
Giovanna Moraes: “A galera do rock anda muito engomadinha”
Atração do Lollapalooza, cantora e compositora fala sobre mudança, público, não se levar a sério demais e o que esperar de seu show
Giovanna Moraes passou de “boazinha” a “chata” em seis meses. A tal chatice, na cabeça dos homens, nada mais é do que um garota falando o que quer da vida. Nessa mudança, encontrou milhares de meninas que se reconheceram com sua música, levando-a para estrear nos palcos da edição brasileira do festival Lollapalooza Brasil 2025, marcado para os dias 28 a 30 de março, no Autódromo de Interlagos. A cantora abre o Palco Samsung Galaxy no domingo, 30, ao meio-dia (veja a programação completa aqui).
A transformação veio quando publicou nas redes sociais uma música feita meio sem pretensão, chamada Fala na Cara, de saco cheio de engolir o sapos que os “tiozões” comentavam em suas redes socias. Adotou o deboche e a irreverencia para falar sobre a vida de uma mulher na sociedade atual.
O sucesso da canção culminou em Fama de Chata, seu segundo álbum, inspirado na estética do rock feminino dos anos 90 e 2000, época em que bandas como Hole, The Muffs, L7, Elastika, Babes in Toyland e tantas outras subiram aos palcos para cantar sua raiva, conquistando o mundo com algo novo e divertido.
Gionanna Moraes falou conosco sobre essa mudança, sobre o que esperar de seu show no Lolla e como seu público compreende sua música. Vem com a gente!

Jota Wagner: Você traz consigo uma estética muito forte com o rock feminino dos anos 90, como L7, Babes in Toyland… Como isso entrou em sua vida?
Giovanna Moraes: Eu acho que tem muito dessa atitude de falar verdades, provocar. E ter um pouco de senso de humor, que eu acho que foi se perdendo um pouquinho, no rock especialmente. A galera anda muito engomadinha, querendo se levar muito a sério. Então eu vi um espaço para fazer um negócio mais esculachado e eu me diverti pra caramba.
Porque eu mesmo fui uma pessoa engomadinha por muito tempo. Fiz som de vários jeitos. Estou desde 2017 fazendo um som. Fazia algo mais experimental, e fui me encontrar justamente nessa estética anos 90 que marcou minha vida. Eu cresci ouvindo Charlie Brown Jr., Mamonas… E acho que tem um movimento dessa coisa do rock dos anos 90 voltando para o mapa. Meu som tem essa vibe mesmo.
O nome do seu último disco é sensacional, “Fama de Chata”. É sobre aquele pensamento masculino de que toda mulher que marca sua posição e diz o que quer é chamada de problemática. Como você enfrenta isso no dia a dia?
Com muita educação e ironia, Jota. As pessoas jogam tanto peido nas minhas mídias sociais, com opiniões do que eu deveria fazer, e eu respondo todo mundo com gentileza e muita ironia.
Tipo, “você veio aqui na minha rede social por quê?”.
Pois é… Às vezes coloco algumas frases de minhas músicas: “fica a dica, linda, saiba viver”. E é muito engraçado porque parte das pessoas que me tacam esse tipo de comentário, esse hate, é de homens mesmo. Acham que existe um jeito “certo” de ser feminina. E se não agrada o padrão deles, você é chata, puta, louca, e um monte de outros rótulos desagradáveis. E eu desconstruo vários deles no álbum e na estética do projeto. Se você ver a foto da capa, eu estou lá toda esculachada.
E você já abriu para um monte de bandas de rock tradicionais, que têm bastante desse tipo de público…
Eu achei muito foda todas as oportunidades que tive de estar com essa cena do rock, que é muito consolidada e que tem pouca movimentação. Tem muito festival de rock pelo Brasil onde o lineup é meio igual há anos. Então é realmente uma honra ser pautada, considerada e ter conseguido conquistar algum espaço lá dentro.
Acho importantíssimo reviver esse gênero do rock que existe muito forte no underground, mas sem oportunidades nesses festivais. Para gente nova, especialmente do mundo autoral. Reflete também uma coisa do público, saca? O público que vai nesses eventos está envelhecido. É um cara do tipo o meu “calma, tio!” (jargão da artista em suas música As Mina no Poder). É um público que ficou com a mente fechada sobre o que é “rock de verdade”.
E o meu público não é esse. O meu público são meninas de nove a 25 anos de idade. Uma galera bem jovem que escuta Luísa Sonza, K-pop e Giovanna Moraes, tá ligado? Não é um público roqueiro. Então foi muito interessante abrir para Capital Inicial ou fazer participação no show dos Detonautas. Eu reconheço que o público que está lá na minha galera.
Essa geração nova já cresceu acostumada a ouvir de tudo…
Eles estão cagando pra prateleira, gênero musical. O que eles querem mesmo é saber se alguém está falando alguma verdade, uma autenticidade. Um negócio menos “parecendo ser”, seguindo molde, o padrão que todo mundo faz, e mais com coragem de ser do jeito que a gente é.
Como estava a sua cabeça quando fez Fama de Chata?
Mano, é uma doideira… Quando o mundo se abriu depois da pandemia, eu circulei bastante pelo interior de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro para tentar entender como eu era no palco, quem era como artista e tal. Fui vendo o que mais repercutia nas pessoas. E tinha uma parte instrumental de uma música que eu berrava: “quem aí cansou de ser boazinha?!”. E a galera berrava. Percebi que tinha algo ali.
Porque eu sempre tive muita melancolia no meu som. Sou uma pessoa que tem seus demônios, como boto fé que todo mundo tem. Então passei a querer explorar um lado que tava mais engolido, de raiva. Comecei a botar pro mundo as coisas que a gente não consegue controlar. Em vez de me sentir presa naquele negócio, comecei a chutar. Falei: “mano, vou tirar essa raiva de mim”.
Então fiz uma música chamada Fala na Cara, que nasceu desse cansar de ser boazinha, e repercutiu demais na internet. E com essa repercussão no TikTok eu falei: “putz, preciso ter um álbum nessa pegada”.
Foi então a primeira música que você fez desse álbum…
Foi a primeira. Lancei ela em 2023. Aí continuei circulando no interior, fazendo shows, e começaram a colar pessoas pela primeira vez, que tinham ouvido o meu som e estavam cantando a minha música. Então falei: “caralho, eu acertei demais nessa brincadeira que eu fiz”. Daí nasceu a ideia de fazer o álbum. O nome surgiu primeiro. Já que eu sou chata, então vou ter a fama.

De boazinha a chata, uma tremenda virada…
Em seis meses!
E aí vem o convite para o Lollapalooza. Isso mexe com a cabeça da gente…
Mano, eu acho que só o fato de estar lá já é um baita sucesso. Independentemente do que for, o bagulho vai acabar muito rápido. É um set que voa, especialmente quando a gente está no palco, com toda aquela adrenalina do momento. Então não estou querendo jogar muita expectativa. Quero me divertir, mostrar meu som, falar um “calma, tio!” lá em cima do palco e fazer minha zoeira.
Vou tocar algumas músicas que eu acho que já viraram mais clássicas do Fama de Chata, que as pessoas curtiram mais — as que minha galera manda mensagem com frequência falando que a música bate demais —, e também vou levar músicas novas. Estou com um projeto em desenvolvimento, que ainda não tem nome. Não sei se será álbum, EP, mas algumas músicas que eu estou com orgulho de ter feito. Quero aproveitar esse tempo para mostrar esse trabalho novo.