Erick Jay, campeão mundial do DMC 2016, dá uma aula de determinação e foco: “usei a estratégia dos mestres japoneses de lutas para vencer”.

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Quem conhece discotecagem se arrepia só de ouvir a sigla DMC.

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O japonês Fummy e Erick Jay na final do DMC 2016: deu Brasil!

O Disco Mix Club, originalmente nome de um programa de rádio da BBC de Londres, surgiu na Europa em 1983 como o primeiro clube de distribuição de discos somente para DJs. Mediante o pagamento de uma mensalidade, o disc-jóquei recebia em casa um pacote de “megamixes” – discos de doze polegadas com versões e/ou medleys exclusivos, feitos por DJs especialmente para os sócios da organização. Como lidava com gravações, o DMC também virou selo. Estrelas como Sasha e John Digweed estavam entre os primeiros assinantes do serviço.

O fundador do negócio, o ex-radialista Tony Princes, decidiu lançar também uma revista especializada que acompanharia a cada mês a pacoteira de oito discos que o DJ recebia na sua porta. A idéia era fazer uma publicação para o profissional das pick-ups. O nome da revista? Mixmag, hoje uma espécie de bíblia pop do mundo DJ.

No Brasil, muito mais do que funcionar como clube de distribuição de discos exclusivos, o DMC serviu para revelar talentos e profissionalizar o mercado. Como sua matriz inglesa, o braço verde-amarelo do DMC também ficou conhecido principalmente pelas competições de DJs.
O responsável pela vinda do Disco Mix Club ao Brasil foi Juninho Thonon. Ele havia trabalhado como DJ montando programas na Jovem Pan. Por meio da rádio, conheceu Paulo Tavares, brasileiro que morava em Londres e exportava discos para a emissora.

Em 1989 o DMC fez sua primeira convenção no Brasil, seguida de um campeonato de DJs. O vencedor da etapa brasileira teria direito a competir com DJs do mundo todo na edição mundial do campeonato, em Londres. No primeiro ano, o vencedor da competição foi o DJ Marlboro, que se tornou então o grande nome do funk no Brasil. Tradicionalmente, o DMC valoriza a performance do disc-jóquei nas pick-ups, sua habilidade técnica, juntamente com a seleção das músicas.

Marlboro no DMC World Eliminations em 89

Com o campeonato brasileiro do DMC, nascia o termo “DJ de performance”. Muito mais um show do que um set, o DJ desse segmento se aprimora em fazer acrobacias com as pick-ups. Ficaram célebres no DMC imagens de DJs fazendo scratches com o queixo ou realizando passagens de um disco para o outro usando os pés. A habilidade de fazer miséria com os toca-discos enquanto se produzem bases e efeitos sonoros ganhou o nome em inglês de turntablism – turntablismo, aqui no Brasil.

Em 1990 e 91, um DJ que tocava numa casa noturna da Freguesia do Ó, a Playboy, levou o primeiro lugar do DMC. Era Cuca, que no primeiro ano fora vice-campeão. Essa primeira etapa de DMC no Brasil ainda teve MC Jack como campeão duas vezes. Com pouca entrada de recursos e muitos gastos com a produção dos campeonatos, o DMC abortou sua estada no país em 1997. Voltou em 2008. E somente em 2016, conseguiu emplacar pela primeira vez um brasileiro como campeão mundial, o paulistano Erick Jay.

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A gente já sabia que seu foco e vontade de vencer ia acabar o levando ao mais alto posto da hierarquia dos DJs do planeta. Saco só esta entrevista, que fizemos com ele em 2014.

Com a vitória, Erick está, além de feliz e orgulhoso, com a agenda lotada. Mas ele encontrou um tempinho pra nos dar a seguinte entrevista, em que mostra que seu foco e determinação foram o fator principal para levá-lo a essa gigantesca conquista. Com você, o campeão mundial do DMC, Erick Jay.

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Music Non Stop – Como estava sua cabeça, já estava se sentindo campeão quando chegou lá pra competir?

Erick Jay – Eu já tava bem seguro na real. Eu fui preparado pra guerra mesmo. Podia trombar qualquer um, eu fui muito estratégico. Não gastei armas à toa, performances à toa. Esse DJ, eu vou usar isso. As performances que eu tinha eram todas de alto nível, rotinas de nível master. Até sobrou rotina pro ano que vem, fui com 12 rotinas de 1 minuto e 1 minuto e meio. Então vou trabalhar essas rotinas pra eu defender o título ano que vem.

Music Non Stop – Quanto tempo de preparo pro DMC?

Erick Jay – Me preparei treinando um ano direto, todos os dias. Eu falei assim: “ou eu ganho ou eu ganho”. Treinei umas quatro horas por dia no mínimo. Quando eu via já tinham passado as quatro horas. Eu fazia os corres que tinha que fazer, dava aula, fazia workshop, tocava nas festas, chegava das festas e dormia umas quatro, cinco horas. Acordava e treinava. Fui bem firme. Eu mantive minha rotina mais focada na real. Tava tudo fácil na mente. Fiz aquela doutrina dos japoneses, igual os filmes de luta. Todo filme de japonês tem os mestres orientais treinando os americanos. Então eu pensei nisso, naquela doutrina. Todos os dias. Agora vai ser um pouco melhor pra administrar. Vou trabalhar as minhas rotinas, deixá-las ainda mais difíceis, pro próximo ano.

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Music Non Stop – Com a vitória do DMC, qual é seu próximo objetivo?

Erick Jay – Com esta vitória, as portas já estão se abrindo bastante. Eu tô tocando bastante nas festas, fazendo bastante workshop nas escolas de DJs, levando bastante informação. É necessário passar informação. Ainda estamos na terceira geração de turntablistas, estamos apenas na terceira geração, já era pra estarmos na quinta. Agora eu quero estourar mesmo, tocar nos festivais, fazer coisas inusitadas, quero fazer participação em bandas. Quero fazer bastante coisa. E vou defender o bicampeonato. Tô sentindo que eu tô embalado, voando, como a gente diz. Mas o que vier agora é lucro, né?

Music Non Stop – Quem são seus maiores ídolos da discotecagem?

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Erick Jay – Meus maiores ídolos são DJ Marky, sem dúvida, KL Jay, CIA, Luciano, da Transcontinental, que faz o Black Som, o King, o Hadji, o Nuts, Tamempi, Dubstrong, DJ Soares, Zé Gonzales, DJ Moreno, de Curitiba, muito bom. O jeito que ele toca é muito louco, ele mixa tudo. Tem muitos caras bons das equipes de som antigas. Tem o Iraí Campos, o Murphy, esses são os nacionais. Internacionais tem vários, o Craze, o A-Trak, Jazzy Jeff, Vkked, Kentaro, C2C, pra mim a maior crew de todos os tempos de DJ, tem o Netik e o Fly, da França. E ainda tem o Shortchut, D-Styles, Q-Bert. A escola americana é incrível. Influências são muitas mesmo.

Music Non Stop – Quais você acha que foram fatores determinantes pra você levar o caneco do DMC 2016?

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Campeão e vice de 2016

Erick Jay – Tem quer focado e objetivo. Ser ousado. Precisa de tudo isso. E querer mesmo. A vontade supera todos os problemas, todas as dificuldades. Vi muitos documentários de auto-estima, essa coisa de liderança, isso me ajudou. Vi o documentário do Schwarzenegger, ele queria ser o mais forte. Aconteceram várias coisas que podiam ter atrapalhado a jornada dele, mas ele foi muito focado. A realidade do dia a dia não deixa você ser focado. Você tem que querer demais, engolir muito sapo. O querer é tudo. Foco, olhar pra frente e não pros lados.

Music Non Stop – Como está o nível dos DJs no Brasil?

Erick Jay – O nível está bom, mas poderia estar melhor. Temos campeonatos que fortificam, Hip Hop DJ, o Quarts, o Amador DJ, O DJ Scratch em Brasília, enfim, DJ Battle Brasil em Belo Horizonte. No Nordeste não temos campeonato ainda. Deveria ter pra ajudar a aumentar o nível em cada estado. Quando você vê os campeões do mundo tocar, você fala: “o Brasil está muito atrasado”. Os caras respiram mais o universo DJ do que nós. Tem muitos caras bons no Brasil, mas deveria ter mais campeonatos pra aprimorar. A gente devia estar entre os top 5 todo ano. Mas é muito difícil pra gente. Se você comparar com a realidade dos americanos, japoneses, franceses, que eu acho que são os melhores, tem vários fatores que ajudam eles lá. Acho que aqui ficamos dependendo de talentos pessoais. Estamos caminhando, demos um passo. Acredito que depois de mim virão mais campeões. Não podemos deixar essa chama se apagar. Estamos preparando soldados pra guerra, pra nivelar. Nossa realidade, em questão de equipamento, por exemplo, é bem outra. Pra nós é tudo mais difícil. Nós temos muito mais DJs que vários países da Europa, mas a diferença é aquela visão econômica. As empresas grandes deviam apostar no Brasil, mas tem a questão de imposto e tudo o mais. Isso atrapalha o desenvolvimento dos DJs. Se tivesse marcas investindo, igual tem nos EUA, lógico que os DJs iam se dedicar 100% do tempo, aí daria pra igualar. Mesmo com essas dificuldades a gente se vira e consegue ainda ganhar.

Music Non Stop – O que você acha que encantou os jurados nas suas apresentações este ano?

Erick Jay – Os jurados são todos campões do mundo ou no mínimo têm um título nacional. Eles acompanham o meu trabalho, estudam todos os DJs antes de julgar. Eles viram que ano passado eu morri na final e também viram que este ano eu estava mais preparado, viram a evolução técnica e mental. Foi um dos fatores determinantes, eu não fui de brincadeira, não dei boi. Ganhei de 7 x 0, 7 x 0. E na final foi 4 x 3 pra mim. Eu sobressaí na final, eles viram que eu fui melhor em vários quesitos, fiz coisas que o japonês não fez. E fui ousado. O japonês usou o Can’t Touch This do MC Hammer na semi. Eu usei na final, mostrei pra ele como era. Eles não têm rodeio os jurados. Eu fiquei na minha sério mesmo. Estava muito seguro. E fui feliz no meu repertório. Isso agradou os jurados. Acho que eu fui mais original e oldschool. Os jurados não gostam de cópia. Sem muita firula.

Music Non Stop – O que muda depois de ganhar um campeonato como o DMC?

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Clique com os Gêmeos <3

Erick Jay – O Pogo, organizador do DMC, me falou: “cara, você é campeão do mundo, é outra história. Não tem visibilidade maior”. Eu fiquei com isso na cabeça. Acredito que muda em vários aspectos. Valorizam mais a nossa cultura, abrem-se portas pra patrocínio. Uma das minhas maiores lutas sempre foi que pra que olhassem pro nosso país, independentemente dos impostos. Quero que isso incentive outras pessoas, quero motivar outra geração, passar a mensagem de quem é possível você ser campeão do mundo. Eu via fita VHS do DMC e sonhava em ser campeão. Um campeão brasileiro mostra pros outros DJs que é possível estar na elite, ao lado dos EUA, Inglaterra, Japão, Alemanha, França. Eu quis mostrar isso, sabe. E também pros novos DJs acreditarem que é possível. Eu costumo falar que eu cortei o mato. Eu, DJ RM. A gente cortou o mato, abrimos uma estrada, pra que outros DJs não tenham que passar pelo que passamos. Equipamento é um fator também, espero que agora eles olhem pra nós. A auto-estima do DJ também muda, aumenta. Muda muito questão de agenda, outros tipos de trabalho. Dá uma visibilidade do caramba ser campeão do mundo. Quem conhece a história da discotecagem sabe a importância do DMC. Pra mim já mudou muito, tô trabalhando dobrado. Nem eu imaginava. Quando eu ganhei, eu saí do teatro eu pisei lá fora e choveu de mensagem no meu Whatsapp. De gente que eu nem conhecia. Eu fui abençoado por várias celebridades, os Gêmeos estavam lá, tiraram foto comigo. Meu Instagram bombou. Nem eu imaginava que eu era tão querido por tantas pessoas. Todos os DJs compartilharam minhas fotos. Imagina, só a fotos com o Gêmeos já valeu tudo. Nem eu imaginava que eu era tão famoso. Meu vídeos bombaram, Instagram bombou. E isso tudo gera mais trabalho.

 

 

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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