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Estas 15 fotos provam que a Virada Cultural foi palco do namoro entre as ruas e as pessoas

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Antes de existir Virada Cultural em São Paulo, ir ao Centro da cidade à noite tinha um simbolismo dark no imaginário das pessoas. Com certeza era “coisa de craqueiro” ou de voluntários corajosos cumprindo a nobre missão de distribuir sopa para os sem-teto.

A Virada começou na gestão Serra-Kassab, em 2005, inspirada pela festa parisiense Nuit Blanche. A primeira edição foi pulverizada por unidades do CEU, Sesc e outros teatros da cidade, e o grande momento foi um show aberto da Adriana Calcanhoto, no Parque da Independência.

A edição da Virada de 2006 foi, pra muita gente, a primeira incursão pelo centrão da cidade, levando mais de 1 milhão de pessoas às ruas numa madrugada que deixou os governantes com os cabelos em pé, com notícias de arrastão de celular, cheiro de xixi e outros problemas criados pela repentina possibilidade de, literalmente, do dia pra noite oferecer uma opção de lazer gratuita ao longo de toda uma madrugada.

Lembro da minha primeira vez na Virada, isso deve ter sido em 2007. Além das atrações bombásticas programadas praquele ano, que tinha de Racionais MCs a Tom Zé, um palco de música eletrônica com DJs gringos e nacionais levou milhares de clubbers à região da Bovespa, que foi transformada em pista de dança. O Centro tinha virado uma verdadeira boate e o maior desbunde foi a experiência de sentir um contato direto com a cidade, lugar que até então servia apenas de passagem para as nossas correrias urbanas. Foi a primeira vez que senti que, sim, aquela cidade era muito minha também.

A gente cresceu aprendendo com nossos pais que São Paulo é uma cidade dura, violenta, feia, uma terra feita pra gente estudar, trabalhar, se transformar em alguém, comprar um carro blindado e ir pro shopping gastar. Ainda que de um jeito estabanado, a Virada Cultural chegou como um grande elefante branco na nossa mesa de jantar, propondo pela primeira vez uma quebra de paradigma. Abriu-se um portal quase secreto e vimos que a cidade nem era tão feia assim. Podíamos aprender a amá-la, afinal.

Alguns momentos, sem cronologia específica, que pra mim serão eternos como aprendizado de uma cidade que começava a se mostrar como possível: dançar ao lado de um monte de estranhos na Silent Disco, ver um show do Tom Zé maravilhoso depois de me perder dos amigos, cantar todas as músicas dos Mutantes no Parque da Independência, me emocionar com as músicas do Raul Seixas num show tributo, não ter conseguido chegar a tempo pra ver o show do Misfits (mas ter ficado feliz que teve um show tão doido na programação), encontrar amigos que viram, emocionados, o show do Caetano, ver MC Sofia cantando sobre ser menina numa sociedade machista.

A Virada preparou a cidade para uma das festas mais democráticas da música eletrônica, o SP Na Rua. Quem foi este ano pôde constatar que a cidade já estava madura o suficiente para receber uma festa pacífica, organizada, em que as ruas de São Paulo se mostraram prontas para receber seus filhos, de sangue ou postiços, explorando suas vielas e quebradas, balançando nos soundsystem de dub ou fervendo nas pistas de techno. Constatamos ali que uma São Paulo para todos, sem valet, sem grades, sem revista na porta, era possível.

Nesta segunda-feira (5), a proposta do novo Prefeito, de arrastar toda essa diversidade cultural pra dentro de um local de eventos, trouxe à tona a materialização de um conceito de quem sempre assistiu a toda essa efervescência com cara de nojinho. De fato, pra quem via de longe, a Virada nada mais era do que uma grande reunião de trombadinhas batendo carteiras e celulares, deixando como legado um forte cheiro de mijo no ar.

O sonho de uma cidade mais humana parece estar sendo trocado pela realidade de uma cidade higienizada conforme as boas práticas dos grandes outlets de Miami. Nem sempre a lógica empresarial é capaz de compreender um tecido tão vivo (aliás, chamado de “lixo vivo”) que é uma cidade. Empacotar a Virada Cultural é tirar a possibilidade das pessoas se apaixonarem pela cidade.

As imagens de Ignacio Aronovich que ilustram este texto falam mais que mil palavras.

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