Francisco El Hombre Foto: Azevedo Lobo/Divulgação

Arranca a cabeça do rei! Conversamos com a banda Francisco El Hombre durante sua turnê pela Espanha

Jota Wagner
Por Jota Wagner

“Arranca a cabeça do rei”, conclama a denúncia política festiva do Francisco El Hombre

Hank Levine e Paola Barbieri Pasquali entrevistaram a banda Francisco El Hombre durante sua turnê pela Espanha


Se muitos esquecem que a Espanha é um reino, menos gente ainda deve saber que “ofender a monarquia” de Juan Carlos I pode levar à prisão. Foi o que aconteceu com o rapper Pablo Hasél em 2018. Talvez tenha sido por isso que a multidão que assistia à banda Francisco El Hombre no encerramento do Festival Murmura em terras andaluzas, em 21 de maio,  hesitou em repetir a ordem de decapitação da cabeça real proposta no palco por seus integrantes. 

“Se cantar em português não tem censura!” alguém propôs. Banda e público entoaram então, em explosivo uníssono, a frase que dá título a esta matéria. Eram duas horas da manhã e a festa estava só começando. 

Algumas horas antes, nos encontramos com FEH para uma entrevista no pátio da pousada em Laujar de Andarax, uma construção anterior à Guerra Civil espanhola. À nossa volta, haviam cadeiras pregadas nas paredes, muitas flores de alcachofra, a torre da igreja do povoado e um burro chamado Baldomero.  Chegando das Ilhas Canárias, FEH se preparava para o que seria o sexto show da turnê espanhola, em um festival situado em um bucólico cenário entre a Sierra Nevada e o mar mediterrâneo. 

 

 

A conversa se iniciou com os irmãos Mateo (vocal e violão) e Sebastián (vocal, bateria) e a intérprete LAZÚLI (Ju Strassacapa, vocal, percussão) repassando um pouco a história da banda hippie politizada que não aceitou mais os cachês injustos da cena alternativa e preferiu passar o chapéu na praça, literalmente. 

A banda já passou por diferentes fases musicais ao longo de sua história. Vocês podem falar sobre elas? Em que fase estão agora?

Sebastian: Na fase inicial,  éramos uma banda que passava chapéu na praça com voz e violão, tocando canções que refletiam a nossa arte, então eram músicas acústicas, repetitivas, muito participativas, muito alegres. “SOLTASBRUXA” (2016) foi nosso álbum de estréia, “pré-adolescente”,  porque a banda ainda estava começando a se  descobrir. Nosso álbum seguinte RASGACABEZA (2019) é o álbum “adolescente” da banda, um álbum com raiva, agressivo, instável. O final da turnê do álbum RASGACABEZA culminou com a pandemia e deixar a estrada desestabilizou o FEH. Parar com o movimento geográfico nos fez repensar muita coisa, nossas relações internas, nos fez entender pela primeira vez o que foram estes quase 10 anos de estrada. Nos conectou com que havíamos deixado de lado por  muito tempo, e a sensação que temos é que, se no  primeiro EP (2014) a primeira faixa do disco se chama “Para Além da Porta do Mundo, com o disco “Casa Francisco” (2021)  a gente volta para casa de uma forma já mais amadurecida, com novas rugas, novos cabelos brancos e novas experiências e nos reaproximamos  do “Nós” pré-adolescente que éramos no começo da banda. “Casa Francisco” é um disco mais caseiro, mais nosso, uma volta ao ninho. 

Cartaz da turnê do Francisco El Hombre pela Europa

Vocês podem contar mais sobre essa faixa “Arranca a cabeça do rei”.

Mateo: Ainda vamos lançar e vai ser a nossa música de trabalho nos próximos meses. Fala claramente sobre o momento que estamos vivendo, nessa reta final do governo Bolsonaro. O momento atual do Brasil é um momento que requer manifestação. A gente vem de um país extremamente violento no seu discurso porque o seu porta-voz,  o presidente,  tem um discurso que elogia torturadores, um discurso que é racista, fascista, sexista. E essa crise política de desânimo, em pleno ano eleitoral. Não é um momento para ficarmos quietos e fazer de conta que nada acontece. Então o momento agora é de juntarmos as mãos, colocar um propósito à frente e levar nossa mensagem. E essa mensagem é ARRANCA A CABEÇA DO REI!

Sebastián: FEH  têm muitas músicas com um cunho político, algumas mais diretas e outras menos. “Matilha”, “Bolsonada”, “Triste, Louca ou Má” são músicas que carregam movimentos políticos que julgamos serem urgentes e necessários, mas há outras músicas também que podem ser convites a repensar atitudes, que talvez  entram no ouvido em uma forma mais sutil,  como no caso de “Coração Acorda”. Dependendo do clima, procuramos trazer músicas de um jeito ou de outro para alcançar nossa meta de transformar, tentar trazer essa leveza, esse “desafogo”, este entretenimento que é necessário. Mas também com direcionamento para que uma sexta feira festiva  se transforme em um fim de semana pensativo e talvez em  uma segunda feira transformadora.

LAZULI: Para mim, nossa música chega agora como um acalanto, que é uma coisa que a gente sentiu que precisava  trazer para o disco “Casa Francisco”.  Era hora de trazer justamente a sensibilidade, a compaixão, a união, o carinho e a alegria, especialmente. Depois de muito caos, do qual a gente falou também nos discos anteriores,  a gente sentiu que o momento pede algo novo. É muito revolucionário ser alegre e ser feliz. Acho que é uma das mensagens do disco.

Como está sendo a turnê na Espanha? E suas impressões sobre o Festival Murmura?

Sebastián e Mateo: Está lindo,  está “MUY GUAY” [expressão espanhola que quer dizer legal, massa]. A gente tocou 5 shows seguidos: Barcelona, Donostia, Madrid, Gran Canaria, Mojo Music e hoje tocamos aqui em Almería. Para o público que não fala português precisamos refazer o show e usar um pouco do que aprendemos tocando na rua, cativar o público independente, trazer nossa mensagem independente se as pessoas estiverem dispostas a ouvir. O lugar é muito bonito e parece que estamos em uma experiência onírica. 

Como era, para vocês, a experiência de tocar na rua?

Sebastián: Muito enriquecedora, muito divertida, mas muito cansativa. Para fazer uma boa apresentação você tem que dar tudo e nessa fase o fazíamos para pagar nossas contas. Foram 3 anos muito intensos, 2 a 3 shows por dia, tocávamos em restaurante em troca de comida, nos hotéis por hospedagem, e na rua passando o chapéu. Com essa rotina, criando esta expectativa no público, o dinheiro que a gente levantava era maior do que nos bares convencionais, no nosso caso na cena alternativa. Além disso, pudemos criar um público mais real. Então entendemos que, além do aprendizado, essa também era uma forma muito mais promissora da banda crescer. 

Mateo: Esse formato de improviso, de tocar na rua, quando inesperado, gera uma memória muito mais inesquecível para o público, porque esse show é único. Aproveito para citar David Byrne: a música tem o poder de se adaptar onde será tocada. E isso é algo imprescindível nos artistas: a capacidade de se adaptar e tocar as pessoas com a música.

Com um inesperado e estridente zurro, o burro Baldomero interrompe a nossa entrevista, avisando que está na sua hora de comer. Dona Lola, a dona da pousada, que voltava de alimentar sua mascote, lança a pergunta: “Mas quem é esse tal Francisco?”

Sebastián: Francisco El Hombre é um personagem lendário da Colômbia que descobri lendo o livro  “100 Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez. O personagem viaja com seu acordeón, de praça em praça, cantando sobre o que aprendia no caminho. Então, de certa forma era ele quem levava as notícias, as pessoas se sentavam para escutar e ficar sabendo dos acontecimentos no resto do país e ao mesmo tempo o fazia com uma boa “onda”. E o que fazemos é isso: viajar pelas cidades comunicando o que estamos aprendendo no caminho com uma boa onda, com nossas músicas e festas, fazendo nossa denúncia política festiva.

Burro

o Burro Baldomero – foto: Hank Levine

Finalmente, Dona Lola nos conta que, muito tempo atrás, havia uma época do ano em que era permitido sair e dançar, sem pudores nem censura, e as pessoas nesse dia podiam cantar suas críticas e blasfêmias aos que governavam, e não seriam vítimas de retaliações nem represálias. Era uma festa pagã de quase todos os povos antigos de Almería e se chamava carnaval. E como não deveria deixar de ser, em meio a tanta natureza, a voz sábia da experiência nos fez a todos calar. “Atenção, atenção para a última canção”. 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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