fúria primitiva Imagem: Divulgação/Diamond Filmes

Vingança sangrenta e cores vibrantes marcam “Fúria Primitiva”

Yasmine Evaristo
Por Yasmine Evaristo

Estreia de Dev Patel como diretor chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira

O ano de 2022 ficou marcado pelo sucesso RRR (disponível na Netflix) e, com isso, podemos esperar que mais filmes se inspirem na estética e temáticas do cinema indiano, como o ator Dev Patel (de Quem Quer Ser Um Milionário) faz em Fúria Primitiva — filme que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 23. Se em RRR assistimos à vingança motivada pela morte do pai e genocídio da vila em que o protagonista morava, na primeira experiência como diretor de Patel, a motivação muda de gênero, pois a vítima do sistema opressor foi sua mãe.

Fúria Primitiva é um “filme já feito” sobre vendeta, com a tradicional trajetória que segue o seguinte cronograma: o chamado à aventura, transformação e retorno. A personagem sem nome (creditada como Kid), o passado de sofrimento e a ausência de moradia são elementos cativantes ao público que gosta se prender a uma narrativa de superação. E talvez seja essa a dificuldade que Patel enfrenta ao elaborar seu filme. A produção parece em vários momentos oscilar entre o desejo de ser disruptivo como as produções de Bollywood, Kollywood ou do cinema Telugu, bem como se manter na zona de conforto das produções hollywoodianas.

A estreia de Dev Patel na direção traz a história de um homem que, após alguns anos, decide executar seu plano de vingança contra todos os envolvidos na morte de sua mãe. A obra possui sequências de luta, abusa das cenas de perseguição e toca em alguns temas sociais, mas não aprofunda neles.

Luz, câmera, ação

Fúria Primitiva

Imagem: Divulgação/Diamond Filmes

Quando Chad Stahelski, em 2014, passa a atuar atrás das câmeras e lança o primeiro capítulo do sucesso John Wick, assistimos ao “renascimento” do cinema de ação. Não que o gênero estivesse morto, mas o excesso de produções adaptadas de quadrinhos de heróis, de certa maneira, o transformou por um tempo em subgênero.

Mas a ação nunca morreu. Sucessos como a franquia Missão: Impossível atraem o público do cinema de gênero desde a década de 1990. De maneira semelhante, o investigador britânico dono do bordão “Bond, James Bond” se faz presente nas telonas desde 1962. E sua aparição é garantia de ao menos uma sequência eletrizante de ação que pode ou não ser o elemento mais interessante da produção.

Da mesma forma que o cinema estadunidense continua desenvolvendo filmes recheados de explosões, lutas coreografadas e ritmo alucinante, o cinema da Índia captura essa essência e a transforma em algo próprio. Um exagero de cores e gestos que não aparecem em Fúria Primitiva, que parece se prender às ideias wicknianas, falhando assim na realização do que poderia ser seu maior trunfo, as sequências frenéticas de ação.

Velocidade e violência

Fúria Primitiva

Imagem: Divulgação/Diamond Filmes

Variando ora entre câmera em primeira, ora em terceira pessoa, a produção proporciona a imersão do público na experiência do protagonista, que se transforma em um mexido de imagens com cortes muito rápidos — mérito dos editores Dávid JancsóJoe Galdo e Tim Murrell. Entretanto, o efeito provocado por esses cortes dinamiza o desenvolvimento do filme, que ali por volta da sua metade reduz o ritmo ao se aproximar do momento do renascimento do protagonista como uma versão de Hanuman, mito indiano que tem a forma de um macaco.

Para uma estreia na direção, Patel se sai bem. Sua escolha temática tem apelo com o público em geral, a caminhada de um homem comum em busca de justiça contra um sistema social e cultural que o diminui. O resultado disso é a fúria, bem escolhida para compor o título, bem marcada por confrontos que podem ser incômodos a alguns — afinal, o sangue em cena não é ocultado, deixando a violência sempre intensa e frontal.

As cores em cena

Fúria Primitiva

Imagem: Divulgação/Diamond Filmes

Patel, que dirige, roteiriza e atua, é surrado nos ringues de luta livre, nas ruas da cidade, dentro do King’s Club, mas ao mesmo tempo revida aos ataques infligidos contra seu corpo. Se o vermelho do sangue não aparece na pele, ele é prontamente adicionado à iluminação dos ambientes. Em vários momentos, a ideia de silhueta e fundo de uma única cor é aproveitada para construir a ideia de perigo, de ação sorrateira ou de intensidade. Inegavelmente, a primeira memória que virá na cabeça de quem tiver assistindo será a da sequencia em que A Noiva (Uma Thurman) luta contra os Crazy 88 em Kill Bill 1.

O vermelho em cena também dialoga com uma estética comum nos filmes indianos. É recorrente o uso da cor junto ao verde nas produções do país. Na cultura daquele povo, o verde está ligado tanto à natureza quanto à harmonia e fé. Já o vermelho se relaciona ao amor e coragem, e o laranja ao sagrado, à cúrcuma. Além disso, as duas cores estão presentes na bandeira do país (laranja, branco e verde), e não poderíamos esperar menos de Patel que um resgate as suas origens — o diretor nasceu na Inglaterra e seus pais são de Nairobi, com descendência indiana-gujarati.

Seja por sua direção, maquiagem, coreografia ou cores, a produção impressiona mais pela imagem que apresenta do que pelo desenvolvimento de um roteiro complexo.

As habitantes das margens em Fúria Primitiva

Divulgação: Diamond Filmes

Hanuman, o deus-macaco, é um ser que manifesta amor e compaixão pelas pessoas menos afortunadas. Além disso, ele também é sinônimo de força, coragem e inteligência, e pode se manifestar na forma humana. Assim sendo, Kid não poderia viver entre os mais afortunados, pois estes compõem o sistema de opressão contra o qual a personagem se opõe. Esse sistema é encabeçado por Queenie (Ashwini Kalsekar), a dona do clube; Rana (Sikandar Kher) e o chefe de polícia corrupto. Ambos apoiam a candidatura de Baba Shakti (Makarand Deshpande), líder espiritual que se beneficia das desapropriações e chacinas contra os povos que habitam as vilas próximas as florestas.

Em contraste, ao lado de Kid temos Alphonso (Pitobash), lacaio de Queenie, e a prostituta Sita (Sobhita Dhulipala), representantes das pessoas marginalizadas. Mas no momento da virada de vida do protagonista surge Alpha (Vipin Sharma), líder das hijra (mulheres trans e travestis), personagem que ganha importante dimensão tanto no elemento espiritual, quanto maternal na vida de Kid.

Aquecimento Fúria Primitiva

Fúria Primitiva

Está ansioso para assistir Fúria Primitiva? Que tal maratonar alguns filmes de ação para já entrar no clima? Segue as dicas a seguir:

Atômica

Onde assistir: Prime Vídeo, Telecine, Apple TV, YouTube e Google Play.

Por que assistir: Lorraine Broughton, espiã do MI6, investiga um assassinato. Ela busca uma lista de agentes duplos na Berlim da Guerra Fria, enfrentando um perigoso jogo de espionagem. O filme entrega ação intensa, lutas coreografadas e reviravoltas surpreendentes.

Anônimo

Onde assistir: Netflix, Google Play, Apple TV e Prime Vídeo.

Por que assistir: Hutch Mansell, um pai pacato, desperta sua raiva latente e habilidades de combate ao enfrentar ladrões e, dessa forma, desencadeia uma jornada brutal de vingança. Assista pela transformação chocante da personagem e pelas cenas de ação eletrizantes.

Doce e Sangrento

Onde assistir: Netflix.

Por que assistir: Parthiban, um dono de cafeteria, luta para proteger sua família quando é acusado de ser um ex-gângster. Mistura emocionante de ação e drama familiar, em meio a sequências de ação espetaculares.

Jigarthanda DoubleX

Onde assistir: Netflix.

Por que assistir: Nos anos 1970, um cineasta sonhador se junta a um gângster apaixonado por faroestes, para assim realizar seu sonho de estrelato em Hollywood. Assista pela combinação única de comédia e crime em um cenário nostálgico.

Temerário

Onde assistir: Netflix.

Por que assistir: Um gênio do crime e sua equipe cometem assaltos a bancos em Chennai, mas um misterioso estranho complica seus planos, criando reviravoltas angustiantes. Assista pelo mistério intrigante e senso de justiça dos envolvidos na trama.

Yasmine Evaristo

Artista visual, desenhista, graduanda em Letras - Tecnologias da Edição. Membro Abraccine, votante do Globo de Ouro (Golden Globe Awards). Pesquisadora de cinema, principalmente do gênero fantástico, bem como representação e representatividade de pessoas negras no cinema. Devota da santíssima trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch.

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