Festival de tecnologia e artes toma conta de uma pequena cidade de Minas Gerais, ocupando as ruas com sons, ideias e jovens à procura de conhecimento. Estivemos lá!
Eram duas da madrugada de uma nebulosa quinta-feira quando descemos a pequena estrada, que partia de Pouso Alegre, agarrada à rodovia Fernão Dias (que faz a ligação entre as capitais São Paulo e Belo Horizonte), rumo à pequena Santa Rita do Sapucaí, o município onde, horas antes, havia começado a edição 2023 do festival Hacktown.
Após deixar as malas em um pequeno hotel destinado aos palestrantes do evento (turma que, junto com músicos e staff do Hacktown, lotam a pequena rede hoteleira de Santa Rita, e também dos municípios vizinhos), decidimos dar uma volta pelas poucas ruas de lá, para sacar, ainda com o sangue quente da viagem, a movimentação resquícia do primeiro dia do evento.
Ao subir a avenida que leva à faculdade Inatel, grande polo de tecnologia brasileiro, vizinho ao seu portão principal, uma centena de jovens, orgulhosos em seus crachás de credenciado do Hacktown 2023, saíam da Casa Rockambole – coletivo paulistano de música, que envolve casa de shows e gravadora – após uma sequência de shows de Jambú, Daparte, Maglore, O Grilo e MC Bin Laden. Felizes, breacos, animados, disputando a saideira nos botecos ou nos carrinhos de cachorro-quentinho, gastando o primeiro naco de energia necessária para aproveitar, além dos 13 palcos espalhados pela cidade, as mais de 800 palestras programadas para esta edição do evento, que teve recorde de público.
Santa Rita do Sapucaí, como percebemos ao acordar na manhã de sexta-feira, fica com cara de cidade litorânea em alta temporada. Restaurantes, (os muitos) cafés e ruas lotadas de gente, vagando de um lado para o outro da área central da cidade, com a programação na mão, em busca do próximo evento desejado.
Este, o grande barato do Hacktown. O festival toma as ruas, casas e praças de Santa Rita, motivando um solar vai e vem de gente. Casas e restaurantes são alugados por produtores, desde pequenos selos de música a grandes empresas de telefonia, que ali montam seus palcos, lounges, bares e salas de palestra. Além disso, a prefeitura libera praças e cantos da cidade para o mesmo fim. A grande parte das palestras, no entanto, se concentra na escola técnica ETE – a primeira escola de eletrônica da América Latina, fundada pela benfeitora Sinhá Moreira, de família cafeeira – e o campus da Inatel, o Institudo Nacional de Telecomunicação.
O Music Non Stop fez parte do Hacktown 2023, através da minha palestra “Qual meu valor? Como jornalistas, curadores (e público) enxergam seu projeto artístico”, que rolou no começo da tarde no prédio 1 da Inatel. Só para se ter uma ideia do tamanho da programação, exatamente no mesmo dia e horário aconteciam as palestras de Barral Lima, da Universal Music, sobre o poder das apresentações ao vivo, e a de Juliana Castro, do Mapa dos Festivais, sobre tendências de consumo na música.
Apesar da coincidência de horários, teve público interessado nelas todas, mas é claro que eu gostaria de ter assistido às outras duas! Que mancada, Hacktown.
A lista de eventos, como disse, é imensa. E o festival convida desde bambas da comunicação como Marcelo Taz, a notáveis da ciência e da tecnologia. Neste ano, por exemplo, palestraram Ester Sabino, cientistada responsável pelo sequenciando do genoma do Sars-CoV-2, Laura Ancona, chefa do conteúdo da Alexa, e Ian Beacraft, da Signal and Cipher, uma das principais vozes quando o assunto é Inteligência Artificial, obviamente um dos temas mais procurados no Hacktown.
O line up, no entanto, abrange muito mais: Indústria 5.0, telecomunicações, start ups, games, representatividade e, claro, música.
No final da tarde de sexta-feira, ainda deu tempo a uma mostra de videoclipes em plano sequência, dirigidos por Leo Longo e Diana Burraro, o casal Couple Of Things, responsáveis pela série Uma Volta ao Mundo em 80 Videoclipes.
Conforme o sol vai dando seu tchau por detrás das montanhas que circulam Santa Rita do Sapucaí, a figurativa sede de conhecimento vai dando lugar à sede literal, à vontade de lubrificar a garganta para aplacar a secura do atual inverno sudestino. As luzes servem de guia para os palcos de música, que vão se enchendo de gente.
Ao fim da sexta-feira, as ruas da cidade estavam cheias de ruídos e sons, vindos de diversos pontos, seguindo madrugada adentro.
Na programação musical, muita gente passou pelo festival, com destaques para Céu, Edgar e Supercombo. Mas outro grande barato dos shows do Hacktown são justamente as surpresas. Aquela apresentação que você pega por acaso, circulando de um ponto ao outro.
No sábado à tarde, por exemplo, caminhando sem muita atenção à programação, encontramos a Casa Dinamarca, também grudadinha à Inatel. O casarão antigo fez do seu jardim nos fundos um espaço com um pequeno palco, comidas dinamarquesas e cadeiras espalhadas pelo gramado. Parando para uma gelada, pegamos a passagem de som do músico carioca Saudade. Inebriados pela doce voz do cantor, retornamos à noite para seu show, acompanhado de uma banda detentora do groove poderoso disseminado na época de ouro da MPB. Um blend jazzístico e bagunceiro, que nos rendeu um dos melhores momentos do festival.
E assim vai acontecendo a experiência do rolê. Um entra e sai de pensamentos e referências, tão frenéticos como o vai e vem das pessoas. O domingo é reservado às atrações mais, digamos, curativas – o Hacktown também abrange temas como saude e equilíbrio mental – até o começo da tarde. É quando percebemos o lento voltar para casa dos frequentadores do evento, em escala gigantesca, claro. As ruas voltam a tomar um ar bucólico, o passar das horas ficando mais lento, ao ritmo mineiro, e então enxergamos a Santa Rita do resto do ano em sua incrível dicotomia. A pequena e pacata cidade mineira que abraça, entre seus casarões, a alma da alta tecnologia trazida pelos estudantes da Inatel e da ETE.
Empresas de olho em novos talentos (e vice-versa), artistas atrás do seu público (idem), conexões sem feitas em todos os lugares e surpresas acontecendo em uma cidade vibrante.
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