Ex-técnica de som do Circo Voador, Mahmundi é a Marina Lima que a geração hipster pediu a Deus
O voo de Marcela Vala, a Mahmundi, foi alçado nos amplos ares da música pop. Seu primeiro disco, homônimo, foi lançado há pouco como resultado da parceria entre a cantora, instrumentista e produtora carioca com o selo Skol Music.
Mahmundi foi apadrinhada pelo grande Miranda no Stereomono, label que conta ainda com Jaloo, Boogarins e Marrero, um bom panorama do talento nacional pop, indie e rock. Natural do subúrbio carioca de Marechal Hermes, Marcela tem 29 anos e vive de música há anos, tanto em voz, guitarra, teclados antigos e nos anos de técnica de som na disputada casa de shows carioca Circo Voador, lugar de intensas “vivências”, como ela frisa, e da descoberta de que uma jovem como ela poderia fazer o que sempre sonhava: música.
“Mahmundi” é um disco doce, ensolarado de verão, e que registra sua raiz carioca. É Brasil 80s, é indie europeu, é mais uma entre tantas minas criativas e talentosas do globo, que derretem gêneros em sons e músicas autorais. Na entrevista abaixo, ela conta como agora está inebriada com o frio, o agito e a noite paulistana, um novo contexto que com certeza influenciará suas novas músicas, além de falar de música e contar boas histórias.
Music Non Stop – Como foi o lançamento do disco no Mirante 9 de Julho?
Mahmundi – Foi muito bom!, Foi tudo foi bem conduzido, e estou muito surpresa como São Paulo me recebeu, as pessoas saíram de casa no frio para ver o show, acredito que tem uma confiança nisso, uma parceria de quem ouve e gosta, fiquei muito feliz!
Feliz de como tudo se entendeu, mesmo com chuva que fez o show parar, voltar… Um show bonito que ensaiamos por 7 dias consecutivos e agora é lindo de ver existir, tomar forma.
Music Non Stop – E a vida em São Paulo? Sente falta do Rio? Suas músicas louvam bastante o sol, o verão…
Mahmundi – Estou há 6 meses aqui. Agora em casa deitada com frio e febre, passando por alguns dilemas, mas foi uma mudança interessante que eu precisava. Perto da minha casa aqui eu vejo o céu, mas agora com algumas paredes, você se inspira de outra forma numa cidade diferente. São Paulo com essa coisa da arquitetura, do tempo, do tráfego que as coisas têm por aqui me inspira de outra forma, e acho que meus trabalhos vão sair diferente daqui por diante.
Penso em produzir o tempo inteiro e SP me remete muito à noite. No Rio à noite eu estava em casa tocando com os amigos, e de manhã eu estava vivendo a cidade. Minhas músicas têm essa conexão com o dia, o mar, e acho que daqui pra frente talvez mude. Ontem mesmo eu saí à noite, você vê as luzes, os faróis, as pessoas… Vai ser uma história boa.
Você está sempre compondo e criando sons e música?
Agora menos com essa coisa do disco, show novo, buscar um baterista e banda, um processo que ainda passa todo por mim. Mas sempre estou alerta, com minha guitarra no chão, me pego escrevendo alguma coisa. O processo é o tempo todo, não tem isso de “de repente saiu”. Tenho sempre um bloco de notas aberto, ou a mensagem de voz do celular pronta, sempre atenta para quando algo surgir.
Music Non Stop – Suas letras são bem românticas. Elas são baseadas em suas vivências ou surgem de outras pessoas, outras histórias?
Mahmundi – Eu observo muito o meu redor. Tenho a sorte de ter muitos bons amigos e boas histórias, essa coisa de viver com os amigos na praia, o jeito que o Rio funciona… Então algumas músicas são sobre mim, outras sobre os outros, algumas sobre mim e os outros. É por isso que acho que as coisas que canto são pra todo mundo! Engraçado como o amor ele é muito parecido para todos. Conto uma história, aí alguém conta outra, você compartilha as vivências, aquilo de dizer “ah não vai dar certo” e seu amigo responde que vai, por algum motivo… É como se a vida fosse muito igual de diversos pontos diferentes.
A gente tá sempre vivendo uma vida similar, mas em histórias diferentes, em lugares diferentes, e sempre nos esbarramos. Prova disso é que muita gente fala que uma mesma música minha é muito “fofa”, e outros falam “nossa, é tão forte…
“Eterno Verão” fala muito disso: apesar de falar de uma vista pro mar, o descanso vale pra todos.
Music Non Stop – Este não é seu primeiro registro, mas é o primeiro disco com patrocinador, selo, o Miranda por trás… O que mudou?
Mahmundi – O disco já tinha sido produzido em casa. Em janeiro de 2015 ele já estava pronto lá no meu quartinho. De janeiro e abril eu terminei os arranjos, chamei os amigos pra tocar. Em outubro vim para SP trabalhar com o Miranda, que foi mais um trabalho de gravar as vozes.
Precisei também de um descanso, o Miranda foi muito bom nesse sentido de estar perto, de falar sobre repertório – ele é muito bom de história, tem muitas vivências. E isso da Skol Music, da equipe competente, foi bom para eu profissionalizar a história toda: disco físico, clipe, tem todas as coisas que queríamos que fossem feitas. Eu poderia ter lançado pela Internet, mas quando você vai entendendo pra onde sua música tem que ir, as concessões que você vai fazendo, acho que você entende que é melhor trabalhar com outras pessoas, com humildade, parceria, e foi assim que decidi levar meu disco. E está dando certo, está sendo um sucesso – um sucesso interno pelo menos.
Music Non Stop – Como é seu home studio?
Mahmundi – Tenho um teclado controlador, que não tem som próprio, você conecta ele no computador e as coisas funcionam. Tenho alguns sintetizadores que garimpei, a gente vai na casa de alguém e descobre que tem um teclado dos anos 80 – eu tenho um teclado de 1982, que achei numa dessas passagens, num porão. Tenho esses teclados antigos e o resto faço tudo no computador. Também uma placa de som, a guitarra, e quando vou gravar as baterias gravo na casa de alguém ou no estúdio.
É um processo muito de conceber as ideias em casa e conseguir gravar tudo no computador – a bateria é a única coisa que não consigo gravar em casa. E algumas peças, um prato ou som diferente, vou lá no Kassin e arranjo, por exemplo.
Quando falo do meu home studio recebo inbox de uma molecada reclamando que nunca vão conseguir montar um! A ideia desse projeto é fazer as pessoas entenderem que se você tem um programa de computador, e você tem equipamentos simples e boas ideias, a cabeça pronta, é possível fazer. Quando eu comecei a produzir tinha uma placa de 2 canais que desconectava do computador e era uma horror! É mais a ideia e a vontade de se fazer.
Music Non Stop – Como foi seu trabalho de técnica de som no Circo Voador?
Mahmundi – Comecei como estagiária. Eu ia sempre lá, ficava vendo os shows, não tinha grana, na outra semana já estava enrolando os cabos! De repente, passam alguns anos e eu já estava pilotando a mesa, fazendo shows grandes, correndo com a lanterna na cabeça, responsável por festival, por evento na praia, 40 graus e você passando cabo na areia de Copacabana, se emocionando muito. Vi muitos shows importantes, cansada e desesperada pra que aquilo acabe logo, mas de repente surge uma orquestra sinfônica incrível.
Foi uma vivência que me deu a possibilidade de olhar pra frente e perceber que eu ia fazer música. Muitos contatos sociais, muitas noites em claro, e a certeza de que fazer música era possível. Todas as bandas que eu admirava, muitos deles jovens, ali na minha frente. Galera que eu lia no Pitchfork, as bandas mais hypadas que passavam pelo Circo, me davam a certeza que nós jovens podíamos fazer música. Saí de lá em dezembro de 2011 falando que era possível fazer música. Não sabia se ia durar, se ia ser fácil, precisei de algum tempo e hoje eu estou aqui, conversando com vocês.
Fiz alguns shows no Circo, pequenos em abertura de festival, agora quero voltar lá tocando com o volume que eu imaginei, que soltei para muitos shows.
Music Non Stop – Tinha muito marmanjo te testando pra ver se você manjava do serviço pesado de som?
Mahmundi – Sim. Mas o que importava era a experiência, a idade. A preocupação era sempre de ter alguém chegando para tirar o trabalho de outro. E eu com 21 já mexia em mesa digital que cara com 40 anos nem entendia, gerava raiva por isso, e ainda por eu estar rindo e me divertindo, com uma uma barra de chocolate na mão cuidando de show. Tem uma coisa da energia da juventude que deixam os caras muito putos – eu falava “cara, aceita”.
Como técnico de som você tem que estar pronto para atender o cliente. A maioria das vezes é pra ser tudo bem, mas muitas não é porque os caras vem pra cima com machismo depois de turnê cansativa… Tem também mulher que não acredita que você não consegue cuidar da mesa, e eu lá acordada desde as 05h da manhã pra montar o espetáculo, coisas com “antes de você nascer eu já estava aqui”. E eu dizia “vamos terminar logo e fazer o show acontecer, porque eu estou há 5 dias sem ver minha família?”. Eu sempre consegui lidar com isso de bom humor, sem grilo, porque depois eu ia pra praia.
Music Non Stop – Hoje tem todo o movimento das minas se juntarem na música, briga por line-ups mais inclusivos… O que você acha disso?
Mahmundi – Cara, eu vivo. Não tenho muito o que dizer, porque eu vivo. Vivo com minhas músicas, minha vida. Os lugares em que trabalhei e na pesquisa que eu faço sempre vi muitas mulheres. Artistas como Jessy Lanza, a Caroline Polachek do Chairlift, Grimes, mulheres japonesas, do Congo, que estão produzindo música. Aqui no Brasil, em SP, têm também muitas mulheres como técnicas de som, as meninas mandam muito bem (no Rio haviam poucas).
Acho que é um movimento que já acontecia. Óbvio que agora a gente está tendo uma ênfase ainda maior, mas falar só de agora é não validar o que está acontecendo há muito tempo. A melhor forma de falar disso é deixar que as coisas aconteçam e se espalhem mais, e eu particularmente escolho que minha música e meu trabalho falem por todas as frentes. Acho muito foda as mulheres estarem com mais espaço, mas acho muito chato não falar das coisas que já aconteciam. Quando a gente fala de arte conseguimos falar de todos os tempos e formas sem deixar ninguém de forma.
Music Non Stop – Dá pra sentir influências de synth-pop fortes no disco, uma sonoridade 80’s. Muita gente comenta que o disco lembra Marina Lima – o que acha dessas comparações?
Mahmundi – Eu acho muito foda. Acho muito bom. Porque imagine: eu fiz um disco em casa, nasci em 1986 e passei os anos 90 com as canções dos 80 na sua cabeça (mas lá em casa meu pai educou a gente de outra forma, era música gospel, de coral, rebanhão, essa onda – só fui ouvir grunge com 20 anos!).
E hoje estou aqui com o pessoal falando que meu som é anos 80, que foi uma época super rica pra música. É legal, e estou sempre vendo o que as meninas tipo a Jessy Lanza e Charlift estão fazendo, minas garageiras também, estou sempre de olho. E o pessoal na gringa está de olho no meu som, veem como representante do Brasil.. É muito intenso, não era pra ser tão rápido isso, mas tá sendo, então vamos nessa!
Music Non Stop – Onde gostaria que o disco e sua música chegassem?
Mahmundi – Quando fiz a parceria com a Skol Music, a ideia era chegar onde eu não conseguiria chegar. Apesar de hoje haver todas essas plataformas, eu fiquei muito surpresa como as mídias sempre vieram atrás pra saber. Eu tinha essa preocupação da música estar nas plataformas, de como a música bate… Quando eu fecho com um selo, quando um trabalho vira físico, ele vai mais longe, eu posso ir pro Nordeste, ir pra lugar que nunca poderia ter ido. Fisicamente, fico muito mais ativa.
Acabei de voltar agora de Ilhabela, num festival com outras bandas, estou sempre atenta de como estar nos lugares. Ser uma artista do nosso tempo não é mais aquela coisa de você ser lindo e distante. As pessoas querem saber quem você é, se a mãe delas gosta de você, o Instagram, o Snapchat… Se materializar na vida das pessoas é meu maior interesse. Por isso mostro meus equipamentos, mostro as guitarras, no encarte tem tudo que eu uso – não é distância, é de estar e permanecer na vida dos outros.
Me preocupo se me comunico bem com as pessoas, se vou gerar novas Marcelas, novas Mahmundis… É esse movimento que me interessa. Nesse momento meu maior sucesso é que todas minhas coisas sejam viabilizadas, estar ativa e aqui.
(Foto de capa: Ariel Martini/I Hate Flash)