stormy, música composta por Buddy Buie e James Cobb, que ficou mais conhecida com a roupagem pop da época na voz de Dennis Yost e pode ser encontrada no disco Classics IV.

Outro disco que gosto muito é o não menos cultuado Spellbinder (1966, Impulse!),  o primeiro da carreira solo do artista e que traz os gigantes músicos Ron Carter no baixo, Chico Hamilton na bateria e os percussionistas Willie Bobo e Victor Pantoja. O dedilhado “folk” de Szabó não era nada comum no jazz na época e  foi exatamente isso que o tornou tão único. A improvisação da banda é contagiante. Parece que no estúdio, alguém deu play e os músicos apenas se divertiram.  Na faixa título, por mais de um minuto Hamilton, Bobo e Pantoja estabelecem o ritmo e a partir desse ponto Szabó e Carter finalmente se juntam. Fascinante. O álbum traz também Bang, Bang My Baby Shot Me Down, composta por Sonny Bono, a canção que ficou famosa na voz de Nancy Sinatra, principalmente depois de fazer parte da trilha sonora de Kill Bill .Em Spellbinder a música é interpretada pelo próprio Szabó, única canção com vocal.

Spellbinder

O músico influenciou inúmeros artistas, entre eles Carlos Santana, que em suas palavras “até ouvir Szabó não sabia que havia outras possibilidades com o violão”. A faixa Gypsy Queen, presente em Spellbinder, foi uma grande influência no hit Black Magic Woman, gravada por Santana e composta por Peter Green (Fleetwood Mac).

Spellbinder é uma obra prima. Dreams é uma obra prima. Não fui capaz de escolher e falar de um só. Ouça e seja transportado para uma viagem psicotrópica dos deliciosos anos 60, no impecável dedilhado de Szabó.

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