Festival Cecília Viva vem para saudar o passado e construir o futuro de uma das casas mais importantes da cena underground paulistana
Dizem que tudo pode resultar em algo positivo. Difícil pensar desta forma analisando a triste história da Associação Cultural Cecília, uma casa que movimentou o cenário independente paulistano com centenas de shows, como Lee Ranaldo, Rakta, Autoramas, Os Haxixins e, principalmente, muitos novos artistas que precisavam de um espaço para divulgar sua música. O espaço abriu em 2008 e fechou as portas no ano passado, após um estranho assalto que, além de fazer sumir todos os equipamentos, ainda terminou com atos de vandalismo que destruíram sua sede.
Aproveitando um casarão antigo na rua Vitorino Camilo, bem ao lado do Parque Savoia — uma linda vila com 14 casas construída em 1930 por Arnaldo Maia Mello —, a Associação Cecília reunia palco, estúdios, tatuagem e principalmente, festas muito bacanas. Um reduto para quem queria fugir dos rolês comerciais. Tudo lá tinha jeitão de república de estudantes. A associação também abria suas portas para outras atividades culturais, como exposições e teatro.
O triste vandalismo serviu para lembrar os paulistanos sobre como o lugar era legal. Muitas festas no Cecília andavam vazias. Agora, todos sentem sua falta, a ponto de organizarem para de fevereiro de 2025 o Festival Cecília Viva, no Cine Joia. Uma festa para juntar grana e quem sabe, recuperar o amado centro cultural paulistano. O evento ganhou ares tão importantes que motivou até mesmo um reencontro da banda Rakta, revelação da música independente brasileira que parou suas atividades muito antes do que deveria, há quatro anos.
“O Rakta nunca acabou oficialmente. A gente nunca sentou juntos e disse que a banda acabou”, me conta Paula Rebellato, fundadora do grupo de punk eletrônico, ao lado de Carla Boregas, que foi embora do país, tornando inviável a sua continuação. “A Carla voltará ao Brasil por alguns meses, e aproveitando sua estadia aqui, achamos uma boa ideia reunir a banda para este show em prol do Cecília.”
Os palcos da Associação Cultural Cecília foram um dos lugares onde a Rakta começou a chamar a atenção dos paulistanos, levando-os até mesmo a shows internacionais. “Tocamos muitas vezes lá”, continua Rebellato. “O fim do Rakta foi muito difícil, era o projeto da minha vida. Para dizer a verdade, ainda não sei nem dizer direito como estou me sentindo.”
A volta da banda, deixam claro, é pontual. Uma forma de confirmar a importância do Cecília para o cenário underground paulistano, e também do Rakta — dois ausentes que despertam saudade e nostalgia aos fãs de música na cidade. Além de Paula e Carla, Maurício Takara também sobe ao palco, assumindo a bateria.
“O que aconteceu com a Cecília Cultural foi devastador. Esse festival não é só para impulsionar um novo ciclo em um novo espaço, mas para reafirmar a importância de lugares onde a música cresce”, conta Renato Joseph, um dos idealizadores do espaço. “Voltar ao palco para um evento como este é um privilégio e um chamado para quem acredita na força da arte e da coletividade. A Associação Cecília nos ensinou que, mesmo em tempos difíceis, a cultura pode ser um abrigo.”
Paula Rebellato completa:
“Neste meio tempo [após 2020], teve outras propostas para reuniões da banda, mas nunca deu certo. Desta vez, como tem a ver com a Cecília, a nossa relação com o Renato e o fato de o Maurício e a Carla estarem no Brasil, acho que tem tudo a ver. Agora, o que vai acontecer disso, eu não faço ideia. Da minha parte, sempre me mantive muito aberta a fazer as coisas. Nunca considerei uma porta fechada”.