Jota Wagner conversa com Juliano Libman, um dos sócios do festival brasileiro; sexta edição rola neste final de semana
O Nômade Festival, cuja sexta edição acontece neste final de semana (03 e 04 de maio, em São Paulo), se tornou um dos grandes motores da música popular brasileira ao misturar jovens artistas com os gigantes. Criado em 2018 por uma produtora já acostumada a grandes eventos, chamada InHaus, o festival já começou metendo o pé na porta, com Lulu Santos como headliner de seu primeiro rolê. Na edição vindoura, ninguém menos do que Ney Matogrosso, Daniela Mercury, BaianaSystem e Alcione encabeçam o line-up.
Gente de peso, que até pouco tempo atrás não estava nem um pouco acostumada, tampouco aberta, à correria que é tocar em um festival. Este, um dos grandes pontos positivos do Nômade: convencer a galera do alto escalão a tocar em seu palcos. De nômade aliás, o rolê tem apenas o nome. Sua casa atual é o Parque Villa-Lobos, no centro expandido da capital paulista.
Juliano Libman, criador do Nômade Festival (e vários outros, como o Sons da Rua, dedicado ao rap e o trap) ao lado do sócio Luiz Restiffe, falou com o Music Non Stop da sala de produçao do evento, dentro do parque. Ao contrário da clássica estante de livros tão comum como cenário de fundo das videoconferências, uma porção de gente atarefada passando para lá e pra cá, cuidando da montagem de um evento que recebe 15 mil frequentadores por dia e emprega 80 pessoas fixas e cerca de 500 durante o festival — sem contar tudo o que movimenta a seu entorno, de ambulantes a agências de viagem.
Ao final da entrevista, a equipe do Nômade Festival me pede mais um minuto para dar a palavra a Marcinhò Zola, para falar de uma iniciativa que vai acontecer pela primeira vez no evento. Um projeto de conscientização sobrea a precariedade menstrual no Brasil, problema latente na população mais vulnerável. Zola conta que o festival abriu espaço para ONG Fluxo Sem Tabu, que estará disponível durante o evento para esclarecer o tema e receber doações. Os itens aceitos na entrada soliária (geralmente apenas alimentos) foram estendidos a absorventes, posteriormente distribuídos para mulheres em situação de rua. Bem legal.
Jota Wagner: Você concorda com a tese de que, para alguém resolver criar um festival, precisa ter um parafuso a menos na cabeça?
Juliano Libman: Tem de faltar vários (risos)! Mas é um mix também, e você tem de ser racional, porque está lidando com vidas. Quando estamos fazendo um evento para 15 mil pessoas, temos uma responsabilidade perante todas elas em uma área fechada. Você pode fazer o plano de negócios que for, mas quem disse que nessa data vai conseguir vender todos os ingressos? O ticket médio muda dependendo de estar frio ou não. É preciso ser racional e ter coragem ao mesmo tempo.
Em que momento tudo isso vale a pena?
Pra mim, um momento em que pensei isso foi quando fizemos o show com o BaianaSystem. Tanto que o convidamos novamente este ano. Eles encerraram o sábado do festival em 2023, e eu vi aquela galera toda tão dentro do show, pulando, aquele bate-cabeça, todo mundo interagindo, tão alegres, felizes por estarem lá. Nessa hora você fala: “cara, vale muito a pena”. Não há dinheiro que pague.
Juliano Libman e Luiz Restiffe, sócios do Nômade Festival. Foto: Divulgação
Vocês estão ficando conhecido por montar line-ups impossíveis, com os grandes da MPB, como meter Ney Matogrosso, do alto de seus 83 anos no meio de um festival…
Sim, a gente faz muito isso. A primeira vez que fizemos foi ao convidar o Lulu Santos para a primeira edição…
Como vocês chegam junto a esses caras?
Imagine só, você trazendo um artista como o Lulu, que viaja com um cenário superquadrado, acostumado com casas de show fechadas… Ele sabe por onde entra, por onde sai, onde está todo o seu equipamento. Um cara que gosta de fazer ensaio, passagem de som, não quer que desmontem a bateria, etc.
Foto: Henrique Cabral/Divulgação
Me lembro que o encontrei no dia do evento e perguntei: “por que você topou fazer este festival com a gente? É a nossa primeira edição!”. E ele me respondeu que era por causa do line-up. Só que ele era o artista mais consagrado daquele ano. E ele me respondeu que adora o Silva! Um artista novo na época.
“Cara, eu me interesso nisso porque eu acho que é importante para mim, além de rejuvenescer meu público e conseguir trocar com esses artistas.” Ele geralmente chega ao local meia hora antes do show. Naquele dia, ele encerraria o palco, às 20h30. No Nômade, ele chegou às duas da tarde com o marido. Foi para aproveitar. Foi no camarote passando pelo meio do público. Justo o Lulu, uma pessoa supermetódica em relação ao seu trabalho.
Talvez minha resposta à sua pergunta seja um pouco isso. Acho que a gente sabe fazer uma curadoria um pouco menos óbvia. Mas é obvio que é desafiador você colocar um Caetano Veloso dentro de um festival.
Público curtindo o Nômade Festival. Foto: Divulgação
São artistas que por muito tempo não dividiam show, e agora estão tocando em festivais ao lado de vários outros colegas. Como você percebe que eles se sentem com isso?
Todos eles têm um certo pé atrás, não estão acostumados a fazer festival. Uma coisa é fazer casa de shows, onde 100% do público está lá para te ver. Num festival é diferente. Talvez a maior angústia do artista seja essa. Mas eu me lembro de situações em que eles saem emocionados por encontrar um público que eles não acreditavam ser o deles, cantando as músicas junto. Tem muita troca. Quando conseguimos fazer um festival tão eclético, vemos uma pessoa vir para assistir a um headliner e ter a oportunidade de conhecer outro artista, para o qual ele não compraria um ingresso para ver. Ficamos muito felizes quando sabemos que essa pessoa conheceu um novo músico. Depois disso, ele compra o ingresso em uma casa de shows e o prestigia, em outra oportunidade.
Muitos artistas também estão acostumados a um formato de casa de show, mais silencioso, em que o espaço não é aberto e não tem interferência, seja de chuva ou da acústica diferente. Mas eu te falo: a gente nunca teve uma atração que saiu incomodada ou arrependida. Me lembro que, no ano passado por exemplo, a Maria Rita estava em êxtase, não queria sair do palco. Me abraçou no final do show. É muito legal esse feedback que a gente costuma ter.
Como é que vocês lidam com a pressão pelo crescimento?
Muitas vezes as pessoas pensam que o crescimento é só em tamanho. Nós crescemos desde as primeiras edições, no Memorial da América Latina. Ainda é nossa casa para vários eventos, adoramos aquele espaço. Mas, ao mesmo tempo, não achamos que temos de ir para o Autódromo de Interlagos ou fazer três dias de evento, no lugar de dois, como hoje. Podemos, sim, aumentar a experiência para o público. Shows mais incríveis, trazer artistas que ainda não trouxemos, como por exemplo a Marisa Monte, um sonho nosso. O Gilberto Gil também nunca fez o Nômade, outro sonho…
Acho que nosso crescimento é muito mais seguir essa checklist de artistas que gostaríamos de ter e continuar entregando um bom festival. O crescimento em tamanho pode comprometer nosso padrão de entrega. Por exemplo, o Memorial é extremamente acessível de transporte público. O Parque Villa-Lobos, a mesma coisa, tem uma estação da CPTM na cara do gol. É uma questão de mobilidade urbana, de democratizar o acesso, e uma questão de consciência com as pessoas que consomem álcool e não devem dirigir.
No Parque, temos espaço para um festival três vezes maior. Mas a gente não faz isso porque quer que a pessoa estique uma canga e sente no chão. Que possa sair da frente do palco e ir para um bosque, por exemplo. Que possa comer sem estar no meio da aglomeração. Nosso crescimento, portanto, é pensar muito mais na longevidade do evento. Hoje em dia é muito difícil durar 15, 20 anos.
Foto: Rafael Strabelli/Divulgação
O que um artista precisa ter para chamar a atenção de vocês e ser convidado para tocar no Nômade?
Vale explicar como funciona nossa curadoria. Muitos eventos têm um curador cuja a programação é entregue em sua mão e ele tem toda a autonomia. No caso do Nômade, ele é feito em várias mãos. Então não é sobre um artista convencer a mim, ao meu sócio ou a um curador. A gente faz um mix. Temos todo um time de comunicação para entender quais são as tendências, as promessas, o que o nosso público busca ver, quais shows já fizemos e que talvez faça sentido repetir. Então é todo um trabalho. Tentamos pegar artistas novos, como Os Garotin e Jotapê, este ano. Ganharam Grammys e é óbvio que isso ajuda muito. Mas é óbvio que a gente não trabalha só com troféu ou números de Spotify.
Levamos em conta também os momentos que a gente quer. No Nômade, a gente não vai só aquecendo a energia com o passar das horas. A gente dá um tempo, trabalha em ondas, com algo mais agitado, outro show mais calmo, e finaliza lá em cima.
Os festivais pelo mundo têm sido doutrinadores de boas praticas em sustentabilidade. Como é essa questão para vocês?
Para nós, a inclusão e a diversidade sempre foram as principais bandeiras. E o tempo que a pessoa está dando a um festival é o que melhor pode ser usado. São 12 horas se alimentando, vendo o show, indo ao banheiro, e tudo isso permite ativações que não são só de marca. Temos uma ativação do Greenpeace e outras ONGs. É diferente uma pessoa passar por uma ativação quando está voltando do trabalho na rua, com pressa, e a dos festivais.
Essa é a hora de falar sobre acessibilidade, por exemplo. De se preocupar como a pessoa, não importa se seja um cadeirante só, vai chegar em um evento com 15 mil pessoas. Preocupações com a posição do banheiro, do espaço PCD, são coisas que não fazemos por obrigação, mas porque faz parte do nosso trabalho mesmo.
Temos uma preocupação grande com o acolhimento. Em todos os nossos eventos, temos tendas com advogados preparados, psicólogos, para acolher tanto uma questão de crise mental quanto uma briga de namorados, por exemplo.
E na parte de sustentabilidade, o pensar no destino de tudo o que vai ser usado. Para onde vai a cenografia depois? O que é reaproveitado? Tudo isso é tratado com nossos parceiros. Temos parcerias com empresas que dão a destinação correta pra a reciclagem de vidro. Faz parte do nosso conceito.