POR CLAUDIA ASSEF E JADE AUGUSTO GOLA
FOTOS I HATE FLASH
“Abrace a pessoa que está ao seu lado e diga que você a ama”, essa foi a ordem que a inglesa Florence Welch deu a seus milhares de súditos durante show de encerramento do segundo e último dia de Lollapalooza em São Paulo neste domingo (13). Florence foi prontamente atendida e de repente se viram milhares de pessoas se abraçando numa vibe totalmente paz e amor que tomou conta do Autódromo de Interlagos, num 13 de março que vai ficar marcado na história como a data de uma das maiores manifestações antigovernistas do mandato de Dilma Rousseff.
Do palco principal do festival, Florence dominou a massa (apesar do som baixíssimo) com seu vocal poderoso que em vários momentos lembrava o de Grace Slick, a icônica cantora do Jefferson Airplane, banda que dominou o cenário hippie na San Francisco do final dos anos 60.
Usando um vestido Gucci azul com babados que a fazia parecer deslizar pelo palco, Florence trouxe ao festival um som elegante, que os fãs cantavam tão alto que quase encobriam sua voz de contralto. O ar de duquesa, as piruetas de balé, cenário de lamê espelhado, o cabelão ruivo – com leave-in caro – que nem se abalou com a bruma do Autódromo (ao contrário do que aconteceu conosco, pobres mortais da plateia), cada detalhe de movimento da mão, faziam a gente crer que estávamos diante de uma diva da realeza. Até suas cabeladas no ar tinham o peso gótico de um filme do expressionismo alemão. Que mulher!
What The Water Gave Me – Florence And The Machine no Lollapalooza 2016
BAILÃO FUNK EDMZADO
A delicadeza e rebuscamento de Florence, acompanhada de sua banda que não à toa se chama The Machine, deu uma suavizada no tom adolescente-trap-edm-funk que tinha tomado conta do palco Onix um pouco mais cedo, quando a dupla Skrillex e Diplo, que juntos formam a dupla Jack Ü, transformaram o Lolla num bailão de funk, pop e EDM.
Os meninos acabaram de ganhar o Grammy de melhor álbum de música eletrônica e chegaram pra tocar para uma plateia lotada de fãs, com bandeiras e faixas do Jack Ü. Diplo e Skirllex são uma metralhadora que soterra tudo o que possa existir no pop, no top 40, em brostep, EDM e bass music. O som é histérico, alegre, maloqueiro e épico, prova de que a dance music mais eletrizante possível é tão grande quanto o rock hoje em dia; é o que falamos ontem da aura hardcore hoje estar mais no dance do que no rockão – ao menos no Lollapalooza 2016. Como esperado, teve os momentos de MC Bin Laden pulando com seu corpinho de bailarina espanhola no palco e, claro, Wesley Safadão. Obviamente a galera ficou ensandecida.
Tá Tranquilo, Tá Favorável, MC Bin Landen no show do Jack Ü no Lolla
Baile de Favela no show do Jack Ü (vídeo: Jéssica Guedes)
O domingo no Lolla teve outros bons momentos eletrônicos. No Palco Trident, a dupla Zeds Dead intercalou no seu som dubstep hits pouco prováveis, como o reggae You Don’t Love Me, de Dawn Penn e hits desconexos de Nirvana, Zombie Nation e Lou Bega.
Tudo emoldurado por uma projeção poderosa e pirotecnias típicas da nova geração de artistas do trap de arena, como chuva de papel picado e canhões de serpentina. Antes deles, também no palco eletrônico, o esloveno Gramatik entrou um som sofisticado usando como base para sua viagem a bass music e o velho e bom funk norte-americano. Foi elegante, foi favorável. Agradou demais a galerinha, inclusive ganhou dos novos fãs, os estudantes Eduardo, de 14 anos, e Murilo, de 15, que contaram ao Music Non Stop no trem de volta pra casa, que o esloveno, na opinião deles, fez um dos melhores shows do Lollapalooza 2016.
Nossa saga pelo palcão eletrônico teve um boost com a house animada e pop de Duke Dumont, outro que surfa na crista de sua onda, tocando seus hits como Need U 100%, a nova Ocean Drive, que estava tocando na rádio FM já a caminho do Autódromo e que tem um clima funky 80s romântico. Dumont mostrou house music poperô atual, aliviando almas mais houseiras entre tanto trap e EDM – o 4×4 grooveado ainda cabe nos palcões que cospem fogo. Não à toa foi um dos momentos em que mais sacamos a galera se beijando.
Enquanto milhares protestavam na Paulista, outros milhares gastavam muita sola do All-Star no Autódromo. No mesmo Palco Tridente, Karol Conka brilhou com pinta de headliner. A rapper de Curitiba mostrou que está no ápice de sua carreira, mais colorida, energética, e a multidão com todas suas letras afiadas – a guria merecia um slot melhor até, palco principal e o caramba! E dando o ar de feira das vaidades artísticas que é necessário num festival, ela levou MC Carol, que a gente adora, toda revestida no dólar para lacrar seu palco, e o resultado foi épico, tombante. Girl power, black power, ppk power, ninguém segura mais essas meninas!
Karol + Carol – A MC Carol participa do show de Karol Conka no Lollapalooza
Outro showzão de alma bem feminina foi o Alabama Shakes, que valeu a peregrinação até o longínquo Palco Ônix, mais longe que o Mar do Egito. Brittany Howard é a voz, o corpo, o gingado e a emoção do mais bonito e irresistível blues atual, evocando a cusparada emotiva de Janis Joplins e afins, seu rosto e expressões pontuando a ideia e a emoção por trás de cada verso. Banda completa, piano de madeira, guitarras, backing vocal negras e a alma do folk do Mississippi tendo seu lugar de destaque no Lollapalooza, pois ali reside uma origem de muita coisa de que gostamos na música: a alma, o soul.
FUCK DA POLICE
Enquanto a ruiva-diva-magya Florence brilhava no Palco Skol, no Palco Axe, perto da saída, o Planet Hemp foi uma providencial substituição ao no show do Snoop Dogg, queimando tudo até a última ponta enquanto contava os causos dos anos mais famosos e esfumaçados da banda nos anos 90. A polícia era o vilão a ser rimado e satirizado, e foi um bom momento político do festival, apartidário, contraventor e anárquico, mandando todos os partidos para o inferno e destacando o fato de que, não importa em quem você vote, é a juventude que trabalha pra caramba e se fode. Bnegão e D2 sempre dando o papo reto, encerrando um festival diverso, animado e bem antenado com as expressões musicais de nosso tempo.
O som chic do Jungle no Lollapalooza
O Palco Axe teve uma boa dobradinha com Odesza e Jungle. O primeiro mostrou a potência do low BPM e do witch house transfigurado em pop, um misto de bases gordas e satânico que explodem inofensivas com seus vocais radiofônicos. É como um Disclosure mais maloqueiro, calcado em drum machines e em muita base pré-gravada das melodias.
O Jungle, que esteve no Brasil em 2015, mostrou ser um neo-Jamiroquai classudo, black e ácido. Faixas muito bem remixadas e misturadas em sets, como Person e Julia mostraram que aquela atitude glamourosa, de quem se leva a sério na classe e na musicalidade, sempre vai atrair os diletantes musicais.
O line-up encorpado do domingo ainda teve dois shows grandes e lotados. O brasileiro Emicida, mostrando que seu rap já ganhou o pop e virou uma bela atração headliner, com elementos audiovisuais e cênicos dignos do horário nobre que lhe foi concedido. A participação especial do funkeiro MC Guimê foi um dos pontos altos, como era de se imaginar.
Show do Emicida no Lollapalooza 2016
Noel Gallagher, o eterno causador do Oasis, fez um show na linha cedo e sentado, com saborzinho de naftalina. Conseguiu manter o palco lotado, com dezenas de fãs usando a camisa do Oasis e cantando junto as novas composições do inglês.
O domingão no Lolla arrastou 75 mil pessoas segundo a organização do evento, somando impressionantes 160 mil ingressos vendidos nos dois dias. Apesar de cheio, o Autódromo de Interlagos se comprovou como uma locação acertada para um festival desse porte, sobretudo com a estação de trem logo ao lado funcionando a todo vapor nos dois dias.
Claro que não dava pra sonhar com papel higiênico nem chão perfumado por eucalipto nos banheiros químicos, mas a estrutura era tamanha que não se precisava andar quilômetros até achar uma WC decente para se fazer xixi. Outro ponto positivo foi a cotação do dinheiro usado no Lolla, o Mango. Se no ano passado 1 mango era comprado por R$ 2,50, este ano a cotação baixou pra R$ 1 por 1 mango, o que deu um pouco mais de fôlego para quem queria consumir no festival.
Até ações de empresas se diluíram de forma mais harmônica, como o espaço da Skol, maior patrocinadora do festival, que tinha um estúdio de gravação e brincadeiras como a impressão de um poster de festival com a sua foto.
Quem passou pelo festival nesses dois, deve ter caminhado o suficiente para chegar a Aparecida do Norte, mas certamente voltou pra casa satisfeito com a estrutura e diversidade do line-up. Nós aqui já estamos com saudade do cheiro de shampoo importado que emanava do cabelo da Florence. Que venha o Lolla 2017.
VEJA COMO FOI O PRIMEIRO DIA DE LOLLAPALOOZA 2016
Fique com mais fotos lindas tiradas pelos fotógrafos do I Hate Flash