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“Tivemos a intenção de trazer a verdade e o deboche da Rita Lee”

Rita Lee em Ritas

Imagem: Divulgação

Diretor de Ritas, novo documentário sobre a Rainha do Rock, Oswaldo Santana conversa com Jota Wagner

Estreia hoje nos cinemas o novo documentário Ritas, sobre a rainha Rita Lee, dirigido por Oswaldo Santana, um dos mais respeitados VJs da década de 90, com o coletivo Embolex — cria das festas underground e da incrível geração que hoje ocupa o audiovisual brasileiro, ao lado do parceiro Fernão da Costa, Spetto, Alexis, Ruth Slinger e Ronaldo Mendonça.

Ritas é fantástico e prima ao trazer vídeos gravados com um celular pela própria artista na última fase de sua vida, além de cenas raras de shows e gravações amadoras da família Lee. Oswaldinho e sua equipe se debruçaram sobre toneladas de material entregues pela própria Rita, antes de sua morte, e editaram uma obra que apresenta a real Rita (além da Lee) como nenhuma outra, até então.

O documentário é o primeiro longa de Santana, que conversou com o Music Non Stop sobre sua criação, suas raízeas na cena eletrônica brasileira e muito mais. Confira.

Jota Wagner: Como todo este projeto do documentário Ritas surgiu?

Oswaldo Santana: Em 2018, a Tônica Filmes, que é a produtora do projeto, comprou os direitos da autobiografia da Rita e a gente partiu para fazer uma entrevista exclusiva com ela. Essa entrevista foi realizada pela Karen Harley, codiretora e roteirista do filme. Em paralelo a isso, começamos a pesquisar seu material.

Imagem: Divulgação

Foi o primeiro processo de arqueologia, de descoberta, e a gente começou o processo de montagem. Você vai quebrando as pedras, achando as suas pepitas, separando, separando, separando… Aí você olha e aparece uma infinitude de peças valiosas. E você tem esse encaixe do material. Em paralelo, contratamos o Antônio Venâncio para ajudar nisso. Então começou a chegar o material do acervo da própria família. Aí começaram a aparecer as grandes surpresas. A família se gravava bastante. Férias, aniversários e tudo o mais. Quando recebemos tudo, falamos: “isso é bom demais!”. Evoluímos até o ponto de entregar um celular para a Rita gravar seu dia a dia.

Há várias gravações em selfie da Rita, mostrando sua rotina e contando histórias. Ela já sabia que isso seria usado em um documentário?

A gente começou a gostar das gravações caseiras, e propôs para eles, que eu chamo de familee. Dissemos :”pô, Rita, você não quer mandar mais gravações suas aí? Está sendo muito legal”. A família começou a enviar, até um ponto que decidimos deixar um celular com ela. Foi um pouco antes da pandemia, então rolou toda essa confluência de coisas e a ideia foi super bem-aceita. Temos momentos incríveis.

Oswaldo Santana. Foto: Ronny Santos/Divulgação

A Rita Lee sempre foi muito conhecida por ser bastante reservada em relação à vida pessoal. Algum assunto foi proibido?

O clã da Rita representa bem isso, da não censura. Claro que havia diálogos, intenções, um puxada de sardinha mais para um lado ou para o outro, mas nunca cortaram nada. Havia muito respeito e uma confiança entre todos. Sabíamos que nos foi dado um muito material íntimo. A Rita teve um período mais recluso, mas antes disso, nunca foi assim.

Cara, ela foi uma das precursoras do Twitter, com uma comunicação superlegal. Ela sempre falou com os fãs dela, sempre lidou muito bem com isso, com verdade e aquele deboche natural dela. Mesmo na fase reclusa, ela nos alimentou de várias formas.

Imagem: Divulgação

Eu senti a Rita Lee de uma forma muito mais humana no documentário do que na autobiografia. Mesmo sendo um leitor voraz, pensei no poder da imagem…

Jota, você me coloca numa brisa de pensamento bem interessante: essa comparação da literatura com o cinema. O poder da imagem é complementar. Com a música, por exemplo, com poder ver o brilho no olho da pessoa. Isso reafirma o que você está propondo.

No filme, você tem um pouco dos pensamentos dela, dá para trazer um pouco mais. A montagem mais experimental ajuda muito nisso. Tivemos a intenção de trazer a verdade e o deboche da Rita, em todas as fases da sua vida.

Imagem: Divulgação

Como é que um cara que a gente via projetar em raves e festas underground de São Paulo virou o documentarista da maior estrela do rock brasileiro? E mais, o que aquela fase VJ trouxe para seu trabalho?

Me trouxe a experimentação, algo muito valioso para a montagem. As formas com que você encara os diversos materiais, as diversas leituras… Quando, por exemplo, estava lá o DJ Jota Wagner tocando na Colors, eu tinha de usar a imagem para adaptar à música, à pista de dança. E a montagem, de certa forma, é uma adaptação. Acumulei tudo isso com a Embolex, nas raves, ou em festas como a Colors e o porão do Susi em Transe, tomando catuaba ao lado da Claudia Assef. Interpretando e enxergando camadas da música.

Na época, eu já era editor de imagens. Até hoje fico contando beats a noite inteira, prestando atenção em mixagem. Minha mente sempre olha por esse recorte.

Mas você já tinha estudado cinema nessa época?

Eu já trabalhava com audiovisual. Trabalhava muito com publicidade nessa época, que tem muita regra aleatória. Estava de saco cheio daquilo e queria quebrar essas regras. O Embolex, ao lado do Fernão, veio disso. Fazer tudo o que eu não podia fazer. Contracultura! Depois, fui para videocenografia para teatro, trabalhei no Oficina, com inúmeros artistas. Também trabalhei com a Nação Zumbi durante bastante tempo, fui expandindo o audiovisual. Minha carreira no cinema foi muito margeada por isso.

O filme da Rita Lee foi onde você usou mais desse background?

Total. Mudei de montador para diretor, propondo coisas. Eu era a primeira pessoa no processo e isso me deu muita segurança para explorar. É meu primeiro longa, uma superoportunidade. Queria que pessoas que já me conheciam reconhecessem essa experiência.

Procurei também montar o documentário como ficção, com um arco dramático. O filme é conduzido pela emoção. Um equilíbrio entre informação, emoção e linguagem.

Quais foram seus maiores desafios no filme? Excesso de material?

Sem dúvida, o volume de material. Mas, como montador, já tinha essa experiência. Melhor ter excesso de material do que a falta. Te dá mais opções. Uma outra dificuldade foi o licenciamento: como você autoriza todas essas camadas de material para concluir o projeto. E, falando especificamente aqui do nosso mercado brasileiro, não tem regra nenhuma, mas cada um lida de um jeito. Os acervos estão cada um em um lugar, arquivados de uma forma diferente, é uma etapa muito sofrida.

Há muita música no cinema hoje em dia. Cinebios, transmissão de shows, documentários… A música está ajudando a salvar o circuito cinematográfico?

Eu acho que está dando um belo impulso. Acabei de assistir ao show do Pink Floyd em Pompéia. É incrível, porque aí entra o lance da experiência do cinema. Uma sala escura, projeção calibrada, aquele movimento que o som tem… Eu brinco que o som é mais do que 50% do audiovisual. E sim, acho que a música descobriu o cinema como plataforma, também.

Estamos acompanhando todos os VJs que estavam ali, na aurora das festas de música eletrônica nos anos 90: o Alexis com o projeto do Visualfarm, Spetto projetando nas Olimpíadas, você com um filmaço, Ruth Slinger e Ronaldo Mendonça com a série BPM… Que baita geração hein?

A água que a gente bebia era boa! E acho que aquele caráter de experimentação fez muito bem. A gente não sabia o que estava fazendo na época. Começamos a conviver como um clã. Tem também Fernão, dirigindo com o Lucas Bambosi. Toda essa turma que aproveitou aquele momento e colocou sua visão no audiovisual.

Você está no meio da promoção do Ritas, mas não posso deixar de te perguntar sobre o futuro…

A aceitação que esse filme está tendo está sendo impressionante. Claro, tem muito nervosismo. Eu estou me apresentando como diretor, mas eu já faço parte dessa indústria. Eu tinha muito receio, mas, como é meu primeiro longa, pensei: “não tenho nada a perder”. E consegui chegar com os dois pés na porta. Claro, já estou aqui com uma pastinha com vários projetos para serem oferecidos, incluindo um grande documentário, mas não posso dar detalhes ainda.

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