E de repente eis que o túmulo do samba virou um fervo interminável de Carnaval. Blocos espalhados por toda a cidade fizeram com que, pela primeira vez, ficar em São Paulo durante a folia não fosse um grande mico. Ao contrário. Tinha música e diversão interessante pra todas as tribos, do povo do eletrônico à galera que buscava um bloquinho mais tradiça, todo mundo saiu satisfeito.
Claro que a bagunça generalizada irritou quem estava só a fim de curtir uma cidade vazia – parece que o sossego por aqui durante esse feriado ficou enterrado no antigo túmulo do samba rs. E ainda falta um tanto de infra, como banheiros químicos e ambulantes organizados nas ruas. E tem também os malandros que se aproveitam da alegria alheia pra praticar um dos esportes nacionais favoritos, o roubo de celular.
Mas voltemos ao status de fevereiro de 2016 em São Paulo: habemus Carnaval. Eletrônico, hipsterizado, punk, baiano, de Bowie, de Caetano, enfim, existe Carnaval de rua em SP. O Music Non Stop ouviu depoimentos de paulistanos de certidão de nascimento ou de coração até então virgens dessa carnavalização de rua da cidade e também se convenceu: ano que vem é Carnaval em São Paulo na cabeça.
UNIDOS DO BPM DESDE CRIANCINHA
Edu Corelli, 46, DJ
“Meu Carnaval foi um combo, saí no sábado somente e comecei tocando no Carnaraww do Renato Ratier em sua loja (Ratier), fiz back to back com o DJ Guilherme Nogueira, além de ser um dos garçons mais fofo do Bossa, e passei o tamborim, opa, o som pra DJ Ingrid.
Daí migrei pro Centrão pra ver o bloco Unidos do BPM e toquei no after bloco deles, num clube ali na Nestor Pestana. Minha fantasia foi “vitrine viva”; fiquei parado no (bar) Estadão junto com meu amigo mangueirense, DJ Alex S vendo o bloco Unidos do (bom) BPM passar e aquele mar Egeu fazendo ponte entre offclubbers, neoafterskids, fashinonistas, foliões trintages e famílias inteiras no cordão da house music.
Um curta metragem passou em minha cabeça, quando morava em Santana, eu e uma turma de amigos (gays e héteros animados) pulávamos horas ao som house music (sim, os DJs tocavam house naquela época a noite toda e lá no final da noite tocavam sambas-enredo, mas o fervo era na porta do clube Homosapiens) na Marquês de Itu. Como eu previ, 2016 é o ano do refresh e o clã da Unidos do BPM (com os fofos Bruno Matos e Kaue Magalhães à frente) me fizeram feliz em voltar no tempo sem sentir mofo ou saudosismo, pois pra frente é que se samba ou dança. São indiscutivelmente o primeiro bloco de house music do Brasil, num futuro certeza que irão virar um trio num caminhão gigante. Merci a tous.
MONTAÇÃO E GLITTER PELAS RUAS DA CIDADE – E DE CARA LIMPA!
Patty Ventura, 39, produtora
No sábado (6), acordei cedo para ir ao bloco Tarado Ni Você, que se concentrava na esquina da Ipiranga com a São João. Eu já tinha decidido que não beberia no primeiro dia de Carnaval e odeio acordar cedo, então estava achando que seria um dia uó. Às 10hs já tocavam minha campainha com garrafas de cerveja e catuaba enquanto eu me montava, careta. Então fomos. O sol estava castigante e milhares de pessoas se espremiam atrás do trio elétrico e no meio dos carrinhos de bebida. Como estava só na água fiquei muito mais esperta com os limites do meu corpo: depois de umas duas horas andando saí do meio do bloco (sob a crítica embriagada das minhas amigas) para almoçar e descansar um pouco as pernocas.
Normalmente, àquela altura do dia, eu estaria tão cansada que depois do almoço só ia querer ir pra casa dormir. Mas não! Graças à água e à bela ajuda de uma palmilha ortopédica (#ficaadica) consegui ir pra mais dois blocos: Unidos do BPM e Minhoqueens, onde encontramos um casal de amigos e fizemos várias performances inspiradas na fantasia do meu marido. Isso sim foi brincar o Carnaval!!! Espírito zueira sem fim, entrando em açougue e em igreja, parando foliões no meio da rua pra tirar um sarro (o que foi um pouco arriscado, confesso). Sob o olhar sóbrio prestei mais atenção no clima “Carnaval pode tudo” (montes de desrespeito, oportunismo, gente sem noção tacando espuma na cara de desconhecido, sujeira, excessos pra todos os gostos) e me irritei, claro. Mas vi também que é possível curtir o lado bom da história: se montar e se encher de glitter, vestir um personagem e sair pela cidade pra dar risada com os amigos e dançar aquela música que você nem sabe o nome, mas tem um batidão maneiro. É isso. Equilíbrio no Carnaval? Pode sim e é legal! Nunca cheguei tão viva e feliz numa quarta-feira de cinzas!
TOCANDO TECHNO PRA 20 MIL PESSOAS
Marcio Techjun, DJ
Toquei no bloco Unidos do BPM e foi foda. 20 mil pessoas. Não esperávamos tudo isso. As pessoas estavam felizes pelo carro de música eletrônica, dava pra perceber que todos ali abraçaram a causa.
DICAS DAS AMIGUE PRA SE JOGAR COM FÉ, DA VERA HOLTZ À NATAÇÃO NO CHARANGA
Gaia Passarelli, 38, jornalista e apresentadora
Então fomos todos para o Carnaval de rua em São Paulo. “Todos” é quase literal – este Carnaval bateu recordes de público, com dois milhões de pessoas nos blocos. Pode não ter sido totalmente tranquilo, mas foi altamente favorável. Porque mesmo com relatos de excessos e violência (sim, tem isso e não é pra ter) a maior parte das histórias são de gente feliz, música, bagunça e ruas tomadas de gente.
Este ano estava no clima de lavagem de alma, e colei nos amigos que são experientes com folia para me abastecer de dicas preciosas: sair de casa cedo, beber muita água, não usar sandália, prestar atenção aos pertences. Outras expertises eu levo da vida, como sair com dinheiro trocado, não beber catuaba e sempre saber a hora de ir embora. Tive que jogar dois pares de sapatos fora e ainda tem muita purpurina prateada no chão do box, daquele tipo bem fininha que gruda, mas faz parte.
Meu primeiro Carnaval de rua na minha cidade é uma coleção de cenas deliciosas. O povo na Dom José Gaspar cantando Timbalada, o bloco descendo a Augusta, a batucada do Ilú Obá de Mim, os Amigos da Vera Holtz, uma menina vestida de “natação” (com maiô, touca e óculos) encarando a água que descia pela Santa Cecília durante a tempestade na Charanga do França. Minha alma nascida em fevereiro e moradora da Vila Madalena está satisfeita. É meio como se encontrasse um pedacinho de mim que estava faltando. E acho que é assim pra cidade também – as pessoas nas ruas são a parte de São Paulo que ficou tanto tempo guardada, isolada, com medo. Não mais. Vamos juntas.
POR UM CARNAVAL DE RUA SEM GOURMETIZAÇÃO
Luciana Rabassalo, 27, jornalista
Os movimentos de ocupações dos espaços públicos na cidade de São Paulo são alguns dos responsáveis pela valorização e pelo desenvolvimento do carnaval de rua na capital paulista. As festas underground de música experimental que começaram a ser organizadas por coletivos de artistas em 2012 foram, aos poucos, trilhando caminhos para que a mais importante expressão da cultura brasileira pudesse voltar a ocupar as avenidas concretadas da cidade com glitter, fantasias e muita criatividade.
A primeira edição do festival SP Na Rua, em janeiro de 2014, foi o que pode ser chamado de “evento teste” para a forma como o Carnaval 2016 foi desenvolvido. Os artistas, DJs e coletivos se inscreveram para apresentações no evento e a Prefeitura forneceu os banheiros químicos, organização do trânsito, a segurança e a limpeza das ruas. Coube ao público desfrutar de efervescência cultural de São Paulo, de forma gratuita, enquanto ocupava as ruas do centro de São Paulo. A premissa do Carnaval – que foi devidamente regulamentado este ano – é basicamente a mesma: os blocos se inscrevem e o Município cuida da estrutura. A regra mais importante, contudo, é a democratização da festa. O Carnaval é na rua, feito pelo povo e para o povo. Cordas, abadás e qualquer tipo de gourmetização dos eventos estão proibidos.
Os organizadores do blocos podem buscar patrocínios para melhorias nas estruturas dos trios elétricos, por exemplo – que ainda deixam muito a desejar na capital paulista, mas, o desfile, tem que ser aberto para quem quiser foliar. Nada de lista VIP, nada de carão, nada de comanda, nada de segurança. A diversidade também está nos temas dos blocos. Ilú Obá de Min, que defuma as ruas e celebra a cultura negra, Domingo Ela Não Vai, para os fãs dos hinos do axé na década de 1990, Tô de Bowie, para quem quer reverenciar o camaleão em ritmo de samba, Tarado Ni Você, que reúne os amantes de Caetano Veloso e suas composições carnavalescas, MinhoQueens, uma bela celebração da cultura queer, a lista é longa (que bom!).
O Carnaval 2016 foi ainda mais especial pelo fato de São Paulo receber um braço do tradicionalíssimo festival pernambucano Rec Beat, que teve como atrações a poderosa Karina Buhr e Dona Onete, diva da música paraense. Ainda vale destacar os palcos montados em toda a cidade e que receberam ótimos shows: Largo da Batata (Moraes Moreira), Anhangabaú (OBMJ convida Samuel Rosa), Taipas (Os Opalas) e Itaquera (Elza Soares). O Carnaval em São Paulo foi tranquilo, foi favorável. Ainda há muito o que melhorar, óbvio, principalmente em questões como segurança, transporte e banheiros, mas o Carnaval de rua por aqui renasceu e está solidificando suas raízes. Que venha 2017!
FERVEÇÃO SEM FIM NO VIADUTO DO CHÁ
Jade Augusto Gola, 33, jornalista
Muito impressionante a empolgação da paulistanada no Carnaval do Centrão – o povo estava ensandecido! Vi desfiles de escolas de samba mais simplezinhas na Av. São João cheios de brilho e energia, vi o (DJ Paulo) Tessuto tocando aquele lance dele meio tech prog na chuva, teve folia parando a Santa Cecília e a Consolação, vários shows legais no Anhangabaú (a Orquestra de Música Brasileira Jamaicana tocando Skank no domingo foi muito buena onda) e todo dia aquele pandemônio até amanhecer na Roosevelt.
Voto como bloco mais legal o Me Ocupa que Sou da Rua, sábado pra domingo de madrugada no Municipal/Viaduto do Chá/Patriarca. Uma festa digna de SP na Rua com trompetes, axé e funk romântico melody dos anos 90. Simbolizou bem a energia festiva non stop do centro dessa cidade maluca que é São Paulo.
CRIANÇA TAMBÉM PODE!
Ivana Dalla Zanna, 39, empresária
Chegamos meio tímidos, sem esperar muito do Carnaval de Sampa. Mas, nos surpreendemos positivamente em vários sentidos. As crianças também puderam curtir juntos, apesar do aperto perto do trio. Os pais mais corajosos seguravam a onda com os rebentos nos ombros e continuaram seguindo o trio.
A ideia da Skol de fazer o Blocon do Magal foi incrível. Além das tradicionalíssimas Sandra Rosa Madalena e Me chama que eu vou, Magal também levantou a galera com hits clássicos dos carnavais de Salvador. Mas o som não tava tão bacana. Acima de 70 metros de distância já não dava pra ouvir muito bem. Mais caixas de som para o próximo ano, please!