Grupo formado na França em 1968 mistura jazz com rock progressivo e toca nesta quinta-feira em São Paulo
Uma banda surgiu em 1968, com remanescentes da Soft Machine, e que persiste até hoje, acumulando 56 anos de estrada, 14 discos lançados e um detalhe maluco: sobreviveu à morte de seus dois fundadores, graças à genialidade do guitarrista brasileiro Fabio Golfetti, fundador do Violeta de Outono.
O Gong se apresenta em São Paulo, nesta quinta-feira, 4 de abril, em evento da gravadora Balaclava na Casa Rockambole.
A icônica banda, graças à genialidade de seu fundador, o músico australiano Daevid Allen, que formou o grupo, nos anos 60, na forma de “encarnações”, como ele mesmo chamava. Espalhou o conceito musical do grupo pelo mundo, e permitiu que famílias musicais, ou coletivos, se formassem, utilizando o nome do grupo, com variações que íam de Proto Gong, a Mother Gong, Planet Gong e mais um monte de subdivisões a que, na verdade, se tratavam do mesmo universo criativo.
A partir de 1994, o guitar hero e ícone do rock brasileiro Fabio Golfetti, criador do Violeta de Outono, entrou para a família, a ponto de cuidar do cuidar do Gong até hoje, 9 anos após a morte de Allen.
Sim, o fundador da banda sempre deixou claro que o Gong deveria seguir, mesmo após sua partida.
Vive la révolution
O nascimento do Gong está diretamente relacionado à história e à política, destas que rendem uma bela biografia. Em 1967, Allen fazia parte da banda inglesa Soft Machine, pioneira na mistura de rock psicodélico com jazz. Viajou pela Europa ao lado da esposa Gilly Smith e, quando deixava a França, foi informado que não poderia mais retornar para a Inglaterra, pois seu visto havia expirado.
Ao lado de Smith, então professora em Sorbonne, o casal participou ativamente dos protestos estudantis de Maio de 68, que incendiaram a França. A participação na bagunça rendeu aos dois um mandado de prisão, forçando-os a fugir para Majorca, na Espanha. No meio desta confusão toda, Allen, Guilly e os amigos Ziska Baum e Loren Standlee já haviam formado a primeira encarnação do Gong.
Quando a poeira baixou, voltaram a Paris, a convite do cineasta Jérôme Laperrousaz, para compor a trilha sonora de um documentário independente sobre corridas de motocicleta. Rolava, então, o primeiro trabalho oficial da banda.
As encarnações psicodélicas
Banda de rock psicodélico, por natureza, vivem sob as próprias leis. De comportamento, sociais e, dependendo do ácido, até físicas. Desde seu surgimento, dezenas de músicos passaram a entrar e sair da formação da banda, culminando até mesmo na expulsão do próprio Allen do grupo, após ter se recusado a subir no palco, em Cheltenhan, alegando que “um muro energético” o impedia, em 1975.
Doideiras à parte, o grupo seguiu firme. E foi se desmembrando em pedaços, cada um com um “subnome” e diferentes formações: de Mother Gong, capitaneada por Gilly Smith, a Planet Gong, que tinha como novidade a volta de Daevid Allen. Acha pouco? A família ainda contou com o Paragong, o Pierre Moerlen’s Gong, O New York Gong, Gong Maison e hoje, se reunificou de forma quase galáctica, renascendo simplesmente como Gong, graças a um guitarrista boa onda brasileiro, Fabio Golfetti, que conversou com o Music Non Stop às vésperas do show que rola em São Paulo, na Casa Rockambole.
Jota Wagner: Eu vi o Invisible Opera Company Of Tibet (projeto de Fabio Golfetti e Brian Abbot, amigo de Allen) contigo em Belo Horizonte, em 1994…
Fábio Golfetti: Você viu isso? Uau!! Isso foi nos anos 90, foi minha conexão com o Gong.
Fiz quatro discos com esse nome. Na verdade era meu trabalho solo, mas eu usava esse nome pra poder me ligar ao projeto do David Allen. Hoje não participo mais, mas o projeto, na Inglaterra, se mantém até hoje.
Eles continuam fazendo shows.
O Brian, um dos integrantes, era amigo do Daevid Allen. Foi uma coisa muito interessante porque quando participei deste projeto, eu pedi para o próprio Allen para usar o nome Invisible Opera. O nome e a ideia. Era um projeto mundial. O que fiz com esta banda me ajudou a seguir com o Gong.
A gente fazia, na época, uma mistura onda a banda tocava junto com elementos eletrônicos, algo que estava começando nos anos 90. Era o início desta tecnologia. O Claudio, baterista do Violeta de Outono, soltava uns clicks (contagem eletrônica) e tocávamos junto com a parte eletrônica.
Tinha um cara que mantinha uma “revista do Gong”, inglês, chamado Phil Howard. Mandei uma fita cassete com a gravação de um show anterior ao BHRIF (Belo Horizonte Independent Rock Festival) e o cara adorou. Chamou a gente para tocar junto com as bandas Ozric Tentacles e Magic Mushroom Band, na Inglaterra.
O Phill é um jornalista inglês que escreve sobre a árvore genealógica do Gong, do Soft Machine, e comparava com as bandas emergentes dos anos 90.
Foi isso o que me possibilitou abrir esse contato maior com o Gong e, posteriormente tocar com eles.
A música eletrônica restaurou a cultura psicodélica ali…
Eu comecei a tocar nos anos 80, mas eu sempre gostei do lado do jazz, do progressivo, do psicodélico. Então, nos anos 90, teve um momento aí com o New Age, com essa música Trance, que surgiu meio eletrônica, foi uma coisa que eu meio que me identifiquei muito. Era uma coisa que juntava as coisas que eu gostava, a música psicodélica. O Trance Music era uma música psicodélica. Sempre foi.
Você voltou com o Violeta de Outono recentemente, para o aniversário de 40 anos do Madame…
Porque a história do Madame se confunde com a do Violeta, e também com a do grande início do post-punk em São Paulo.
Eu já tinha tocado no Madame com o zero, antes do Violeta, em 1984. Depois montem o Violeta, que ainda não tinha nem nome quando marcamos nosso primeiro show lá. Ná época não tinha muito rótulo. Hoje o pessoal chama de dark, gótico, post punk, mas nos anos 80 isso ainda não existia.
Para nós, o Madame Satã era o lugar onde o rock emergente estava acontecendo em São Paulo. Surgimos no meio da geração post punk, mas o nosso som já caía mais para o rock psicodélico.
Aliás, na época rolava uma espécie de revival psicodélico, puxando pelo album The Top, do The Cure. Echo and The Bunnymen… Falávamos que Echo havia sido congelada em 67 e descongelada em 81.
Só que na época existia um revival psicodélico.
Quando falamos do post punk da geração de vocês, com Akira, Volutários da Pátria, Fellini, identificamos uma explosão criativa em São Paulo. Vocês eram todos da mesma turma? Se encontravam?
Eu acho que sim. O Miguel Barella eu conheci a partir do Guilherme Snart, do Voluntários da Pátria. Dalí, formamos o Zero. Eu tava ligado numa cena, mas, por exemplo, o Alex Antunes, eu já conhecia do colegial. O que acontecia nesse movimento de rock nesse período, dessas bandas, era algo mais intelectual. Não era um movimento de música, de rock’n’roll. De algo que, talvez, existisse nos anos 80. Era um movimento de gente da universidade. Da USP, da FAU.
Você é arquiteto, né?
Eu sou arquiteto, da USP. O Nelson, meu colega do Zero, também. Na verdade, o Zero era uma banda de arquitetos, com o Alberto Birger (ex Nau) e o Cláudio, da FAU de Santos. Foi isso que diferenciou esse movimento…
E as pessoas se conheciam porque não eram tantas bandas, e também por conta dessa formação de todo mundo estar meio ligado a uma USP, a ECA, coisas ligadas a artes. E eu acho que isso que favoreceu que esse grupo tomasse uma dianteira de fazer uma música criativa Para mim, o Violeta era a mais popular dessas bandas.
Fazendo um paralelo com essas bandas estrangeiras, mas eu acho que a gente, pelo fato de a gente querer fazer uma coisa artística, apesar dos nossos vinte e poucos anos. Não queríamos de imitar bandas estrangeiras. Esse foi um ponto que foi positivo dessa geração.
Você, como arquiteto, pode falar mais do que ninguém. O que tem de São Paulo na tua criação, na tua música?
Olha, como arquiteto, eu gosto muito de espaço. A música é a arquitetura usando o espaço e o tempo.
Na música do Violeta não existia uma matemática. Pelo contrário. Quando criei o Violeta tive de desaprender tudo e aprender a fazer uma canção. No Zero, uma banda de arquitetos, a gente tinha uma forma de fazer música, mais vanguardista, misturando jazz, experimentalismo, coisas assim, complexas. Só que a gente não tinha habilidade, habilidade técnica e nem experiência pra poder tocar aquela música.
Quando eu ouço hoje aquelas gravações, eu falo, porra, interessante isso aí, mas realmente faltava algo… Por isso que, quando começamos o Violeta com o Cláudio, falamos: “meu, vamos voltar pro zero, fazer canção aí com três acordes, dois acordes. Então a gente começou a escrever coisas assim, bem simples mesmo.
Em relação à arquitetura, em si, no Violeta de Outono há mais a questão de organização. Uma visão da música mais como uma coisa de organização, de estrutura, arranjos, desse tipo.
Já no lado das letras, eu fui para um lado totalmente diferente do que tem a minha formação de arquitetura, como inspiração. Eu tinha uma namorada chinesa na época. Gostava muito daquela cultura, a ideia meio simbolista da cultura chinesa, da parte de poesia e desenhos, principalmente. Esses desenhos de aquarela e tal. Então, tudo que eu escrevi para o começo do Violeta era inspirado mais nesse sentimento da coisa, da aquarela chinesa, sabe?
Uma coisa meio delicada e transparente.
Eram letras totalmente etéreas e atemporais, mais climáticas, pra poder tentar transmitir uma sensação … sensorial, meio multimídia.
A gente gostava de…
Curiosa sua pergunta, porque recentemente eu fui numa exposição do Pink Floy, dos 50 anos anos do disco The Piper And The Gates Of Dawn. Três da banda eram arquitetos.
Nessa exposição, eu fiquei impressionado porque o Pink Floyd levou muito o conceito de arquitetura para a parte visual da banda. Inclusive, em vários shows você tinha plantas, os desenhos de arquitetura dos shows, do palco, as maquetes das estruturas, aquela parte dos infláveis feitos, se eu não me engano, por um grupo inglês chamado Arch Glam, que era um grupo de arquitetos de vanguarda dos anos 60.
Criativamente, hoje, a sua energia está concentrada no quê?
Eu acho que não paro nunca. Tenho alguns projetos meus, paralelos, meu projeto solo. Eu fiz um disco solo no ano passado, algo que eu sempre quis fazer na minha vida, um disco mais voltado pro jazz ambiente.
Meus dois colegas do Gong, tocaram sax e baixo. As composições estavam guardadas há uns 10 anos. Também fiz um disco com meu filho, Lux Eterna. Outro com Renato Mello, que tocava comigo no Invisible Opera.
Eu fiz o disco com o meu filho, Lux Eterna.
Aí eu fiz um disco com o Renato, o Renato Mello, meu colega que é do Invisible, que você viu lá no brief.
Sim. Mas são todos projetos que eu fiz meio paralelos. Não sei se eu vou conseguir me apresentar ao vivo com um deles.
Meu meu maior trabalho, mais importante hoje é com o Gong.
Eu moro metade do ano, às vezes mais, na Inglaterra, porque o Gong é uma banda que tem uma carreira lá desde 69, uma carreira de mais de 50 anos, e está sempre em turnê. Então eu divido, assim. Com o Gong, chegamos a fazer 80 shows por ano, é muita coisa. Quando venho para cá, tenta achar algum espaço para o Violeta.
Eu tô com o Gong o tempo todo, aí são, sei lá, 80 shows num ano que a gente faz, é muito show, E o Violeta, quando eu venho pra cá, eu sempre tento achar algum espaço pra gente, pro Violeta continuar ativo.
O Violeta atual é a formação original, o trilho, e meu filho tá fazendo os teclados porque o Violeta teve um pedido que foi meio progressivo, então tinha o teclado, então tem músicas que a gente quis incorporar, então nós estamos fazendo um tipo um show do Violeta.
Agora, estamos no meio de uma turnê do Gong com o Ozric Tentacles, vinte e poucos shows. A cabeça não para.
serviço:
Balaclava apresenta: Gong em São Paulo
Data: 04 de abril de 2024, quinta-feira
Local: Casa Rockambole
Rua Belmiro Braga, 119 – Pinheiros
Horários: Portas 19h / Show 21h
Classificação etária: 16+ / menores de 16 anos acompanhados dos pais ou responsável legal
Ingressos: https://www.ingresse.com/gong