Especial Novas Frequências – Saiba como será a edição X do evento em dezembro
Chico Dub conta a história do Festival Novas Frequências, que chega a sua décima edição em 2020, em série especial para o Music Non Stop. Leia o terceiro episódio.
Depois de uma introdução dividida em duas partes sobre a história do Novas Frequências num resumão ano-a-ano, chegou, finalmente, a hora de falar da 10ª edição do festival. Imagino que vocês devam estar pensando: Mas e aí? Vai ser presencial? Híbrido? É festival de live só? Bom, para responder essas e outras perguntas, deixo com vocês em primeira mão meu texto de curadoria. Afinal de contas, nada melhor que um textão do próprio curador pra botar todos os pingos nos is. Certo?
X da questão
Em 2014, durante sua 4ª edição, o Novas Frequências iniciou uma pesquisa que se tornaria uma marca do festival. Naquele ano, Vivian Caccuri realizou uma de suas “caminhadas silenciosas”, um percurso de 8 horas em silêncio por pontos de interesse acústico que buscavam, ao mesmo tempo, chamar atenção para os sons ao redor e promover uma escuta interna, individual. Diversas performances como esta, batizadas de “ações extra-palco”, foram realizadas ao longo dos anos. Uma espécie de programação continuada dentro do festival. Em 2018, por exemplo, Áine O’Dwyer, artista sonora e compositora irlandesa, tocou piano acústico nos 7 dias do evento em diálogo com os sons da cidade — da Pedra do Arpoador ao Aterro do Flamengo; da Praça Xavier de Brito ao Centro do Rio.
Em retrospecto, essas atividades propunham alargar o entendimento do que um festival de música pode ser, criar relações entre o som e os outros campos do fazer artístico e abraçar a cidade como corpo protagonista, como o verdadeiro palco do festival. Outrora desvios dentro da programação, essas ações para além dos palcos se tornaram regra durante a 9ª edição, no ano passado. O objetivo: se relacionar de modo ainda mais intenso com o Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, amplificar a escuta para além das performances propostas.
Eis que devido à pandemia do novo coronavírus em 2020, nos vemos obrigados a repetir o formato adotado na 9ª edição. O contexto atual, claro, é completamente diferente. O “fora do palco” de 2019 se coloca agora de forma ainda mais radical, operando na virtualidade do mundo digital. Não mais em jardins, ruas, pátios de escola, karaokês e igrejas, mas sim nas reduzidas dimensões das telas de computadores e celulares. O que antes era escolha conceitual, agora nos é imposto.
E daí vem a pergunta: como transpor para o ambiente digital a comunhão dos encontros presenciais, a energia viva e explosiva da potência artística? No caso específico do festival, tão preocupado com a sonorização potente e visceral de suas atividades, como deslocar a intensidade, a fisicalidade bruta do som, para uma configuração totalmente não controlada, que se manifesta na forma de caixas de som de computadores, headphones e outros aparatos caseiros?
Sendo um festival normalmente já acostumado ao risco e a fricção, a febre das lives nunca encontraria lugar em nossa programação. Se a arte performática ao vivo encontra-se em estado de suspensão, que permaneça em intervalo até segunda ordem.
Desse modo, o que vamos apresentar nesta 10ª edição não é um simulacro ou emulação de qualquer tipo de live ou de situação musical ao vivo, seja ela qual for. Para um festival com as características do Novas Frequências, o impedimento do encontro presencial se expõe como uma situação perfeita para o estímulo de propostas e fazeres inter mídia, multilinguagem, para além da obviedade do que se espera de um festival de música em tempos digitais. Apesar de frio e insosso na superfície, o meio virtual é, por estas mesmas razões, extremamente potente. Faz-se urgente encontrar novas possibilidades criativas do fazer musical. Não meras adaptações, mas, sim, reinvenções. Novas estratégias para novos tempos.
Há 10 anos atrás, algo bem menor, o cancelamento de um artista internacional por questões com visto de trabalho, mudou o Novas Frequências para sempre. Concebido em sua origem como um festival 100% internacional, esse formato precisou ser revisto imediatamente. Com o passar dos anos, a presença brasileira se intensificou a ponto de ocupar 50% da programação nas últimas edições. Em 2020, entretanto, se torna imperativo fomentar a produção brasileira de forma integral. Ver uma cena construída a duras penas se apresentar em ruínas devido menos à pandemia em si e mais devido a ignorância, fascismo, crises político-econômicas, má gestão cultural e falta de visão da cultura como política pública, coloca o Novas Frequências na obrigação de apoiar a classe artística local, trazendo artistas originários de 13 estados brasileiros.
O “X” adotado como tema central da 10ª edição, não somente celebra este marco histórico – e inédito – para a cena da música de invenção no país, como (e principalmente) evidencia uma das palavras símbolo do tempo presente: a indefinição. Tomando emprestado o uso da letra X na álgebra, o desconhecido que se coloca diante de todos nós precisa ser o combustível promotor de ações e mudanças. Não podemos mais atuar como antes. É necessário agir localmente, integrando amplamente os países latinos, criando e fortalecendo redes e circuitos. É preciso colaborar na base do ecossistema da música, deixando de trabalhar somente na ponta da cadeia – o palco – para se posicionar como uma plataforma atuante em todas as esferas. É urgente revisar criticamente o passado, sair do lugar do privilégio e abrir espaço para as perspectivas contra-hegemônicas. Se a música é uma força unificadora, temos a responsabilidade de repensar o que um festival pode ser.
Uma ótima edição a todxs e que venha o próximo ciclo do Novas Frequências.