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“O Festival Cidade da Cultura é sobre viver SP para quem é viciado em cultura”

Cidade da Cultura

Stroboscope, de Simon Mc Clure, é uma das atrações do Cidade da Cultura. Foto: Divulgação

Programado para rolar entre 03 e 27 de julho, festival paulistano reúne galerias de arte, livrarias e casas de show; Jota Wagner conversa com o idealizador, Marcelo Sollero

Entre os dias 03 e 27 de julho, São Paulo ganhará um presente muito especial: a primeira edição do Festival Cidade da Cultura reúne dezenas de galerias de arte, livrarias e casas de show para um evento que promove, acima de tudo, um abraço entre o público e a caótica megalópole brasileira.

Isso porque, ao contrário do se entende por um festival, ele não acontecerá em um lugar só, repleto de artistas. Trata-se de um rolê pulverizado, com programações especiais envolvendo 35 galerias de arte, 24 livrarias, três institutos culturais, dez casas de show, quatro de comédia e quatro sebos. Para deixar tudo ainda mais charmoso, cada final de semana ganhará um circuito que poderá ser realizado a pé ou por vans. A ideia é circular por todas os locais participantes durante o dia e a noite.

Gigantesco, o Cidade da Cultura é, na verdade, uma reunião de diversos outros festivais promovidos por Marcelo Sollero, seu criador. Embasbacado com o que viu no Fringe Festival (maior encontro de artes cênicas do mundo), com formato parecido em Ediburgo, na Escócia, Sollero criou coragem para juntar todos os seus eventos em um só. O produtor é responsável por Jam Brasil (música), Arena da Palavra (literatura), Arte em Circuito (galerias), Corpo em Performance (dança) e Ria Comediando (humor).

Para acompanhar a extensa programação do Cidade da Cultura, acesse o site do evento. Mas antes, confira a entrevista que Marcelo Sollero concedeu ao Music Non Stop.

Marcelo Sollero, criador do Festival Cidade da Cultura. Foto: Divulgação

Jota Wagner: Como se originou a ideia do Festival Cidade da Cultura?

Marcelo Sollero: Começou há alguns anos, quando eu fiz uma série de entrevistas na pandemia. Fizemos 36 capítulos falando sobre espaços e arte, de várias artes. Fizemos também um festival chamado Jam Brasil. Há quatro anos, eu tinha conseguido um patrocínio para um festival de literatura. Então eu pensei: por que alugar um lugar só se eu posso fazer dentro das livrarias?

Jota Wagner: Isso é sensacional…

[A ideia] foi completamente intuitiva. Sou um leitor compulsivo, tenho vício de entrar em livrarias, comprar livros… E o conceito nasceu assim. Sou muito entusiasmado com a cidade de São Paulo. Sou apaixonado demais por ela. E existe uma cena de jazz muito forte, em que músicos trabalham todas noites tocando, em diversas casas diferentes. O Jam Brasil nasceu assim. Pensei: “vamos fazer dentro das casas de jazz”. Já fizemos com a Jazz B no passado, Drosophila este ano. Assim nasceu o Cidade da Cultura.

Ele já nasceu com uma programação tão grande, ou você foi adicionando ideias no meio do processo?

Eu estive recentemente em Edimburgo [no Fringe Festival] com uma comitiva. Eles fazem oito festivais simultâneos! Eu sempre tive uma insegurança em fazer um festival com muitos assuntos juntos e deixar as pessoas confusas. Mas quando voltei de lá, falei para todo mundo do conselho: “vamos fazer que vai dar certo!”.  Então trouxemos comédia, quadrinhos, atracões internacionais e incluímos um festival que eu amo, o Arte em Circuito, que envolverá 38 galerias.

Separamos tudo por distritos culturais. Na Barra Funda, por exemplo, você visita o Galpão 556 e ainda encontra uma série de outros lugares. Atravessa o minhocão e chega em na livraria Ponta de Lança. Ali pertinho tem a [livraria] Sentimento do Mundo; desce um pouco e tem a casa de comédia Clube do Minhoca… É um dos vários circuitos que você pode fazer. Passa por casas de jazz, samba, chorinho, comédia, livrarias… A cidade respira isso.

A história de São Paulo é feita de casas, como o Lira Paulistana, o Vou Vivendo, a Galeria Metrópolis, e o festival resgata essa coisa do lugar físico…

Sempre fui um entusiasta disso. Na pandemia, acreditando que tudo ia durar menos de três meses, cometi o erro de ser contra o fechamento dos lugares… Sou muito do mundo real, sabe? Viver é uma coisa muito diferente do que você vê nas telas. Outro dia ouvi, do filho de um amigo meu que não era preciso ir no Louvre, se já podemos ver tudo na internet. Não sei se sou mais entusiasta do que realista, mas acho que as pessoas estão voltando a buscar essa vivência.

Golden Monkey é uma das atrações do Cidade da Cultura. Foto: Divulgação

Um dos lugares do Cidade da Cultura é o Baixo Pinheiros. Um bar mesmo, que toca samba, com vários músicos. Faremos o Samba das Pretas lá, no último dia, e o próprio dono me contou que em dois anos o crescimento de pessoas frequentando aumentou muito. As coisas vindas da Inteligência Artificial são todas falsas. O corte é falso, a foto é falsa. Você pode postar uma foto com alguém no show do Lolapallooza sem sequer ter ido.

Temos amigos nas redes socias que nem existem…

É, então eu acho que o ao vivo, a coisa da rua, de ir de um lugar para o outro e encontrar pessoas, conversar, abraçar e beijar… a cidade está no coração do festival. Você pode ir a uma livraria, depois a a uma galeria ver um quadro com profundidade. O festival é sobre viver São Paulo, para quem é viciado em cultura.

Como foi a recepção inicial do pessoal que você convidou das galerias, livrarias…?

O festival foi feito no formato do que eu vi em Edimburgo, uma relação de trabalho em que todo mundo gasta e todo mundo ganha. Como um festival acontece normalmente? Você aluga um lugar, contrata tudo, equipe, som, artista, põe ingresso para vender, consegue os patrocínios e tudo o mais. Aqui, o que vale é uma parceria com as casas e a gente cuida da divulgação. A curadoria é conjunta. Algumas casas, como o Drosophila, tem programação o mês todo, e nós entramos com o festival em apenas dois dias.

No festival, todos os eventos serão gratuitos?

Os ingressos ficarão disponíveis em um aplicativo do festival, gratuitamente. Quem retirou seu ingresso conosco entra sem pagar, em uma lista como a de convidados, por exemplo.

Quem não estiver sabendo do festival e quiser frequentar a casa normalmente, pode pagar seu ingresso e entrar então…

Exatamente. Nós não temos ingressos para toda a capacidade das casas, mas uma parte.

Dá para dizer que o Festival Cidade da Cultura foi totalmente inspirado em Edimburgo? Ou ele já estava se formando na sua mente, antes?

Lá foi a consolidação. O que tinha antes era muito insegurança em juntar vários festivais e um canibalizar o outro. Minha visita lá durou dez dias. Eu via quatro espetáculos por dia, mais stand-ups, mais improvisos de jazz… Foi uma consagração do que é possível fazer nesse formato. Havia uma dúvida muito grande minha sobre como fazer tudo isso. O que mais fiz lá, então, foi conversar com todo mundo. Durante o Fringe também tem um festival de literatura.

Quero também incentivar as jam sessions. Nossa cena de jazz é muito forte, temos uma demanda de músicos maior do que a oferta. Temos muito a criar, principalmente nos encontros. Essa é a essência do festival, a possibilidade dos encontros. Foi isso que vi em Edimburgo, e o quanto é importante para a cidade.

Ten Thousand Hours, de Darcy Grant, é uma das atrações do Cidade da Cultura. Foto: Divulgação

O que você gostaria de deixar para a cidade depois do Cidade da Cultura?

Que as pessoas conheçam os lugares. A missão estará cumprida quando todos os espaços verem seus públicos crescerem, com mais gente indo nas livrarias, casas de shows e galerias. Esse é o legado que eu quero deixar para a cidade.

Como é que você entrou nessa vida de produtor? Um festival como esse não surge do nada.

Acho muito legal você fazer esta pergunta. Porque dia 05 de junho de 2005 [há quase exatos 20 anos do dia da entrevista], eu estava largando meu trabalho na engenharia para abrir um espaço cultural na Vila Madalena [Espaço Ato Cultural, que foi rebatizado como Galeria da Vila]. Ele ficou em atividade entre 2005 e 2012 e foi isso o que me moveu nos últimos 20 anos.

Acabei tendo o privilégio em trabalhar com teatro, música, dança e cinema. Daí veio minha paixão por São Paulo. É interessante falar disso, porque as pessoas acham que você tem um “estalo” um dia e todas as coisas simplesmente acontecem. E não, tudo dá muito trabalho. Me considero fruto de muitas parcerias. Foram músicos, artistas, diretores, maestros, amigos, produtores e financiadores. E esse festival também é fruto de parceria. Ele só está em pé por causa disso. Já está começando tão grande que agora as pessoas estão nos procurando para entrar na programação. 

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