Quem tem um bom faro para recente produção de música eletrônica no Brasil já conhece há um bom tempo o nome de Érica Alves. Integrante da banda The Drone Lovers, com Davis e Pedro Zopelar, feminista atuante com seu projeto de workshops de capacitação para mulheres produtoras, o Synth Gênero, produtora, compositora e, mais recentemente, DJ, Érica lançou em março último seu primeiro álbum autoral, Beautiful, cujo título já revela muito do seu conteúdo.
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O álbum, que foi lançado de forma independente por seu selo, o Baphyphyna Records, ganhou um videoclipe dirigido Murillo José, criado para a faixa Better For Us All, com imagens coletada imagens tanto em São Paulo quanto em Niterói, duas cidades que Érica chama de casa. A música um tanto melancólica tem notas de Siouxsie e Cocteau Twins conduzidas pelo vocal afinado de Érica, que canta sobre desapego, ou “foco na missão”, como ela diz. “We gotta learn to fight for ouserlves/this battle ain’t fought by noboby else”, joga como uma mantra sobre nossos ouvidos.
O disco foi todo escrito e produzido por Érica, com exceção de What is Ours, coproduzida por Zopelar, e foi mixado por Rodrigo Coelho aka grassmass. Tá lindo.
VEJA O CLIPE BETTER FOR US ALL
Érica recentemente participou da Red Bull Music Academy, em Montreal, passou uma temporada em Berlim e recentemente resolveu deixar São Paulo, a cidade que escolheu como seu lar por seis anos para voltar para Niterói, sua cidade natal. Disco novo, clipe e a mudança de cidade nos motivaram a falar com a Érica. Depois da entrevista, fica pra ler o texto literário sobre a mudança de São Paulo para Niterói, que ela publicou no Tumblr Baphyphyna.
Music Non Stop – Você saiu de Sampa por quê exatamente?
Érica Alves – Apertou a necessidade de estar perto do mar, e senti uma espécie de “missão cumprida” depois de quase seis anos na cidade. Estava num período em que começaria uma série de viagens, concluí que era a hora certa de dar esse passo.
Music Non Stop – Better For Us All tem uma pegada autobiográfica me parece. O que é “melhor pra todos nós” como sugere a letra?
Érica Alves – Escrevi essa música quando eu me mudei pra São Paulo, e é sobre esse impulso de sair de casa, de Niterói, em busca de realização profissional e pessoal na música. No entanto, a motivação autobiográfica é só um detalhe, um mote. É uma música que fala com algo mais universal, é sobre o desapego, escolhas, foco na missão.
Music Non Stop – Você diz no texto logo mais abaixo que se sentia de uma certa forma estrangeira em SP, ao mesmo tempo estava muito inserida na cidade. Como era esse sentimento?
Érica Alves – Esse é um sentimento que me acompanha ao longo da vida desde cedo, já morei em muitos lugares diferentes desde criança. O exilado nunca deixará de sê-lo, mesmo voltando para o que seria o mais próximo de casa, porque o tempo da ausência o distancia de suas origens.
Music Non Stop – Como ficam os seus projetos com Drone Lovers e Synth Gênero agora que está em Niterói?
Érica Alves – Não mudam em nada, até porque Synth Gênero é itinerante em sua essência. Já realizei a oficina em locais tão diversos quanto SP, Niterói, Berlim, Porto Alegre, Winnipeg, entre outros. Sobre The Drone Lovers, São Paulo é um pulo daqui 🙂
Music Non Stop – Dá pra notar muitas influências de um som mais gótico e 80s no seu álbum, fala um pouco do que te inspirou?
Érica Alves – Sempre gostei desse synthwave mais dark por unir sonoridades eletrônicas e mais experimentais com o melhor da canção. Minha busca por arranjos diferentes e instrumentações inovadoras para embalar minhas músicas é constante e, na época que fiz o álbum, eu estava imersa numa pesquisa de sintetizadores e quis dar uma cara pós-rock pra coisa. Não sei se posso falar de alguma influência específica, mas ali tem de tudo, desde indie a R’n’B, de This Heat a Mary J.Blige, AIR e Lana del Rey.
Music Non Stop – O disco saiu pelo seu selo, Baphyphyna Records, você pretende lançar outros artistas também?
Érica Alves -Pretendo lançar um álbum de remixes das faixas de Beautiful este ano ainda. Já estou com uma lista de produtores incríveis que irão participar!
Quero cozinhar cada centímetro de vocês na minha prosa rítmica, cíclica e melindrosa
por Érica Alves
Fico pensando, mentalizando alguns momentos que tive circa 2013, 2014 mais tardar até mesmo 2016, em que Niterói não estava nos meus planos. Já assimilada aos modos paulistanos, um beijo só, meu, sinuca na Gruta, karaokê na Bento Freitas, udon na Liberdade, aulas de inglês para executivos na Cincinato Braga. Domingo era panquecas no Bar do Adoniran, de vez em nunca um samba ali na Treze, chorinho no Bar da Cidade ou Xangô pros mais antigos. Gostava daquele litrão 8 reais da Brahma, ali naquelas esquinas onde escolhi ser feliz muito bêbada. Cesário Mota com Maria Antonia, o acarajé que prometi a mim mesma que provaria um dia, mas que nunca comi. O kibe recheado de queijo que descobri naquelas últimas noites desesperadas e solteiras e felizes e imprestáveis. Quando não nos respeitávamos mais, nem eu a ti SP e nem você a mim e eu ainda não havia aprendido que eu não era obrigada.
Quantos pequenos momentos de receber o estranhamento dos outros ao meu sotaque que não conseguia me desfazer, uma tatuagem que não me permitia cobrir. Eu era dali mas não era dali, tampouco era de onde havia passado uns bons anos. Esse corpo tantas vezes já desterritorializado agora repatriado num semi-estado purgatório, Niterói como aquela capital ainda agrária, onde chegava o trem.
Onde está você cidade? Nos espaços onde não estou, mas de vez em quando é pra lá que meu cérebro me leva. Não estou te esperando na Puerta del Sol, nem comprando cigarro na Nova Major, nem atravessando por baixo do Minhocão sozinha meia-noite com o cu na mão, mas uma vontade imensa de uma Heineken 600 e os papos.
Quando um dia, meados de 2015, atravessei você, Amaral Gurgel, e um carro quase me pega e eu berro “tá maluco?”. E me espantei com meu sotaque, estranhei minha fala e ri de meus regionalismos com meus amigos paulistas.
É por que isso me sinto imersa na poesia aqui em Niterói. Como se estivesse numa espécie de outra Bahia, na poesia de um suingue reggaeiro levemente afro na fala de seus caiçaras que vão descalços assim mesmo pra praia. Minhoquinhas da terra com diplomas e sem vergonha de serem gostosos.