Costuma-se dizer que toda unanimidade é burra… mas não surda. Do alto de seus 21 e 24 anos, respectivamente, os irmãos ingleses Howard e Guy Lawrence conseguiram, em seus pouco mais de cinco anos de carreira como Disclosure, agradar a ouvidos desde os porões do underground até os mais vastos e reluzentes palcos do mainstream.
Em 2015 eles lançaram o segundo disco da carreira, Caracal, depois de um álbum de estreia (Settle, de 2013) simplesmente avassalador. E o mais interessante no som dos meninos é essa intrigante capacidade de agrada dos mais puristas fãs de house até as massas de FM.
When A Fire Starts to Burn, de 2013, virou clássico imediato com este clipe dirigido por Bo Mirosseni
Disclosure “When A Fire Starts To Burn” from Bo Mirosseni on Vimeo.
“Crescemos ouvindo músicas com vocais. Só fomos conhecer dance music aos 18 anos. Conhecemos muito mais sobre canções do que sobre beats”, disse Guy, durante entrevista exclusiva ao Music Non Stop, na Electric House On, em Notting Hill, Londres, em julho do ano passado. “Ainda bem que nossos pais tinham uma coleção muito absurda de discos de soul music. Então escapamos das Spice Girls (risos). Em vez disso, ouvimos muito Michael Jackson
Era uma manhã chuvosa e os dois meninos atendiam a alguns jornalistas nesse misto de casa de shows e cinema na Portobello Road. Durante uma conversa de mais de 20 minutos, eles falaram sobre sucesso (“tentamos nos manter saudáveis”), a recente paixão por música brasileira, a amizade com Lorde, o buchicho sobre a parceria com Madonna
Leia abaixo a entrevista completa.
Music Non Stop – A primeira faixa de Caracal, Nocturnal, tem participação do The Weeknd. Soa como se vocês tivessem feito um mashup da clássica de chicago house, Your Love, com Michael Jackson
Howard Lawrence
Guy Lawrence – Eu comecei a trabalhar nessa batida logo depois da morte de Frankie Knuckles. Então foi com certeza inspirada por Frankie Knuckles.
Music Non Stop – Depois do hit enorme que foi o primeiro álbum de vocês, aposto que muita gente quis participar desse segundo disco. Como vocês escolheram as participações, Lorde, The Weeknd, Nao, Sam Smith…
Guy – Começamos com alguns nomes em mente, a gente sabia que queria muito trabalhar de novo com o Sam, porque ele é amigo nosso. Mas claro que dá trabalho conseguir gente como The Weeknd porque eles são superocupados e você tem que falar com a gravadora, tem todo um trâmite. Ao mesmo tempo chamamos artistas como o Jordan Rakei, que canta a música Masterpiece, que é um nome totalmente novo, foi um amigo nosso que o viu cantando num bar na Austrália que nos indicou. Então não importa se é alguém famoso ou não. A gente quer gente que vai trazer algo de diferente e que cante pra caramba. Pode ser qualquer pessoa, Jordan, Sam, Lorde…
Music Non Stop – Ou mesmo a Madonna?
Howard – Sim, pode ser a Madonna. Mas ela não está nesse disco. Ela já veio a alguns shows nossos, porque ela é nossa fã. Nós a conhecemos, mas nunca chegamos a falar sobre fazer algo juntos.
Acho que quando você posta uma foto junto com uma estrela hoje em dia as pessoas já entendem que vocês estão fazendo algum trabalho junto. Houve mil boatos, mas nunca nada consistente. Foi a mesma coisa com a Lorde, nós postamos uma foto com ela e logo as pessoas já entenderam que íamos fazer algo juntos. Mas nesse caso era verdade (risos). Com a Madonna, a gente adoraria, talvez role ainda. Mas ela é muito legal.
Music Non Stop – Vocês cresceram em Surrey (sul da Inglaterra), numa cidade pequena. Existia uma cena de clubes lá? Como vocês se “contaminaram” com house music, especialmente a de Chicago?
Guy – Era uma cidadezinha (Reigate), não tinha cena nenhuma. A gente tinha que viajar, vínhamos pra Londres ou então pra Brighton. Foi lá que eu conheci dance music, vi os primeiros DJs. Mas ainda bem que nossos pais tinham uma coleção muito absurda de discos de soul music. Então escapamos das Spice Girls (risos). Em vez disso, ouvimos muito Michael Jackson, Stevie Wonder. Eu comecei a tocar bateria quando tinha 3 anos. O Howard começou a tocar baixo aos 6. Eles sacaram que a gente curtia música, então resolveram guiar nosso caminho.
Music Non Stop – Eles são músicos?
Guy – Sim, os dois são cantores. Meu pai toca guitarra e minha mãe toca piano.
Music Non Stop – E quando vocês começaram a fazer música?
Guy – Tive uma banda antes da gente fazer o Disclosure.
Howard – Mas o Disclosure foi a primeira vez que fizemos música juntos.
Music Non Stop – E a ideia era desde o início fazer música pra pista de dança?
Howard – Nos primeiros dois anos a gente estava mais focado em fazer sampling e beats, ainda não tínhamos cantores. Então no começo era uma vontade de fazer coisas mais estranhas. Foi só quando começamos a trabalhar com vocalistas que sacamos que podíamos fazer algo mais pop. E preferimos dessa forma. Trabalhar com gente é mais legal do que apenas fazer beats no nosso quarto.
Guy – Crescemos ouvindo músicas com vocais. Só fomos conhecer dance music aos 18 anos. Conhecemos muito mais sobre canções do que beats.
Music Non Stop – Vi vocês no Coachella em 2014 e foi…
Guy – Uma tempestade de areia (risos)
Music Non Stop – Sim, mas, além disso, vocês arrastaram todo mundo que estava nos outros palcos pra ver o show de vocês. Deve ter sido importante pra vocês, não?
Howard – Foi muito intenso. E acabamos tocando no festival seguinte, o que é algo meio proibido, tocar duas vezes seguidas. Mas foi inesquecível, sim. Queremos tocar lá de novo ano que vem.
Music Non Stop – Qual é o papel de uma gravadora? E por que vocês quiseram montar uma?
Guy – Acho que a gravadora tem usos diferentes dependendo de quem você é como artista. Se você for um cantor e não escreve músicas, a gravadora é muito importante pra te aproximar de produtores, compositores etc. Pra nós, tem um pouco menos de utilidade, porque não temos um diretor artístico que nos diz com quem trabalhar. Nossa gravadora basicamente distribui o que nós fazemos.
Howard – Pra nós é importante por causa da distribuição e do marketing. O que é importante. A promoção da música é mega importante. A gente não conhece essa parte, então a gravadora faz isso por nós.
Music Non Stop – Mas vocês, como gravadora, como são?
Guy – A gente faz isso por amor. Estamos superconectados com a cena underground, especialmente na Inglaterra. Compro muito vinil ainda, porque ainda toco bastante como DJ. Gostamos de educar as pessoas, mostrar de onde vêm nossas influências, que basicamente vêm do underground. Agora o techno está enorme no underground. Nos EUA, trap está com tudo, eu não gosto muito, mas fico de olho no Rustie, porque gosto muito. O selo pra gente é uma forma de lançar sons bem underground, de que gostamos muito. Mas é num nível bem pessoal, não focamos em grana.
Music Non Stop – Vocês são tão grandes na cena eletrônica, mas nunca se misturaram com a turma da EDM. O que acham dessa onda?
Guy – Dependendo de onde você está no planeta, EDM significa uma coisa. Na Inglaterra, EDM se refere a DJs como Avicii e Tiesto. Já nos EUA, EDM é quase tudo que envolva um som eletrônico, qualquer DJ.
Howard – Nós somos mais conhecidos com um duo de house, pop house garage duo. Mas e o Avicii? Não dá pra chamar de house, certo?
Music Non Stop – Quero dizer, vocês fazem música pop. Mas também é eletrônico. Mas em nenhum momento soa previsível como muitas vezes a EDM, que você sabe exatamente quando virá o break…
Guy – Não acho que sejamos mais uma dupla de house music, somos apenas o Disclosure. Neste novo disco tem tantos gêneros diferentes, experimentamos com novos andamentos… tem um pouco de garage, um pouco de r’n’b, um pouco de house…
Howard – Acho que um disco bom deveria ser assim. É a mesma coisa quando você ouve um disco do Sam Smith. Você pode considerá-lo um artista pop, mas quando você ouve o álbum dele tem de baladas até faixas de disco music. Mas a voz dele é o que vai ficar marcado. A mesma coisa com a gente. Não temos uma voz apenas, mas temos nosso som característico.
Music Non Stop – E como foi gravar com a Lorde?
Howard – A gente tocou junto no Brit Awards, ela é muito profissional e uma cantora incrível e somos amigos dela. O disco já estava quase finalizado, mas ela veio pra Londres e ligou pra gente. Claro que ficamos a fim de ver no que ia dar. No final, a gente ficou muito feliz com a música que fizemos com ela.
Music Non Stop – E por que o nome do disco é Caracal, o nome de um tipo de gato?
Guy – Como trabalhamos com tanta gente diferente e escrevemos as músicas com toda essa galera, tem mensagens muito diferentes no disco. Em vez de escolher algum sentimento, a gente escolheu meu animal preferido no mundo, que é o caracal.
Music Non Stop – E o que vocês lembram da experiência de tocar em São Paulo, no Lollapalooza?
Howard – Foi tudo tão rápido, mas incrível. Foi nossa primeira vez, não conseguimos visitar muito, não tivemos tempo pra passear nem nada. Mas sou um fã de música brasileira, então quero muito voltar!
Music Non Stop – O que você curte de música brasileira?
Howard – É uma coisa recente, tenho pesquisado há uns seis meses. Fiquei fã recentemente da Elaine Elias. Também adoro tudo do Tom Jobim, claro.
Music Non Stop – E Milton Nascimento?
Howard – Não conheço. Ainda estou descobrindo, quero ir e comprar discos.
Music Non Stop – Existem planos de voltar pro Brasil?
Howard – Estamos com planos de fazer uma tour mundial, com certeza queremos incluir América do Sul. A gente nem conhece o Rio! Precisamos voltar pro Brasil.
Music Non Stop – Pra finalizar, como é fazer tanto sucesso sendo tão jovens? Não dá vontade às vezes de simplesmente poder passar um sábado num pub com os amigos?
Guy – A gente vai muito ao pub quando tem tempo de folga. Mas é verdade que a gente tem trabalhado muito e viajado nos últimos dois anos! Ainda bem que pra fazer o disco ficamos aqui em Londres, então pudemos ver nossos pais, amigos. Nossos pais moram aqui perto de Londres, então menos mal.
Music Non Stop – Vocês curtem sair pra dançar?
Guy – Howard não sai muito, nunca curtiu muito, mas eu sim! Eu faço as produções, mixing, então acho importante saber o que está rolando. É quase uma obrigação pra mim e eu gosto. Gosto de ver DJs, também gosto de tocar com eles, fazer aparições surpresa, back-to-backs. O Howard fica mais concentrado na composição das músicas em si.
Howard – Eu nem vou a muitos shows. Eu prefiro ouvir música em casa. Eu ouço música o dia todo. Fico procurando música que não conheço, como essa brasileira que agora estou ouvindo.
Music Non Stop – Sempre tem essa conversa de medo do segundo disco. Estão apreensivos?
Guy – Dizem que você tem a vida inteira pra fazer o primeiro disco e apenas seis meses pra fazer o segundo (risos). Mas já estávamos em turnê antes de lançarmos o primeiro. Então o sentimento é o mesmo. Gostamos de trabalhar sob pressão. Nos faz escrever mais rápido e melhor.
Howard – E tudo depende de como você lida com a fama. Se você chegar ao ponto de escrever seu segundo álbum já viciado em heroína, ou um superalcoólatra, muito provável que seu segundo disco será um lixo. Nós tentamos nos manter saudáveis, sabemos que ainda temos muito pela frente, somos bem jovens. Ainda vamos melhorar, porque ainda estamos aprendendo.
Guy – Quando fizemos o primeiro disco, a gente só tinha um ano e meio de estrada. Agora já estamos produzindo há cinco anos, então estamos melhores. E, assim, se você não melhorou com o tempo, melhor nem fazer outro disco (risos).
Ouça o áudio completo da entrevista aqui
https://soundcloud.com/musicnonstop-172684979/entrevista-com-disclosure