Buzzcocks Foto: Divulgação

As coisas ‘estranhas’ dos Buzzcocks: Steve Diggle fala sobre retorno ao Brasil

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Prestes a voltar ao nosso país depois de 15 anos, frontman do icônico grupo inglês conversa com Jota Wagner

“Nós fazemos as coisas certas, e vocês, as estranhas.” Esta foi a resenha que os próprios Ramones fizeram dos Buzzcocks, no camarim, após assistirem ao primeiro show da banda em Nova Iorque. Uma análise bastante interessante feita pelos criadores do punk-rock para a banda dos moleques de Manchester, Inglaterra. Quem me conta a história é o próprio Steve Diggle, em entrevista ao Music Non Stop feita desde sua residência atual em Alburn, subúrbio de Londres.

Steve está animado. Finalmente voltará ao Brasil, terra que tão bem recebeu os Buzzcocks em suas quatro turnês pelo país, incluindo apresentações históricas no Aeroanta (SP, 1996) e no Cine Íris (RJ, 2001). São 15 anos desde sua última gira pelo país, e desta vez, o grupo desce para o Hemisfério Sul para tocar, além de em São Paulo e Curitiba, na Cidade do México, em Bogotá, Santiago e Buenos Aires.

Seis shows em oito dias, passando por cinco países! Trabalho pesado para uma banda que começou há 50 anos. Vitalidade é a palavra de ordem. Tanto que, em 2022, o grupo lançou o ótimo álbum de inéditas Sonics in the Soul, mostrando que a aposentadoria não estava mesmo nos planos.

Além de animados, os caras estão preparados. Diggle e seu Buzzcocks fazem questão de se alimentar da paixão que os sul-americanos nutrem pela seminal banda punk inglesa.

Jota Wagner: Baita honra falar contigo, porque eu estava naquele histórico show de 1996 no Aeroanta. Se lembra daquela noite?

Steve Diggle: Sim! Lembro-me do quanto a galera estava animada. Muito, muito entusiasmada. Foi apaixonante. Foi uma turnê fantástica, aquela.

Como é viajar para tão longe de casa e encontrar um monte de gente que conhece tudo sobre sua música?

É maravilhoso. Quando você lança um disco, não sabe até onde ele vai chegar e nem acha que ele vai sair do seu país. Saber que você consegue se comunicar com o mundo através da sua música é muito louco. Quando as pessoas conhecem as músicas nos lugares que a gente vai, quando elas sabem as letras e os nomes das canções… é uma sensação maravilhosa. Principalmente porque é aí que vemos que nosso espírito está dentro das músicas.

Me lembro de um molecada naquele show. Por que você acha que as novas gerações seguem se interessando pelas bandas originais do punk-rock?

Eu acho que as músicas conseguiram atravessar sua era. Ainda lemos Shakespeare e ele é muito mais velho do que nós. Quando escrevi aquelas músicas, eu falava sobre aquele momento, sem saber que elas iriam durar. Mas os Buzzcocks sempre tiveram grandes canções que fazem relação com as pessoas em diferentes lugares do mundo. Cantamos sobre o que é ser humano e o que existe dentro da gente. Acho que as pessoas se reconhecem nisso. É bem como você disse, tem sempre garotos em nossos shows, ao lado dos velhinhos, como nós. Jovens que nem haviam nascido quando nós começamos.

Buzzcocks are coming

Imagem: Divulgação

No último disco de vocês, há uma canção chamada Manchester Rain. É a chuva a responsável por tantas bandas boas vindas da tua cidade?

Deve ser, Jota. Às vezes, quando está chovendo, você acaba olhando pra dentro de si. É diferente quando o tempo está nublado, chuvoso. A chuva de Rain é metafísica. É sobre a chuva em sua alma, na verdade. Quando você está encostado em um muro, há possibilidades, e é sobre isso o que diz a canção. Um tempo atrás, quando eu estava fazendo um show em Manchester, uns garotos vieram me falar que estavam começando uma banda. Eu me vi neles, 40 anos antes. É aquele momento de chuva de insights em que tudo é possível. Um estado metafísico do espírito, quando você pode fazer absolutamente tudo o que você quiser.

Autonomy é minha música favorita dos Buzzcocks. Você a escreveu. Se lembra do que se passava em sua cabeça no momento em que a criou?

A música era sobre ditar as próprias regras. É um pouco sobre você arruinar a si mesmo, e não o governo, entende? Somos presidentes de nosso próprio corpo. Nosso corpo é o nosso país. E se começarmos a cuidar dele em casa, internamente, estaremos dando início a um cuidado que depois pode se espalhar para os outros. Autonomy tem uma coleção interessante de imagens musicais… É uma daquelas canções que só olham pra frente.

Na época de nosso primeiro álbum, eu achei que precisávamos de alguma coisa mais ousada, experimental. E ela é uma dessas coisas estranhas. É angular, vai bem no pescoço, e então os riffs de guitarra a tornam um pouco mais complexos. Quando ela saiu, ninguém estava fazendo isso no punk-rock. Então eu pensei em tudo o que ainda podia ser feito dentro do gênero.

Nós amávamos as coisas mais retas. Na primeira vez que tocamos em Nova Iorque, os Ramones foram nos ver. Ele foram falar com a gente e disseram: “nós fazemos as coisas certas e vocês as estranhas, levam para outros lugares”. Ninguém fazia as músicas “retas” melhores do que eles. Então o diferente acabou virando uma característica para nós. Autonomia!

Steve Diggle - Buzzcocks

Steve Diggle. Foto: Ron Lyon/Divulgação

Estamos vivendo tempos estranhos. Qual o sentido em fazer música e subir no palco hoje em dia?

Bem, quando começamos, estávamos lidando com um mundo novo. Éramos infelizes e só conseguíamos encontrar felicidade na estranheza. E é justamente isso que segue importante hoje em dia. Quando se faz punk-rock, você não se concentra em estar tocando, mas na alegria da plateia. É um culto na sagrada igreja do rock. Banda e plateia se tornam a mesma coisa. Uma hora de fusão total dentro de uma casa de shows para celebrar o todo. Você fica de frente com Deus, o diabo, com sua vida toda, seus boletos, e celebra tudo em uma catarse.

Por isso é tão importante hoje em dia. Música não é só música. É gente também, e é sobre o que essa gente está fazendo. É compreensão e educação.

Agora é esperar toda esta celebração aqui no Brasil, logo mais…

A gente não vê a hora! Faz tanto tempo… Muita gente nos enviava mensagem perguntando sobre nossa volta ao Brasil. Estamos muito felizes com essa viagem.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.